sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Profundamente Minha: Capítulo 8 — Segunda Chance (Parte 1)

Oi gente, tudo bem?? Prontas para mais um capítulo!? Depois de muito sofrimento, as coisas vão começar a se ajeitar? Mas já sabem, né?? Nada é certo, nada é seguro quanto se trata de Gideon e Eva!!  Espero que gostem. Boa leitura!!
“Faz teu pior pra mim te afastares. Enquanto eu viva, tu és sempre minha. Não há mais vida se tu não ficares, Pois ela vive desse amor que é teu”.
— William Shakespeare

Chego em casa ofegante. Toda a cidade passou por mim como um borrão. A dor no meu peito é forte demais, chega a ser algo físico. Hoje eu tive a constatação que não ser mereço ser feliz. Que tudo o que eu toco vira pó. Falhei com Corinne, por não ter lhe deixado claro que não havia mais volta, falhei com Maggie por sustentar uma amizade mesmo sabendo de seus sentimentos por mim, e agora falhei com Eva, em todos os níveis que se pode falhar com alguém. Eu a magoei profundamente e não sei se poderemos nos recuperar. Todos os sonhos de felicidade que eu tinha a seu lado desmoronaram.
A culpa é minha. Eu a coloquei em risco mais uma vez, reabrindo suas feridas dela. Tenho plena consciência de que preciso nos manter afastados, mas meu coração teimoso diz o contrário, e ultimamente sua opinião tem sido muito significativa para mim. E pensar que cheguei a imaginar que já não o tinha mais. Ele está bem aqui, batendo forte, quase descontroladamente, totalmente quebrado, destruído, mas está aqui.
Largo a bolsa de viagem em qualquer lugar do meu quarto, retiro rapidamente minhas roupas e me encolho num canto, me permito chorar como uma criança assustada... Como o pequeno Gideon que chorava após ser violentado sem saber exatamente o que isso implicava. A quem eu quero enganar? Nathan é um monstro depravado e doente que destruiu a infância e parte da adolescência de Eva. E eu? Sou o monstro que está destruindo seu presente. Ela merece mais. Talvez nesse exato instante ela esteja pensando isso: que merece alguém melhor do que eu. Alguém que não seja tão repulsivo, tão desprezível e destrutivo. Eva me deixará assim como minha mãe.
Elizabeth nunca me amou de fato. Só pensava que eu era resultado de um erro disfarçado de acerto. Sempre preocupada com o status e as aparências, ela é o retrato perfeito da futilidade e da falta de carinho. Seu casamento com Christopher nada mais foi do que um acordo comercial, embora eu deva admitir que ele sempre fora atencioso comigo, mesmo quando não havia acreditado na minha palavra naquela época.
Quanto à Eva, sempre tive seu apoio, sua compreensão, seu carinho, seu amor, ou pelo menos tinha até poucas horas atrás...
Após o que pareceram horas me levanto, vou até o banheiro e tomo uma ducha rápida. Eu me seco e, ainda nu, sigo rastejante até a cama, me embolo entre os lençóis e agarro o travesseiro do lado esquerdo. Aspiro o cheiro de Eva que ficou impregnado na fronha e desabo em mais lágrimas. Choro pela minha sina maldita, choro pelas pessoas que me odiaram por algo que eu não tinha culpa; choro por minha própria família ter me dado as costas, choro por ser um monstro. Choro porque sei que se Eva me rejeitar, eu não vou conseguir me reerguer.
/***/
Avisei a Scott que não iria ao escritório e caso houvesse algum problema que me comunicasse via email. Eu não tinha a menor condição de ir trabalhar. Estava completamente destruído tanto física quanto emocionalmente. Mal preguei os olhos e, quando pregava, eu tinha pesadelos ora comigo, ora com Eva. Tudo misturado. Eu acordava suado, ofegante, com a pulsação acelerada e morrendo de medo de tudo aquilo ser real.
Em seguida liguei para um Cary sonolento e perguntei como Eva estava. Ele achou minha pergunta estranha e então expliquei que tive outro pesadelo. Suas palavras ásperas ditas aos gritos não saíam da minha mente:
“VOCÊ É UM BASTARDO DE MERDA! VOCÊ NÃO A MERECE! EU SEMPRE SOUBE QUE VOCÊ SERIA UM PERIGO PARA A SANIDADE E PARA O CORAÇÃO DELA! EVA PRECISA DE ALGUÉM MELHOR, QUE VAI FAZÊ-LA FELIZ E QUE NÃO VÁ MACHUCÁ-LA. SE ELA REGREDIR, NÃO ME INTERESSA SE VOCÊ É GIDEON CROSS, NÃO ME IMPORTA SE VOU PRA CADEIA, NADA VAI ME IMPEDIR DE ACABAR COM A SUA RAÇA! VOCÊ QUER PROTEGÊ-LA? ENTÃO FIQUE LONGE DELA!”
 E desligou sem que eu tivesse chance de me defender.
Mas me defender de quê? Ele estava certo. Sobre tudo.
Por mais que Eva esteja com medo de mim, não posso descuidar de sua segurança. Ordenei a Angus que a levasse para o trabalho, afinal, com Nathan Barker vigiando seus passos, eu não posso arriscar. Ela jamais saberá que ele a está procurando e manterei sigilo quanto a isso enquanto for possível. Mando-lhe uma mensagem avisando que vou ao trabalho e que meu motorista irá buscá-la. Minutos depois a resposta chega. E eu não poderia ter ficado mais surpreso com ela:
*Nos vemos hoje à noite?*
Como assim?
Depois de tudo o que aconteceu eu não poderia sequer chegar perto dela. Pelo menos não no momento. A noite anterior está fresca em minha memória: a forma como ela me atacou para se defender! Cristo, se ela não tivesse feito aquilo eu poderia tê-la machucado! O pensamento disso embrulha meu estômago e faz meu peito doer.
Eu não posso, ainda não. Depois de uma longa pausa retorno sua mensagem.
*Não conte com isso. Tenho consulta com o doutor Petersen e um monte de coisas para fazer.*
Foi difícil recusar, mas seria pior se eu cedesse. Alguns instantes depois o celular toca novamente.
*Quero ver você.*
Ela quer mesmo isso? Eu sei que Eva está tentando correr atrás, insistir. Assim como eu fiz das outras vezes em que ela fugiu de mim. Mas agora é diferente. Não se trata de um simples fora, de uma fala mal interpretada. Eu a desestruturei, eu a machuquei da forma mais terrível. E as consequências poderiam ser irreversíveis. Não dá pra correr riscos na nossa atual situação. O pior é que sei que a perderei de qualquer forma, estando longe ou perto, mas de longe seria menos indolor, para ambos. Se eu a machucasse nem daria tempo de ser consumido pela culpa. Eu me mataria, sem pensar. Eu não suportaria tanta dor.
Retorno sua mensagem com uma resposta evasiva. Não teria coragem de negar nada a ela, mas também não prometeria nada.
*Vou ver o que posso fazer.*
Ela retorna no minuto seguinte.
*Não fuja. Eu não vou fugir.*
Mais uma vez fico sem palavras. Eva está disposta a tentar, a fazer dar certo. E nada poderia me deixar mais feliz em outras circunstâncias. A razão e o coração travam uma batalha épica entre si. Enquanto a primeira grita aos quatro ventos que o melhor é que eu a deixe em paz, o segundo rebata que devo continuar lutando. E após assistir a essa briga, pela primeira vez me deixo levar pela racionalidade, que tem sido pouco utilizada desde que Eva entrou em minha vida. Depois do que pareceu uma eternidade, respondo sua mensagem. Nunca foi tão difícil escrever duas palavras como agora.
*Mas deveria.*
/***/
As seis em ponto eu já estava na recepção do consultório do doutor Petersen. Passei todo o dia pensando nas mensagens que troquei com Eva pela manhã e no meu conflito interno.
E para piorar, Nathan mandou um aviso: nós temos uma semana para lhe entregar o dinheiro ou ele soltará os vídeos e a fotos de Eva na rede. Bastardo de merda! Ele não a deixaria em paz.
Recuso-me a ceder! Eu bem sei que Nathan não desistirá tão fácil. Havia algo por trás dessa perseguição repentina e vou descobrir. Não se trata apenas de vingança ou algo do tipo.
“Senhor Cross”, chama a secretária. “O doutor Petersen vai recebê-lo agora”.
“Obrigado”, digo educadamente me encaminho para a sala dele. A porta está aberta e assim que ele me vê, se levanta.
“Olá, Gideon. Como vai?” pergunta me estendendo a mão.
“Já tive dias melhores”, digo retribuindo seu cumprimento.
Ele franze o cenho e me analisa atentamente. “O que houve?”. Diz enquanto soltamos as mãos.
Respiro fundo. “Ontem à noite... Aconteceu...”. E paro. É muito doloroso falar sobre esse assunto.
Mas a percepção do doutor é muito aguçada. “Fique a vontade para se sentar. Você teve outro pesadelo?”
Desabo na cadeira e esfrego o rosto com as mãos. “Sim, e Eva estava ao meu lado”, minha voz sai abafada. “Dessa vez foi pior que a primeira”.
Ele me olha preocupado. “Ela está bem?”
“Sim. Digo que dessa vez foi pior porque o amigo dela não estava em casa. Eva me atacou no pescoço e me deu uma joelhada na virilha. Se ela não tivesse reagido, eu poderia... poderia ter...” e fecho meus olhos totalmente perturbado.
Ele faz fica em silêncio, esperando que eu continue. Vendo que não digo mais nada, prossegue.
“Você tem estado sob tensão nesses dias?”
Tiro as mãos do rosto para olhá-lo.
 “Sim, muito trabalho, muitos problemas a serem resolvidos. Tem sido difícil lidar com tudo ao mesmo tempo”.
Ele digita algo em seu tablet e volta a me encarar.
“Quer me contar como foram seus dias antes do pesadelo?”
Falo sobre tudo. Desde o pesadelo que Eva teve com Nathan, o fato de eu ter me livrado do “matadouro”, até a viagem ao Arizona, minha insistência para que ela fosse comigo e o que Eva tinha feito com relação ao Dave. Percebo que olhos do doutor Petersen brilham de diversão e, às vezes, sorri de canto e balança a cabeça enquanto digita furiosamente na tela. Ele a conhece tão bem. Imagino as coisas que anota nesse tablet sobre ela. Deve dar um belo estudo de caso.
Conto sobre o sonho, mas não entro em detalhes, ainda não estou pronto para falar disso. Quando termino meu relato, ele ainda digita por mais alguns instantes e se volta para mim.
“Gideon, o que estou notando é que a sequela seus traumas e a dos de Eva estão se manifestando ao mesmo tempo. Sabemos que os sonhos são projeções do subconsciente e não necessariamente reproduzem a realidade. O estresse emocional que vocês têm passado decorrente das inseguranças em relação ao outro contribui para isso. Como eu disse, o remédio não é cem por cento eficaz. A terapia ajuda, mas de nada adianta se você não segue o conselhos dados”, ele me censura levemente, e eu não gosto disso. “Na semana passada o que eu percebi é que o sexo significa mais do que deveria. Ele tem sido a base da relação de vocês. Tudo o que dizem, fazem e sentem se baseia no sexo, vocês o colocam acima até mesmo do diálogo. Isso não é saudável. Prova disso é o que aconteceu ontem a noite”.
Ele tem toda a razão.
“Veja bem, você não precisa se afastar dela”, continua. “Vocês têm muitos problemas para resolver, mas nada que signifique uma separação definitiva. O que volto a recomendar é que durmam separados. Cada um na sua casa. Devem passar mais tempo com outras pessoas. Não podem ficar se isolando numa bolha para sempre. Numa relação saudável cada um precisa ter seu próprio espaço. Você ainda está no começo do processo de recuperação, dando os primeiros passos para enfrentar seus problemas. Tudo ainda é novo e incerto. Se quer mantê-la segura esse é o caminho. Não vai ser nada fácil, mas será a melhor solução no momento. Um passo de cada vez”.
“Não vou abrir mão de estar com ela, doutor. Isso não é uma opção”, me mantenho firme.
“Eu sei que se amam, isso é muito claro para mim. Se acreditam que vale a pena continuar, não desistam. Façam dar certo, mas da maneira correta. Ou essa relação vai terminar antes mesmo que possam desfrutar dela”.
/***/
Saio do consultório e vou direto para o prédio de Eva. Tenho que resolver isso agora. É minha prioridade no momento.
A conversa com o doutor Petersen me deu muito que pensar. Decidi que não vou desistir. Eva já deixou claro que não vai, pelo menos até eu enviar minha última mensagem. Estou disposto a seguir os conselhos dele até o ponto de dormirmos separados. Vai ser horrível dormir sem ela ao meu lado, mas tenho que tentar. Porém não irei abrir mão de sua presença diária em minha vida.
Nossa relação tem que dar certo, para o bem de nossa saúde mental e emocional.
Já na porta de seu apartamento colo minha mão no bolso instintivamente à procura da chave e me lembro de que a deixei no balcão. O jeito é tocar a campainha. Meu coração está a ponto de sair pela boca.
Para minha decepção quem abre a porta é Cary, que me encara surpreso, mas sua expressão muda rapidamente para raiva.
“O que você quer aqui?”, atira.
“Preciso falar com Eva. Pode chamá-la, por favor?” peço calmamente, ignorando seu tom.
Ele cruza os braços e me encara com os olhos semicerrados. “Ela não está. Saiu e não me avisou para onde ia. E mesmo se eu soubesse jamais te diria”.
“Cary, eu tenho que falar com ela, me deixa entrar”, digo nervoso com sua atitude.
“Eu já disse que ela saiu, Cross! Porque você não a libera dessa relação problemática? Eva tem mesmo que ficar longe de você ou vai acabar se matando”.
Suas palavras acertam bem em minha insegurança e sinto a dor se espalhar em meu peito. Onde será que ela está? Pior, com quem ela está?
“Vá para o inferno e faça um favor: não volte nunca mais”, ele bate a porta na minha cara, mal me dando tempo de reagir.
Ainda fico uns minutos parado no batente sentindo meu corpo pesado. Meu passado está colidindo com meu presente e eu nada posso fazer para impedir.
Saio do prédio completamente derrotado, comas feições endurecidas e o corpo tenso.
Durante o trajeto até meu apartamento, percebo o discreto olhar de Angus pelo retrovisor. Seu semblante é de preocupação. Ele me conhece bem e sabe que estou me segurando para não desabar. Quando lhe disse que iria trabalhar em casa, ele começou a captar que algo estava errado.
“Como Eva estava esta manhã?” pergunto de repente, sem encará-lo.
 “A senhorita Tramell se manteve calada, senhor. Mas era visível que ela não estava muito bem. Parecia um pouco abatida”.
Meu coração dá um baque. Tudo culpa minha.
“Não se preocupe, senhor Cross. Tudo vai se resolver”. Ele diz com a voz cheia de motivação.
Olho para ele. “Obrigado Angus”.
“Disponha”, sorri olhando para o retrovisor rapidamente, e, em seguida, volta sua atenção para o volante.
Ficamos em silêncio durante o resto do caminho, mas por dentro estou inquieto, pensando em onde ela pode estar, ou pior... Que ela pode estar tentando me esquecer... Com outra pessoa.
Não. Essa opção é dolorosa demais para sequer ser considerada.
No momento em que chego ao meu andar uma corrente elétrica perpassa meus nervos, meus pelos se arrepiam e meu coração acelera.
Eva.
Ela está aqui. Eu posso sentir.
Abro a porta bem a tempo de ouvi-la dizer “está combinado”, para alguém pelo celular. Sinto uma onda de alívio se espalha pelo meu corpo.
Eva está totalmente relaxada em meu sofá vestindo apenas a camisa das Indústrias Cross eu havia separado para que usasse enquanto estivesse aqui. Suas madeixas estão presas num coque desleixado com alguns fios soltos. A tevê está ligada e há uma taça de vinho quase intocada sobre a mesinha de centro. Ela me encara parecendo um pouco intimidada ou desconfortável. Não consigo manifestar qualquer reação. Vê-la aqui, tão linda, tão à vontade me faz pensar que quero ter essa visão para o resto da minha vida. Eu a quero todos os dias ao meu lado, não importa o que eu tiver que fazer. Sua presença em minha casa parece tão certa. Tudo parece se encaixar.
“Depois te falo sobre o ingresso extra”, ela diz para alguém do outro lado da linha, inclinando o rosto para baixo para não ter que me encarar. “Obrigada por se lembrar de mim”.
Enquanto ela se despede da pessoa, ponho a pasta no chão e jogo o paletó em uma das poltronas em volta da mesinha de vidro.
“Faz tempo que você está aqui?”, pergunto, afrouxando ainda mais o nó da gravata.
Ela fica de pé. “Não muito”.
“Já comeu?”
Sacode a cabeça em negação.
“Peça alguma coisa”, passo por ela, indo em direção ao corredor. “Os cardápios estão na cozinha, na gaveta ao lado da geladeira. Vou tomar um banho rápido”.
“Você vai querer comer também?”, pergunta para minhas costas.
“Vou. Ainda não comi”, digo sem me virar. Eu simplesmente não consigo.
Escuto seu celular tocando.
“Oi Cary”, ela diz em seguida. Não era com ele que estava falando anteriormente. E aquilo martela incessantemente na minha cabeça. Ao mesmo tempo, fico intrigado com sua presença. Algo irá se definir para nós dois hoje. Só não sei se isso será bom ou ruim. Tiro a roupa, tomo uma ducha rápida, me seco e visto uma calça preta de pijama. Volto para a sala e ela ainda está em seu telefonema com Cary.
“Pelo menos tudo vai terminar com uma conversa cara a cara, de uma forma civilizada. Já é alguma coisa”.
Chega dessa ladainha.
Arranco o celular da sua mão, pegando-a de surpresa. Sem tirar meus olhos dela dispenso Cary, desligo e deixo o aparelho em cima do balcão.
Ainda estou em uma batalha interna sobre o que fazer. Não pretendo terminar com ela. Isso está fora de questão. Mas será que eu aceitarei sua decisão de por um ponto final em nossa história? Não estou certo disso. Sei que tenho muito a perder.
“Com quem você vai sair?”, pergunto.
“Hã? Ah, com Shawna, cunhada de Mark. Ela tem ingressos sobrando pra um show na sexta-feira”, diz cautelosamente.
Uma mulher. Ela, sozinha com outra mulher em um show de rock. Não, definitivamente não.
“Já decidiu o que quer comer?” mudo de assunto.
Ela assente, puxando para baixo a bainha da camiseta. Seu rosto denuncia seu constrangimento.
“Me dá uma taça disso aí que você está bebendo”, peço estendendo o braço por trás dela e apanho o cardápio que está sobre o balcão. “Pode deixar, eu faço o pedido. O que você quer?”
“Sopa. E pão fresco”, diz se afastando para pegar uma taça.
Enquanto enche a taça com o vinho merlot que ela abriu um pouco antes, ligo para a delicatéssen e peço duas sopas de tomate. É a favorita dela. Desligo o telefone e Eva me entrega a taça. Seus olhos me assistem enquanto dou o primeiro gole, como se estivessem me analisando e, provavelmente, vendo minha aparência cansada. Noto que ela se encontra da mesma forma.
É hora de resolver essa situação. Esse desconforto entre nós está me matando.
Baixo a taça e lambo o resquício de vinho dos meus lábios. Em seguida comento que passei em seu apartamento e que Cary deve ter comentado sobre isso no telefonema.
Ela leva sua pequena mão para o peito e o massageia. “Desculpe... Sobre isto aqui e...” Aponta para a roupa que está usando. “Que droga. Eu não estava preparada pra isto”.
Encosto no balcão e cruzo os tornozelos. “Como assim?”
“Pensei que você estivesse em casa. Eu devia ter ligado primeiro. Quando vi que não estava, devia ter esperado você chegar ao invés de ir me instalando”. Ela esfrega os olhos com polegar e o indicador da mão esquerda. “Eu... não sei direito o que está acontecendo. Estou confusa”.
Inspiro profundamente e jogo a verdade na mesa. “Se você está esperando que eu termine com você, nem espere mais”.
Ela se apoia na bancada para manter o equilíbrio.
“Não consigo fazer isso”, continuo. “Não consigo nem dizer que você já conhece o caminho da rua, se veio aqui para terminar comigo”.
Ela franze o rosto. “Você deixou sua chave na minha casa”.
“E agora quero de volta”, digo sem rodeios.
“Gideon”. Seus olhos se fecham e as lágrimas começam a cair. “Você é um idiota”.
Eva vira as costas e toma o caminho do quarto que lhe fiz com passadas um tanto inseguras e cambaleantes. Ela está transtornada. E está fugindo. De novo. Sigo em seu encalço.
Quando ela abre a porta do quarto, eu a agarro pelo cotovelo.
“Não vou entrar aí”, digo asperamente, bem perto do seu ouvido. “Prometi a você. Só vou pedir pra você ficar, conversar comigo. Ou pelo menos me ouvir. Você veio até aqui...”.
“Tenho uma coisa pra você”, diz com a voz embargada.
Eu a solto. Ela corre até sua bolsa e tira algo de lá. Em seguida, se vira para mim e me pergunta se eu estava pensando em terminar tudo quando deixei as chaves no balcão de sua casa.
Estou parado na porta. Meus braços estão abertos e meus dedos agarram os batentes pela força que estou fazendo para não entrar. Se eu entrar, eu a prenderei em meus braços e não a soltarei nunca mais. Cada célula do meu corpo a deseja ferozmente.
“Eu não estava pensando no longo prazo”, esclareço. “Só queria que você se sentisse segura”.
Eu sei disso agora, mas na hora, minha cabeça estava uma bagunça.
Ela aperta sua mão em punho, como se segurasse algo muito valioso. “Você partiu meu coração, Gideon. Nem imagina o que senti quando vi aquela chave largada ali. O quanto aquilo me magoou. Você não faz ideia”, ela diz com a voz estrangulada.
Fecho os olhos lentamente e abaixo a cabeça sentindo o impacto de seu sofrimento. “Eu não sabia o que pensar. Achei que estava tomando a única atitude possível diante...”.
“Pode parar com essa conversa”, ela me corta. “Não venha me falar de cavalheirismo ou de qualquer outro nome que você dê pra essa merda toda”. Seu tom de voz aumenta uma oitava. “Vou te dizer uma coisa, uma coisa muito séria, mais séria do que tudo que já disse antes: se você me devolver essa chave de novo, está tudo acabado entre nós. É fim de papo. Entendeu bem?”
“Claro que entendi. Só não sei se você tem certeza do que está falando”.
Ela solta um suspiro trêmulo e caminha para perto de mim. “Me dê sua mão”.
Estendo minha mão direita em sua direção.
“Na verdade, nunca te dei a chave da minha casa, você simplesmente pegou”. Ela vira a palma da minha mão para cima e coloca um objeto nela. “Agora estou dando”.
Eva dá um passo para trás e analisa minha reação. É um chaveiro reluzente com a chave de seu apartamento. Sua atitude me desarma completamente. Ela está mostrando que confia em mim e que quer continuar tentando. Seu gesto mostra a entrega total de seu corpo, sua alma e seu coração a mim. Depois de tudo o que fiz, ela ainda acredita em nós, ainda confia plenamente em mim. Todas as vezes em que ela correu com medo de se machucar por causa de meus erros são compreensíveis, mas ver que Eva está tentando passar por cima de suas inseguranças para enfrentar nossos problemas é mais do que eu poderia imaginar. E isso me deixa feliz e ao mesmo tempo desesperado. O medo de falhar novamente existe e está muito vivo. Eu não a mereço. Aperto o chaveiro com força e as lágrimas que segurei durante todo o dia descem grossas e abundantes pelo meu rosto.
Eu finalmente volto a encará-la. Minha garganta se aperta ainda mais.
“Não”, ela sussurra e pega meu rosto entre as mãos, limpando suas bochechas com os polegares. “Por favor... não”.
Eu a abraço e colo seus lábios aos meus. “Não sei como fazer isso”.
“Shh”, ela tenta me acalmar.
“Só vou magoar você. Já estou magoando. Você merece coisa melhor...”.
“Quieto, Gideon”, ela me interrompe mais uma vez. Seus braços se agarram ainda mais ao meu pescoço e minha cintura é enlaçada por suas pernas torneadas.
“Cary disse que você estava...” Meu corpo começa a tremer violentamente e sou incapaz de concluir esse pensamento. “Não sei se está se dando conta do que eu estou fazendo com você. Estou acabando com sua vida, Eva...”.
“Não é nada disso”, protesta.
Eu me ajoelho no chão e a aperto com força contra meu corpo.
“A culpa é toda minha. Você sabia desde o começo, mas agora está se negando a acreditar... Você sabia que não deveria se envolver comigo, mas não deixei você fugir”.
“Não estou mais fugindo. Estou mais forte agora. Você me tornou uma pessoa mais forte”, sussurra.
“Meu Deus”. Será que ela não entende que nós estamos acabando com o que resta um do outro? Eu me sento, estico as pernas e a puxo para mais perto. “Já temos traumas demais, e eu faço tudo errado. Vamos acabar nos matando desse jeito. Destruindo um ao outro até não sobrar mais nada”.
“Cala a boca. Não quero ouvir nem mais uma palavra desse papinho de merda”, ralha. “Você foi ver o doutor Petersen?”
Apoio a cabeça na parede e fecho os olhos. Meu corpo começa a pesar por causa do desgaste emocional. “Claro que fui”.
“Contou pra ele sobre ontem à noite?”
“Contei”. Cerro os dentes ao me lembrar do que conversamos mais cedo. “E ele disse a mesma coisa da semana passada. Que estamos envolvidos demais. Acha que precisamos de um tempo, ir mais devagar, dormir cada um na sua casa, passar mais tempo com outras pessoas e menos tempo sozinhos”.
“Espero que ele tenha um plano B”, comenta.
Abro os olhos e a encaro. “Foi isso que eu respondi. De novo”.
“E daí que somos traumatizados? Todos os relacionamentos têm problemas”, diz com a voz tranquila.
Dou uma risada irônica. Ela está mesmo comparando nossa relação anormal com as outras para amenizar as coisas?
“Estou falando sério”, insiste.
“Mas não vamos dormir mais juntos. Isso é certo”. Eu não abrirei mão disso.
“Em quartos separados, ou cada um na sua casa?” pergunta temerosa.
“Em quartos separados. Mais que isso eu não aguento”.
“Tudo bem”. Suspira e deita a cabeça no meu ombro, agora mais relaxada. “Isso eu aceito. Por enquanto”.
Engulo em seco pensando na angustia que passei quando não a encontrei em seu apartamento. “Quando cheguei em casa e encontrei você aqui...”. Eu a abraço com força. “Nossa, Eva. Pensei que fosse mentira de Cary que você não estava em casa, pensei que não quisesse me ver. Depois achei que você tinha saído... que estava querendo me esquecer”.
“Não é assim tão fácil esquecer você, Gideon”.
Para mim seria impossível esquecê-la também. Mesmo que eu tivesse Alzheimer eu jamais a esqueceria.
Ela se endireita para me olhar nos olhos. Ponho a mão que segura a chave sobre o seu coração.
“Obrigado”.
“Nunca mais abra mão dessa chave”, avisa em tom de ameaça.
“E você, não se arrependa de ter dado essa chave para mim”, murmuro colando minha testa na sua.
“Espero que você entenda o que farei por nós dois”, sussurrei bem baixinho, apenas para mim.
Depois de tudo isso, minha mente começa a trabalhar em uma solução para os nossos problemas. Eu farei de tudo por nós dois.
Sempre estarei disposto a fazer qualquer coisa por amor a ela.

Capítulo novo no domingo!! YAY!! Até lá!! 

Um comentário:

Naines disse...

Comecei a acompanhar seu blogger há pouco tempo, gosto de seu fan-fiction, de todos os que acompanho o teu é o mais bem escrito. Como posso baixar o "Toda Minha"? Continue escrevendo, adoro esta nova geração que dá continuidade aos livros.
Naines