sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Profundamente Minha: Capítulo 13 — De volta ao inferno

Em primeiro lugar: feliz ano novo a todos! 
Quem sentiu falta do nosso moreno perigoso? Pois é, ele está de volta pra valer e com força total. Chegamos enfim à parte mais tensa do livro. Com certeza, várias leitoras (inclusive eu) queriam arrancar as bolas de Gideon pelo que fez a Eva passar. Mas, será que ele mereceu mesmo esse ódio todo? É o que começaremos a desvendar hoje. 
Capítulo dedicado à Thais RS e à queridíssima Simone Martins, que fazem aniversário amanhã! Parabéns adiantado preciosas!


Agradeço à leitoras fiéis pelos comentários e pela participação constante! E boas vindas às novas! 
Agora chega de lenga-lenga e vamos logo ao que interessa...

Boa leitura!
“Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”.
     — Pablo Neruda

Narrador
Cross estava vivendo a melhor fase de sua vida. Depois dos eventos tensos e sufocantes ocorridos naquela sexta-feira, ele pôde experimentar momentos incríveis com seu anjo no paraíso. Isso era tudo o que precisava. Naquele instante ele teve a mais absoluta das certezas, a de que nada poderia ser melhor do que estar com Eva. Nada do que ele havia conquistado materialmente, por mais precioso que fosse, poderia se equiparar ao que sentia por ela. Nada poderia ser melhor do que ter seu coração, desfrutar de seus beijos, sentir o calor de seu toque, ouvir de sua boca aquelas três palavras que o tiravam da órbita. Naquele fim de semana o jovem bilionário conquistou o maior dos tesouros. Entendeu que, assim como qualquer ser humano, ele era capaz de amar alguém mais do que a si próprio. Era capaz de fazer qualquer coisa, se arriscar de todas as formas, por um simples sorriso dela, por um simples olhar dela.
Gideon sabia o que era amar incondicionalmente. E a melhor parte é que esse sentimento era correspondido com a mesma intensidade. A diferença é que ele jamais deixaria que Eva se arriscasse por ele. O amor que sentia era possessivo ao extremo, ao mesmo tempo em que era altruísta. A relação que se estabeleceu entre os dois não era de igualdade e ambos eram completamente conscientes disso. Assim como tinham consciência de que aquele amor obsessivo era tanto necessário quanto destrutivo, mas no fim a necessidade sempre falava mais alto e eles se entregavam sem reservas, mesmo que as circunstâncias impusessem o contrário. Juntos, estavam dispostos a atravessá-las. Mas, de sua parte, Gideon estava disposto a bem mais do que isso: ele queria removê-las por completo. Acreditava piamente que sua missão ia muito além da simples tarefa de apoiar sua parceira. Por mais primitivo que pudesse parecer, Gideon queria possuí-la de todas as formas possíveis e imagináveis. Como um dominador nato, o CEO das Indústrias Cross precisava manter-se a frente de tudo, inclusive daquela relação.
No dia em que Eva foi ao apartamento dele, após lhe entregar a chave do dela, Gideon já tinha o esboço de um plano em sua cabeça. No fundo, ele sabia que tinha que aproveitar cada segundo ao lado de seu anjo, pois no fim, sempre haveria uma correnteza contrária que os separaria: o passado. Mas não seria como das outras vezes. Ele estava mais forte para contratacar. Alguns dias longe de Eva não se comparam a uma vida inteira sem ela. 
O que não significa que suas decisões não acarretariam em consequências dolorosas.
...
Gideon
Chegamos ao apartamento de Eva, que está completamente mergulhado na escuridão e no silêncio. Tentamos fazer o mínimo de ruído possível para não acordar Cary. Eu a puxo para um beijo tórrido e apaixonado antes de seguir para o quarto de hóspedes. Odeio ter que dormir longe dela. Droga, ela está no quarto ao lado e eu já sinto sua falta. Sacudo a cabeça. É Cross, você foi pego. Não tem volta.
Pego meu celular do bolso e o ligo a fim de olhar os emails e não me surpreendo com o número absurdo de chamadas e mensagens de texto. De Corinne, de Arnoldo, da diretora do marketing, da equipe de criação, de Allison, mas as que me chamam realmente a atenção são as de Monica e Richard Stanton. Eles me ligaram de sexta até hoje e me mandaram centenas de mensagens. Eu não entendo. Eu tinha lhes avisado que viajaria com Eva no fim de semana. Porque isso?
Começo a ler as mensagens uma a uma. Monica parece desesperada, mas é a mensagem de Stanton que faz meus ossos gelarem:
*Gideon, onde vocês estão? Cary foi atacado ontem à noite e está hospitalizado. A polícia está investigando, mas ainda não temos pistas. Estamos tentando entrar em contato, mas ninguém atende. Retornem o mais rápido possível. Stanton.*
Cary está no hospital? Ele foi atacado? Mas... Pulo para a última mensagem enviada há apenas algumas horas.
*Gideon, não sei mais o que fazer para encontrar vocês. Monica já está preocupadíssima com o estado de Cary e está ainda mais desesperada por não conseguir falar com Eva. Entre em contato rápido. A situação não está fácil. Stanton.*
Deixo o celular sobre o criado mudo. Visto uma calça e uma camisa social, calço meus sapatos e vou direto para o quarto de Eva. Cristo, ela vai ficar arrasada! Abro a porta e acendo a luz.
“Eva. Acorda”, chamo enquanto vou direto ao seu closet para separar uma roupa pra que ela.
“O que aconteceu?”, sua voz meio rouca de sono reverbera atrás de mim.
“É Cary”, digo sério. “Ele está no hospital”.
Seus olhos cinzentos se arregalam e seu rosto estampa uma expressão de horror.
“O quê?”
“Se vista”. Eu lhe estendo calça jeans, blusa de seda azul marinho e lingerie.
Ela pula da cama meio trêmula, pega a roupa da minha mão e se troca rapidamente enquanto ligo para o táxi.
Saímos do prédio e avistamos o táxi já a postos. Abro a porta para que Eva entre. Ela se acomoda no banco traseiro e eu tomo o assento ao seu lado, fechando a porta no processo. Digo ao motorista o endereço do hospital, que Stanton deixou em outra mensagem, e ele arranca.
“O que aconteceu?” pergunta agarrando a manga da minha camisa.
“Ele foi agredido na sexta à noite”.
“Como é que você sabe?”
“Sua mãe e Stanton deixaram recado no meu celular”.
“Minha mãe...?” Ela me olha como se não estivesse entendendo nada. “Por que ela não...”. E para.
Ela se lembra de que não estava com o celular. Seu rosto se contorce numa careta de dor. Ela está se culpando.
“Eva”. Passo o braço pelos seus ombros e apoio sua cabeça em meu corpo. “Não fique se remoendo. Primeiro vamos ver como ele está”.
“Mas já faz dias, Gideon. E eu não estava lá”.
As grossas lágrimas começam a descer pelo seu rosto. É horrível vê-la sofrer dessa forma, mas entendo. Cary não é apenas seu melhor amigo. Ele é como um irmão, ele é parte de sua família. Uma parte muito importante, que esteve com ela nos bons e maus momentos. O trajeto até o hospital se dá num silêncio preenchido apenas pelo barulho abafado do trânsito e dos soluços contínuos de Eva. Seu pequeno corpo treme em meus braços. Sua cabeça está enterrada na curvatura do meu pescoço, já um tanto molhado pelas lágrimas e seu peito sobe e desce rapidamente contra meu tórax. Eu a aperto em meu abraço tentando passar força e calma. É o que posso fazer no momento.
Assim que chegamos ao hospital, pago o taxista e descemos do veículo. Vamos direto para a recepção e pedimos informação sobre Cary.
“Quarto 304, UTI”, diz o funcionário após olhar a tela do computador. “Mas infelizmente vocês não podem entrar. O horário de vistitas terminou há mais de duas horas”.
“Obrigado”, digo e levo Eva, que ainda está chorando bastante, para a sala de espera.
Saco meu celular e ligo imediatamente para todos os diretores do alto escalão do hospital para pedir acesso ao quarto fora do horário de visitas. Para minha sorte, Stanton trouxe Cary para um dos hospitais que ajudo a manter com minhas generosas doações. Em menos de 20 minutos o diretor geral responsável pelo turno da madrugada veio até nós e autorizou nossa entrada, garantindo que isso seria possível quantas vezes fossem necessárias.
Paramos em frente à porta e a abrimos.
...
Narrador
Assistir Eva se desmanchar daquela forma ao ver o estado de Cary era uma experiência da qual Gideon jamais se esqueceria. Se não estivesse bem ao seu lado a apoiando, ela teria caído, literalmente. Ele nunca a tinha visto chorar daquela forma, nunca viu tanta tristeza e angústia em seus olhos. Seu anjo estava sofrendo diante dele, que nada podia fazer. Estava impotente, mantendo a serenidade e controle, obviamente, mas ainda sim, não podendo deixar de pensar que aquilo poderia ter sido evitado se ele tivesse previsto que Cary era um alvo em potencial.
Se ele achava que aquilo era obra de Nathan? Não. Tinha certeza absoluta disso. Mas antes de tudo, Gideon precisava se inteirar de todos os detalhes. Só assim poderia planejar seus próximos passos.
...
Gideon
Todas as superfícies visíveis do quarto estão repletas de buquês coloridos, balões e alguns cartões. E lá, deitado em uma maca, completamente indefeso e muito machucado, está Cary. Eva ameaça cair e eu a seguro firmemente. Ela está devastada. Quanto mais nos aproximamos da cama, os soluços e as lágrimas de Eva aumentam. A dor dela se torna minha dor.
Eu não tenho intimidade com Cary. Na verdade, nossa relação se baseia na minha relação com Eva e ele, como um bom amigo quase irmão, cobre sua retaguarda. Se ela está feliz comigo, ele me trata bem, se eu faço uma burrada, ele me manda para o inferno. E tenho que admitir que uma pessoa que faz isso independente de quem eu sou, merece o meu respeito. Apesar das reservas que tenho a seu respeito, Cary é uma ótima pessoa. Meio louco, autodestrutivo e depravado, mas uma ótima pessoa.
De repente as pálpebras dele tremem e se abrem. Seus olhos verdes estão opacos e desfocados. Assim que ele vê Eva, lágrimas começam a escorrer pelo seu rosto. É visível o amor fraternal entre os dois, bem como a necessidade que ele tem dela. Apesar de ser de uma forma diferente, Cary precisa de Eva para se manter são tanto quanto eu.
Eles trocam algumas palavras e quando Cary reclama de dores no corpo, aproveito a deixa e anuncio que vou chamar a enfermeira. Saio da sala com o celular em mãos. Tenho que tirar essa história a limpo.
Passo na baía da enfermaria e vejo o médico responsável de pé analisando um prontuário. Um homem com pouco mais de cinquenta anos, cabelos totalmente brancos e pele escura.
“Com licença”, digo e o médico me olha. “Eu gostaria de informações sobre o paciente do quarto 304, Cary Taylor”.
“Você é algum parente?”
“Cunhado”, o que, de certa forma, não deixa de ser verdade. “Gideon Cross”.
Seus olhos se arregalam.
“Ah, claro”, nos cumprimentamos com um aperto de mão. “Doutor George Sanders. Bom, eu estava justamente analisando o prontuário dele. O rapaz apanhou feio. Teve traumatismo craniano, uma concussão, três costelas fraturadas e o braço direito quebrado. Fizemos uma bateria de exames assim que prestamos os primeiros socorros. Felizmente nada grave foi detectado. Mas a recuperação será um pouco lenta”.
“Entendo. E quando ele poderá ser liberado?”
“Vamos fazer mais alguns exames, apenas por precaução, e se tudo der certo, ele pode voltar pra casa dentro de três ou quatro dias”.
“Será que não tem como liberá-lo até quarta-feira?”
“Não tenho tanta certeza. A situação não é grave, mas inspira cuidados”.
“E se eu contratar uma enfermeira particular?”
Ele pensa um pouco. “Será de muita valia. Como eu disse, a recuperação será lenta, fora o trauma psicológico ocasionado pelo ataque. Vamos esperar o resultado. Se estiver tudo bem, e ele realmente puder contar com um cuidado especializado em casa, eu o liberarei”.
“Excelente. Muito obrigado doutor. A propósito, você pode mandar uma enfermeira até o quarto? Ele está reclamando de dores”.
“Eu pedirei a Lindsay para verificá-lo”.
Aceno com a cabeça em sinal de agradecimento e me afasto, já com os olhos vidrados no celular. Disco o número do diretor geral para pedir uma cama para que Eva passe a noite aqui. Eu duvido que ela queira estar em outro lugar nesse momento.
Vou providenciar imediatamente, senhor Cross”.
“Eu agradeço”. E encerro a ligação.
Em situações normais eles jamais atenderiam esse tipo de pedido. Não posso negar as vantagens de ser Gideon Cross, embora o ônus seja muito pesado.
Vou em direção ao quarto e mal chego perto do batente quando escuto a voz da enfermeira.
“Ele precisa descansar. Você pode voltar durante o horário de visita”.
“Não vá embora”, Cary diz desesperado.
“Ela não vai sair daqui”, informo entrando no quarto. “Já mandei trazerem uma cama extra”.
A enfermeira sorri timidamente para mim.
“E ele precisa de mais água”, diz Eva para a moça que relutantemente tira os olhos de mim. Coisas da vida.
Ela pega a jarra e sai.
Chego mais perto da cama de Cary e pergunto-lhe o que aconteceu.
“Trey e eu fomos àquela festa na sexta, mas saímos cedo. Fui ajudá-lo a pegar um táxi, mas, como na frente do clube estava uma loucura, fomos até uma rua lateral. Quando ele entrou no carro e foi embora alguém me acertou na cabeça, por trás. Quando caí, levei um monte de pancadas no chão. Não tive a menor chance de me defender”.
Cary começa a acariciar as mãos trementes de Eva.
“Ei”, ele murmura. “Isso é para eu aprender a não enfiar o pau em qualquer buraco”.
“Quê?” ela pergunta.
Os olhos de Cary se fecham e em um segundo ele já está ressonando. Eva olha para mim com um ar perdido e desolado.
“Vou tentar descobrir o que aconteceu”, digo olhando fundo em seus olhos. “Venha aqui fora comigo um minutinho”.
Eva precisa de um pouco de ar depois do choque. Assim que chegamos ao corredor ela desabafa. “Minha nossa, Gideon. Ele está muito mal”.
“Levou uma boa surra”, comento. “Teve traumatismo craniano, uma concussão, três costelas trincadas e um braço quebrado”.
“Não entendo por que alguém faria uma coisa dessas”.
Eu entendo, perfeitamente.
Eu a abraço, beijo sua testa e mudo de assunto. “O médico disse que pode liberar Cary daqui a um ou dois dias, então vou providenciar alguém para cuidar dele em casa. E pode deixar que aviso seu chefe que você vai faltar”.
“A agência de Cary também precisa ser avisada.”
“Pode deixar. Eu cuido disso”.
“Obrigada”. Ela me aperta em seus braços. “O que seria de mim sem você?”
“Isso você nunca vai saber”, sussurro.
De longe ou de perto, Eva sempre terá minha proteção.
/***/
Assim que chego ao meu apartamento, ligo para William, responsável pela equipe que vigia Nathan. Três toques e ouço sua voz rouca de sono.
Sim, senhor Cross”.
“Posso saber onde diabos vocês estavam que não viram Barker sair na sexta-feira?”, vocifero.
Senhor”, sua voz soa mais firme. Agora ele está bem desperto. “Nathan não saiu do hotel por dias. Nenhuma movimentação fora do normal”.
“Acontece que ele saiu do hotel e atacou uma pessoa!” esbravejo. “Como você me explica isso?”
Senhor, eu...”.
“Eu não quero saber! Podem parar a vigilância. Desfaça a equipe. Ninguém será demitido, mas não preciso mais dos seus serviços por enquanto”.
Sim, senhor”.
Desligo e digito o número de Raúl. Mais um que acordo no meio da madrugada.
“Reúna-se com Ben e Angus”, ordeno. “Investiguem Nathan Barker. Ele...”, e explico sobre o ataque a Cary.
“Eu quero respostas”, exijo.
Sim, senhor. Nós começaremos agora mesmo”.
“Ótimo. Mantenha-me informado”. E desligo.
...
Narrador
Cross não havia dispensado os seguranças a toa. Ele sabia que Nathan tinha consciência de que estava sendo seguido. E sabia também que o ex meio irmão de Eva era astuto o suficiente para passar despercebido, afinal, foram anos de prática. E o fato de ter saído à noite ajudou bastante. Apesar dos pesares, Gideon havia encontrado a razão perfeita para dispersar William e seus homens. Quanto menos pessoas envolvidas, melhor.
Assim que tivesse as informações de que necessitava, daria seguimento ao plano.
O cerco estava começando a se fechar.
...
Gideon
Voltei para casa remoendo o ódio e todas as coisas ruins que Nathan tinha feito até o momento. Aquele desgraçado teve a audácia de vir até aqui me mostrar fotos de todas as monstruosidades que fez com Eva. Ver aquele olhar assustado, o rostinho banhando de lágrimas e a forma como ela ficava indefesa ante suas crueldades me deixou possesso de raiva a ponto de me descontrolar. Como ele pôde filmar-se enquanto estuprava Eva? Eu ainda posso ouvir seus gritos desesperados, seus pedidos de socorro, seu choro sufocado. Seu corpo de criança se contorcendo inutilmente tentando sair dos domínios daquele demônio? Como ele pôde ser tão brutal com Cary, um inocente dessa história toda, apenas para me assustar? Ele era pior do que eu havia imaginado. Está levando tudo até as últimas consequências, pois sabe que ninguém teria coragem de denunciá-lo.
Um escândalo é tudo o que Eva não precisa. E ficaria ainda pior pelo fato de seu nome estar vinculado ao meu. Não que eu me importe em como isso me afetaria. Longe disso. Mas nosso relacionamento está em evidência na mídia. Os tabloides sensacionalistas iriam destrinchar a vida de Eva, expondo sua situação ao ridículo. Os paparazzi não a deixariam em paz. Sua vida viraria um inferno. Independente do resultado, Nathan sempre venceria.
Mas agora, tudo ficou mais claro do que nunca para mim. Eu sei exatamente o que fazer. Eu tenho que detê-lo de forma efetiva para que ele nunca mais machuque ninguém, principalmente ela. Eu preciso salvá-la. Eu tenho que salvá-la. Um plano começa a se formar em minha cabeça. Não será fácil, mas será necessário e, no fim, eficaz. Terei que estar totalmente concentrado, planejar cada detalhe cuidadosamente. Sei que vou conseguir manter o sangue frio na hora certa. No entanto, será doloroso, quase fatal, ter que me afastar de Eva, mas não há outra forma. Ela não pode estar envolvida.
/***/
Essa noite eu dormi mal. Muito mal. E não foi por causa dos pesadelos, e sim porque eu realmente não conseguia pregar os olhos. Eu estava agitado demais, incomodado demais.
Aproveitei para adiantar algumas partes do plano como, por exemplo, procurar meu celular descartável. Pedi a Angus para me conseguir um há alguns anos atrás. Eu o usava para entrar em contato com minhas parceiras sexuais, principalmente com Anne Lucas. Eu não queria que ela ficasse me ligando o tempo inteiro, assim como não queria ter que lidar com ela depois que tudo terminasse. Quando o achei em uma das minhas gavetas, suspirei de alívio. Ele é a parte mais importante da primeira fase do plano. Eu manteria o anonimato e minhas ligações não poderiam ser rastreadas, uma vez que o aparelho não tem registro. Por precaução, eu o bloqueei para receber chamadas. Também separei algumas roupas mais casuais dos tempos de faculdade, que eu já não uso mais, como moletons, calças jeans mais largas e alguns bonés. Dessa forma eu não serei reconhecido.
Enviei um email para o dono da loja de móveis onde comprei a mobília do quarto de Eva. Agendei uma hora na parte da tarde para ir à fábrica escolher os itens. Outra etapa do plano consiste em me instalar no apartamento vazio ao lado do dela. Eu quero estar perto dela o máximo possível, para protegê-la. Com Nathan rondando livremente por aí e fazendo de tudo para ser notado, eu não me sinto seguro em não tê-la por perto. Tenho que fazer a mudança antes de Cary ter alta. Como eu sei que Eva dormirá no hospital e não passará em casa, vou ter tempo para organizar tudo. Além disso, não correrei o risco de ela ver a mudança. Eva não pode sequer desconfiar do que está acontecendo.
Providenciei a documentação do aluguel a fim de manter as aparências. Claro que, como dono do prédio, eu tinha a vantagem de não prestar esclarecimentos a ninguém. O pagamento dos aluguéis era feito via depósito numa conta bancária específica e, uma vez que os pagamentos são confirmados, os recibos são enviados por email. Então ninguém desconfiará. Sincronizei os dados trafegados das câmeras de segurança do prédio com o meu computador pessoal. Dessa forma, poderei monitorar a movimentação e prever o momento mais seguro de entrar e sair do prédio.
Também enviei um email para Margareth, chefe da equipe de marketing, para agendar uma festa de comemoração do lançamento da campanha da Vodka Kingsman, algo que já estava no planejamento de divulgação da marca. A lembrança disso apertou meu coração. Foi exatamente no dia em que Mark apresentou sua proposta que eu tive meu primeiro contato real com Eva. A primeira vez que senti o calor de seu corpo, seu cheiro. Balancei a cabeça enxotando esses pensamentos, eu tinha que me focar. E contatei o gerente do hotel onde eu tinha meu “matadouro”, a fim de reservar o salão de festas para a quinta-feira. Coincidência ou não, é o hotel mais próximo de onde Nathan está hospedado.
Fiquei tão imerso em minhas tarefas que, quando me dei conta, já estava começando a amanhecer. Tomei um banho, me aprontei, passei no apartamento de Eva para pegar os produtos básicos de higiene que ela iria precisar, além de uma muda de roupa, seu celular e carregador, seu tablet e coloquei tudo dentro de uma mala pequena. Fui à cozinha e preparei dois copos fumegantes de café para viagem e, em seguida, liguei para a agência de Cary e para Garrity. Ele pareceu bem preocupado e se colocou a disposição caso Eva precisasse de algo. Achei muito atencioso da parte dele, mas meu anjo não iria precisar de nada. Estou tomando conta de tudo e eu jamais deixaria lhe faltar o que quer que fosse.
Chego ao hospital e vou direto para o elevador. Conforme vão passando os andares a boa e velha eletricidade percorre meu corpo e meus pelos eriçam. É sempre assim. Meu corpo sempre reage ao senti-la por perto. É como se cada momento fosse o primeiro. As portas de alumínio se abrem e me encaminho a passos largos ao quarto de Cary. Sinto os olhares femininos me devorarem, mas ignoro. Nenhum deles pode sequer arranhar a sensação de ter Eva por perto.
Eu a avisto no corredor conversando com sua mãe. Analiso o seu perfil. Ela parece cansada. Sua mão esquerda se levanta para esfregar a nuca e no instante seguinte seus olhos encontram os meus. Saber que ela reage a mim da mesma forma que eu a ela faz meu ego inflar.
Ela diz algo para Monica, vem em minha direção e se lança em meus braços.
“Oi”, cumprimento, beijando sua cabeça. “Como estão as coisas?”
“Terríveis. E totalmente sem sentido”. Ela diz com os olhos marejados. “Era a última coisa de que Cary precisava. Ele já sofreu tanto...”.
“Você também, e agora está sofrendo com ele”.
“E você está sofrendo comigo”. Ela fica nas pontas dos pés, e me dá um beijo no queixo e recua. O toque de seus lábios faz minha pele se arrepiar. “Obrigada”.
Não há o que agradecer. Eu faço qualquer coisa, tudo o que estiver ao meu alcance e além, por ela. Não me sinto obrigado a isso. Eu faço por amor.
Entrego-lhe o café e explico que trouxe seus itens de primeira necessidade na mala. Seus olhos brilham de contentamento. “Obrigada. Eu te amo”.
Eu mal começo a sentir o doce entorpecer em meu corpo quando ela diz essas palavras quando ouço alguém guinchar.
“Eva”, minha sogra parece horrorizada.
Meu anjo se desculpa, constrangida.
Passo meus dedos sobre sua pele macia e quente demonstrando meu apoio.
“Gideon”, diz Monica, vindo em nossa direção, “você deveria saber que Eva não pode ficar sozinha sem nenhum meio de pedir socorro. Você sabe, aliás”.
Eu sei exatamente que está se referindo ao passado de Eva. Nas poucas vezes em que estive com Monica, percebi o quão frágil ela é. A culpa de não ter percebido o que acontecia dentro de sua própria casa andava de mãos dadas com o medo. Eu a entendo, mas preciso conversar com ela sobre sua percepção distorcida da minha percepção sobre o que aconteceu.
Eva me lança um olhar de compaixão por essa pequena reprimenda, e retribuo com minha expressão tranquila enquanto lhe entrego a mala. Uma das coisas que eu aprendi nessa vida e muito bem foi lidar com mulheres. E Monica era o tipo mais fácil de lidar. Sabendo que me sairei bem com sua mãe, Eva volta para o quarto de Cary. Sei que ela não tem condições de fazer absolutamente nada sem tomar café.
Volto minha atenção para minha sogra. Monica Stanton é estonteante e sabe muito bem disso. Uma mulher que homens de dezoito a oitenta anos param para admirar não importa o que estiverem fazendo. Olhar para ela é como olhar para Eva daqui a 20 anos. Não há dúvidas de que são mãe e filha. As duas são quase idênticas exceto pela cor dos olhos e porte físico. Monica exibe orbes num tom de azul claríssimo, quase translúcido e tem um corpo longilíneo com curvas belas, porém suaves. Não deve em nada para mulheres mais novas. Pelo contrário, sua beleza clássica e madura chama muita atenção. Não me surpreende que Stanton tenha sido fisgado a ponto de fazer todas as suas vontades. Vaidosa, elegante, bem relacionada e rica, ela sabe exatamente como conseguir tudo o que quer, e não precisa se contentar com menos. Mesmo estando chateada e sendo um tanto dramática, ela esbanja classe.
“Monica, entendo sua preocupação, mas Eva não estava sozinha. Ela estava comigo e muito segura. Eu lhe deixei um recado avisando de nossa viagem e que não seria possível entrar em contato”, digo calmamente.
“Eu sei disso”, ela rebate ainda em leve tom de censura. “Mas mesmo assim foi uma atitude irresponsável. Cary precisou dela. Nos momentos em que estava lúcido, perguntou por ela. Entenda que eles são muito unidos”.
“Compreendo perfeitamente, mas não tínhamos como prever algo assim. Acredite, eu gosto de Cary e lamento o que aconteceu, mas ao que tudo indica, ele pode ter sofrido retaliação de um ou uma ex-amante. Ele não é exatamente um santo e é adulto suficiente para tomar as próprias decisões. Eva não pode viver em função dele todo o tempo, não acha?”
“Você tem razão, mas mesmo assim...”.
“Monica”, suspiro. “Acalme-se. Cary está bem agora. Eva voltou sã e salva e ficará aqui o tempo que quiser. Providenciei a cama para que ela dormisse aqui e a autorização para que ele possa receber visitas fora do horário determinado. Além disso, vou cuidar hoje mesmo da contratação de uma enfermeira particular. Vai ficar tudo bem”.
“Claro que você já tomou as providências necessárias, não é? Você é Gideon Cross, não poderia esperar nada diferente”, ela comenta com um ar entendedor.
“Exatamente. Eu quero cuidar de sua filha, Monica. Eva sempre terá tudo o que precisa no que depender de mim”.
“Eu tenho certeza disso”, ela sorri. “Diga-me Gideon, esse hematoma embaixo de seu queixo tem algo a ver com as coisas que você faria pela minha filha?”
Droga.
“Acidente durante o treino. Um soco mal calculado”, minto.
“Ah sim...”, mas ela não parece muito convencida. Monica Stanton é uma raposa.
“E como vai Richard?” mudo de assunto.
Sua expressão suaviza. “Ele está bem. Ficou muito preocupado com Cary, obviamente. Assim que soubemos do ocorrido, ele mandou que o transferissem direto para cá e tem arcado com as despesas médicas”.
“E ele conseguiu alguma novidade com a polícia?”.
Ela suspira. “Não. Eles estão investigando, mas não acredito que dê em alguma coisa. A suspeita é a mesma que a sua: vingança”.
Monica desvia sua atenção para sua bolsa carteira e de lá tira o celular.
“É Richard. Gideon, você se importa?”
“Absolutamente. Vou ver como Cary está. Foi um prazer revê-la, apesar dos pesares”. Digo apertando levemente sua mão.
“Igualmente”, ela sorri brilhantemente e segue pela direção oposta com passadas rápidas, porém graciosas.
Vou em direção ao quarto de Cary e encontro o doutor Sanders no meio do caminho.
“Bom dia senhor Cross”, diz num tom amigável e estende a mão para me cumprimentar.
“Bom dia doutor”, retribuo o cumprimento. “E então? Como ele está?”
”Pelos resultados dos exames, está tudo certo. Mas, por precaução, o manteremos em observação e, se tivermos certeza de que ele está bem, poderá receber alta na quarta”.
“Que ótimo. Muito obrigado, doutor”. E nos despedimos.
Sigo meu caminho para o quarto 304 e abro a porta.
Assim que entro Eva olha direto para mim. “Se o pau de Gideon encostar em qualquer coisa que não sejam as mãos dele ou meu corpo, está tudo acabado entre nós”.
Ergo as sobrancelhas completamente surpreso. “Tudo bem”.
Ela me lança um sorriso faceiro e dá uma piscadinha. “Oi, garotão”.
Sempre brincalhona e sutil como um elefante.
“Anjo”. E me viro para Cary. “Como é que você está se sentindo?”
Cary abre um sorriso sarcástico. “Parece que levei uma surra de pau”.
“Estamos tentando levar você pra casa. Acho que na quarta você tem alta”.
“Peitos grandes, por favor”, pede Cary. “Ou braços musculosos. Qualquer um dos dois serve”.
Olho para Eva. Eu deveria saber o que isso significa?
Ela sorri. “A enfermeira. Ou o enfermeiro”.
“Ah”.
“Se for mulher”, continua Cary, “você pode arrumar um daqueles uniformes com zíper na frente”.
Mesmo todo arrebentado numa cama de hospital ele ainda consegue pensar em sexo. Impressionante.
“Já estou até vendo o alvoroço na mídia que esse processo por assédio sexual vai causar”, ironizo. “Que tal uma coleção de filmes pornôs com enfermeiras safadas em vez de uma propriamente dita?”
“Cara”, Cary sorri. “Você é o máximo”.
E você é um ninfomaníaco depravado.
Volto a encarar minha namorada. “Eva”.
Ela entende o recado, se levanta e dá um beijo em Cary. “Já volto”.
Quando saímos do quarto, encontramos Monica conversando com o doutor Sanders, que parece completamente atordoado pela sua beleza.
Eu te entendo, amigo. Eu passo o mesmo com a filha dela. 
“Já conversei com Garrity”, informo. “Pode ficar tranquila”.
“Obrigada. Amanhã já volto a trabalhar. Vou ver se consigo falar com Trey, o namorado de Cary. De repente ele pode ficar aqui quando eu estiver no trabalho”.
“Avise se precisar de alguma coisa”, olho o relógio. São quinze para as nove. Tenho que correr. “Você vai querer passar a noite aqui de novo?”
“Sim, se eu puder. Pelo menos até Cary ir pra casa”.
Pego seu rosto com as mãos e lhe dou um beijo na boca. “Tudo bem. Eu tenho um monte de coisas pra fazer. Deixe o celular carregado, pra eu poder falar com você”.
Sinto meu aparelho vibrando. Dou um passo atrás e o pego do bolso interno do paletó. O nome de Raúl aparece na tela. Ele tem novidades.
“Preciso atender. Mais tarde a gente se fala”.
E saio corredor afora apressadamente.
Assim que estou fora das vistas de Eva, num canto mais isolado, atendo.
“E então?”
Senhor Cross, como o senhor suspeitava, Nathan Barker é o responsável. Ele não saiu do hotel nesses dias, mas na sexta, uma camareira entrou em seu quarto, porém não havia sinal dele. O fluxo de táxis, passageiros e hóspedes era grande e ele deve ter se aproveitado desse momento. Além disso, estava no horário de troca de turno, então tudo contribuiu para que ele passasse despercebido. Um dos seguranças disse que ele voltou de táxi e entrou rapidamente. A janela de tempo coincide com o horário em que o senhor Taylor foi atacado”.
 “Certo. Algo mais?”
Não senhor”.
“Quero você disponível na parte da tarde. Eu ligarei”.
Entendido”.
Desligo e me encaminho para os elevadores. Já fora do hospital, vou direto para o Bentley. Assim que me vê, Angus sai do carro imediatamente e abre a porta traseira.
“Não vou precisar de você por hoje”, digo antes de entrar no carro. “Passaremos no apartamento de Eva para levá-la ao trabalho amanhã”.
“Sim, senhor”.
Ele fecha a porta atrás de mim, dá a volta, toma seu lugar na direção e põe o carro em movimento.
/***/
Mal tive tempo para o almoço. Umas oito pessoas me procuraram em meu escritório assim que souberam que adentrei o prédio. Scott parecia um tanto cansado, apesar de não deixar isso muito evidente. Antes de atender a todos, dei prioridade a Ben. Eu já estava ciente da investigação, então apenas fizemos as verificações de segurança e ordenei que ele aumentasse a vigilância dentro e fora de Crossfire. Nathan não é do tipo que preza o anonimato, portanto todo o cuidado é pouco. Também deixei sobre aviso a equipe que cuida da segurança de Eva e designei outra para ficar nas proximidades do hospital.
Depois recebi os demais um a um, que me relataram tudo o que tinha para ser resolvido. Alguns me entregaram relatórios, contratos, planilhas. Marquei tudo para a semana seguinte, nos próximos dias eu estarei extremamente ocupado. Antes de colocar alguma comida na boca, me reuni com o pessoal do marketing para acertar detalhes da festa. Ninguém se assustou com o tempo. Minha equipe estava afiada e preparada para o inesperado. Meu assessor de imprensa, Ryan Evans, iria entrar em contato com a mídia para fazer a cobertura da festa. Abigail, Ellen e Scott ficaram responsáveis por contatar executivos, investidores e outras personalidades. Margareth e sua secretária ficariam responsáveis pela organização: contato com bufês, decoração, etc.
Em seguida, liguei para Corinne.
Gideon, que surpresa agradável”, disse ela com uma voz doce.
“Olá Corinne. Como vai?”
Estou muito melhor agora”.
“Bom, gostaria de saber se você aceitaria jantar comigo hoje à noite”. Fechei os olhos imaginando o que Eva pensaria se me visse naquele momento.
Eu adoraria”, ela respondeu mal contendo sua empolgação. “Aonde vamos?
“Ao Tableau One. Passo para buscá-la as oito, tudo bem?”
Perfeito. Vou adorar rever Arnoldo e matar a saudades de sua comida”.
“Sim, ele vai adorar revê-la também. Pode me passar seu endereço?”
Ah, é bem na sua rua. Edifício Roward*, 1032”.
Resolvi ignorar esse detalhe. “Certo, nos vemos mais tarde”.
Au revoir mon cher (Até mais, meu querido)”, disse quase cantarolando em seu francês perfeito.
Tentei ser o mais seco e formal possível. Não quero que Corinne tenha a ideia errada sobre minhas intenções. Na verdade, minha única intenção é usá-la como álibi. Mas merda, mil vezes merda. Eva vai chutar a minha bunda.
Passei o dia no depósito de móveis. O dono veio me atender pessoalmente e separou tudo que pedi. Também liguei para a loja onde comprei os meus e mandei que me entregassem no dia seguinte no novo apartamento. Eles ajudarão na montagem. Raúl supervisionará tudo. Não darei as caras por lá durante o dia. Quanto menos pessoas souberem, melhor.
Cheguei ao prédio de Corinne as oito em ponto e a esperei na portaria. Ela desceu cinco minutos depois, trajando um vestido azul Royal justo um pouco acima dos joelhos que realçava suas curvas suaves e fazia um contraste belíssimo com sua pele. Usava saltos não muito altos e uma maquiagem destacava seus olhos cor de água marinha. Seus longos cabelos negros estavam presos em um coque elaborado. Estava deslumbrante, e eu não podia negar isso. Qualquer homem ficaria embabascado. Só havia um defeito naquele conjunto: ela não era Eva.
Corinne passou todo o trajeto tocando meu braço, minha mão e tentando chegar mais perto. Estava muito sorridente e falava o tempo inteiro. Me limitei a apenas assentir e falar o necessário. De repente, as coisas que ela dizia já não tinham tanta importância. Ela não me fazia rir, ela não tinha um humor ácido, o tilintar gracioso de seu sorriso me parecia forçado. Senti falta da risada debochada e honesta de Eva.
Chegamos ao Tableau One e logo Max nos levou para uma mesa mais ao fundo. Para minha sorte Arnoldo não estava lá. Eu não queria um interrogatório naquele momento. Nós não tínhamos conversado ainda e, com certeza, ele estava preocupado comigo. Além do mais, ele ficaria com a pulga atrás da orelha se me visse com Corinne, já que ele foi quem mais me ouviu reclamar da perseguição descabida dela mesmo depois de casada.
Estávamos olhando os cardápios quando ela perguntou como estava Eva.
“Bem”, me limitei a dizer.
“E vocês? Estão bem”.
“Estamos passando por um momento turbulento, mas vamos superar”.
“Ah que pena, Gideon. Você gosta tanto dela”.
“Sou apaixonado por ela”, enfatizei. “Só estamos no meio de uma crise”.
“Gideon, eu não vou ser hipócrita e dizer que não me sinto feliz com isso. Não gosto de te ver sofrendo, mas Eva não é uma pessoa adequada para você. Acho que...”.
“Corinne”, cortei. “Eu não quero ser indelicado. Eu a chamei aqui porque quero me distrair. Preciso de uma amiga e não de um guru de relacionamentos. Eu não quero falar sobre Eva, por favor”.
“Tudo bem”, ela levantou as mãos em rendição. “Deixemos esse assunto de lado. Eu não quero te chatear”.
Escolhemos nossos pratos e chamamos o garçom. Ele tomou nossos pedidos e saiu.
“Tenho algumas novidades...”.
E ela começou a falar sobre um antigo colega nosso de faculdade com quem esbarrou dias atrás. Em certos momentos eu até consigo me distrair e rir um pouco. Durante a conversa, ela tocava em meu braço, segurava minha mão e eu, sutilmente, a retirava, mas só quando ela começa a exagerar. Eu não podia tratá-la de forma descortês.
Em um determinado momento, quando já estávamos jantando, meu telefone tocou. Meu coração disparou ao ver o nome de Eva no visor. Pedi licença para atender, mas não me estendi muito na conversa ao notar que o que ela queria era falar comigo. Corinne desconfiaria e se sentiria ofendida. Eu não podia estragar tudo. Senti a tristeza na voz do meu anjo ao perceber o quão seco eu estava ao telefone, mas eu não podia evitar. Preciso começar a criar uma distância entre nós.
Voltei para a mesa e prosseguimos com o jantar. Percebi que alguns paparazzi tiraram várias fotos, mas não consegui me importar. Me liguei no piloto automático pelo resto da noite. Às dez Raúl parou em frente ao prédio de Corinne. Ela agradeceu ao convite, e pediu para sairmos mais vezes. Mal sabia ela que repetiríamos a dose na quinta-feira...
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A primeira coisa que sinto ao acordar é alívio por ter tido uma noite de sono pesada e sem sonhos. Eu já estou a ponto de enlouquecer. Faço minha higiene matinal, escolho um terno Armani de três peças cinza escuro, camisa branca, gravata e sapatos pretos. Me visto, pego meu celular, meu paletó, minha pasta e me direciono para a cozinha. Deixo tudo em cima do balcão e preparo uma xícara fumegante de café preto. Observo o amanhecer de Nova York pela janela da sala enquanto sorvo o líquido. Minha mente e meu coração estão de acordo com o que vou fazer, mas não deixo de me sentir horrível por ter que infligir tanta dor a nós dois. Eu sei, é necessário. Eu sei, será melhor. Mas vai doer. Hoje eu daria o passo mais importante da primeira parte do plano. E, fora isso tudo, eu me lembro de que o pai de Eva virá nesse fim de semana. Nem sei se chegarei a conhecê-lo. 
Eu pensava que o amor era um sentimento exagerado, mas aqui estou eu completamente apaixonado e entregue. É impossível dimensionar o que sinto por Eva, porque é enorme, forte, primitivo, intenso, atordoante, aflitivo, irracional, confuso, mas eu nunca me senti tão vivo. E só de pensar que corro o risco de perdê-la... Deus eu não quero imaginar nisso! Termino o café, lavo a caneca (mania que adquiri após passar as manhãs ao lado de Eva), pego minhas coisas e saio.
Angus já está me esperando do lado de fora e abre a porta traseira assim que me vê. Já no meio do trânsito caótico de Nova York, fico repassando o plano em minha mente, passo a passo. Eu não posso errar o cálculo. Tem de estar tudo perfeito.
Ligo para Raúl.
Senhor Cross”.
“A que horas os móveis chegam?”
Às duas da tarde, senhor”.
“Estarei aqui às dezessete horas. Amanhã tem que estar tudo pronto”.
Claro, senhor”.
Desligo. Em menos de quinze minutos chegamos ao prédio de Eva. Desço do carro e vou até a portaria.
“Bom dia, Paul”.
“Bom dia senhor Cross. Se veio procurar a senhorita Tramell, aviso que ela já saiu”.
Como assim ela saiu?
“Há quanto tempo?”
“Em torno de 15 minutos”.
Sem dizer uma palavra, saio do prédio enfiando a mão no bolso interno paletó para tirar o celular. Digito furiosamente seu número e espero.
Oi, sumido”, diz alegremente.
“Onde é que você está?”, pergunto secamente enquanto entro no carro.
Estou indo para o trabalho”, a voz dela sai um pouco mais desanimada. “Por quê?
“Eva já foi”, digo com raiva e Angus põe o carro em movimento. Volto a falar com ela. “Está indo de táxi?”
Estou indo a pé. Minha nossa. Por que tanto mau humor?
“Você devia ter me esperado”.
Você não me avisou que ia me pegar, e eu não queria chegar atrasada depois de ter faltado ontem”.
Claro, isso porque o seu celular serve de enfeite dentro da bolsa!
“Você poderia ter me ligado em vez de sair andando por aí”, eu digo irritado.
Quando eu ligo, você não pode parar o que está fazendo nem um minutinho para falar comigo”, rebate rispidamente.
“Eu tenho um monte de coisas para fazer, Eva. Dá um tempo”.
“Dou, sim. Que tal agora mesmo?” E ela... Desliga na minha cara? Porra de mulher orgulhosa! Ligo novamente, mas ela não me atende.
Porcaria!
“Angus, me deixe aqui. Vou chamar Raúl. Eva está a pé e é bem provável que a essa altura esteja na Broadway. Faça com que ela entre no carro de qualquer jeito”.
“Sim senhor”.
Ele para o carro e eu saio já telefonando para Raúl. Em poucos minutos, a Mercedes estaciona e entro rapidamente. Ligo para Angus.
“Você a encontrou?”
Sim, senhor”, responde ele.
Desligo sentindo o alívio me tomar. Me sinto culpado por ter sido tão grosso, mas a simples ideia de ela cruzar com Nathan me deixa apavorado.
Chego ao meu andar.
Emma está a postos e ao ver meu rosto, não se atreve a dizer uma palavra, assim como Scott.
“Agenda em meia hora”, digo a ele.
“Sim senhor”.
Me tranco no escritório, ponho minha pasta em cima do sofá e de lá tiro o celular descartável. Fecho os olhos e respiro fundo. Vou até a gaveta da escrivaninha e, de dentro de uma agenda, retiro o cartão que Nathan me enviou junto com aquele maldito DVD. No verso do papel está o telefone dele. Com as mãos trêmulas destravo o teclado e digito número por número vagarosamente. Coloco a aparelho no ouvido e aguardo três toques antes de ouvir aquela voz que me revira o estômago.
Alô?
“Sou eu. Cross”.
Ora, ora, ora! Vejo que meu pequeno aviso surtiu efeito!” diz num tom falso de felicidade. “Aquela aberração ainda está viva?
Resisto à vontade de explodir e vou direto ao ponto.
“Na quinta à noite estou indo entregar o dinheiro”.
Ele fica em silencio por um instante. “E Eva?
“Não estamos mais juntos”, respondo secamente.
Eu não acredito”.
“Eu não arriscaria a vida dela a toa, Nathan. Você sabe. Não tenho que te provar nada. Além do mais não me é segredo que você segue os passos dela”.
“Assim como você segue os meus?”, ele ri. “Você contratou uma gangue de imbecis, Cross. Assim como aquele capanga de araque do Stanton”. Claro que Clancy o estava vigiando também. “Só que eu fui mais esperto. Sabe, a arte de desaparecer do mapa é para poucos”.
“Isso não importa agora. Eu os dispensei. Vou até aí, lhe entrego o dinheiro e acabamos logo com isso. Eu não tenho tempo nem paciência para continuar a lidar com você”.
Não preciso dizer o número do meu quarto porque, com certeza você já deve saber. Esteja aqui até à meia-noite. E não tente me enganar. Eu continuo vigiando os passos dela”.
“Que seja”. E desligo.
Passo o resto da manhã envolvido com o trabalho e os preparativos para quinta-feira.
Meu computador apita e meu coração acelera. Esse sinal específico indica que Eva acaba de desligar o computador.
Tento resistir à vontade de olhá-la, mas não consigo. Acesso o canal das imagens das câmeras e pego um vislumbre de seus cabelos loiros saindo do elevador. Sigo seu andar até o saguão para... Não. Ela não está fazendo isso comigo. Sinto um solavanco tão forte que meu peito dói.
Brett Kline... De novo!
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Eu passei o horário de almoço como um leão dentro da jaula. A raiva me consumindo de uma forma dolorosa. Depois de tudo o que passamos naquele fim de semana, como Eva teve coragem de se encontrar com aquele projeto de bad boy? Pedi para Angus segui-la, obviamente. E trazê-la de volta. Eu ainda tinha que me preocupar com o fato de Nathan estar vigiando seus passos. Inferno!
Mandei Scott e Emma almoçarem a fim de deixar minha entrada vazia. Tenho que estar em frente às câmeras para fazer o que pretendo. Assim que vejo Eva entrando em um elevador eu caminho até a entrada e retiro a chave mestra do bolso. Coloco-a no painel e giro, para que a cabine onde ela está pare no meu andar. Nesse momento as luzes dos outros andares se apagam e só a do último fica acesa. E com a raiva misturada ao ciúme eu aguardo.
O apito anuncia a chegada da cabine e as portas se abrem. Os ocupantes ficam em silêncio, me encarando, mas meus olhos estão sobre apenas uma pessoa. A loira incrivelmente linda, teimosa, gostosa e atrevida que me encara assustada e não move um músculo sequer do lugar.
Estendo minha mão, agarro seu pequeno cotovelo e a puxo para fora. Ela se debate, mas continuo o aperto e só solto quando as portas de alumínio se fecham.
“Seu comportamento hoje está sendo lamentável”, vocifero.
“Meu comportamento? E o seu?”
Ela me dá as costas e aperta o botão para chamar o elevador, sem sucesso. A chave ainda está no painel.
“Estou falando com você, Eva”.
Ela olha para as portas de vidro da entrada, como se procurasse alguém.
“Ah, é?” Ela se volta para mim irritada. “Que engraçado, porque você fala, fala e nunca sei de nada... Como que você ia sair com Corinne ontem à noite”.
 “Você não devia ficar fuçando na internet a meu respeito”, digo entre os dentes. “Ainda mais sabendo que o que encontrar só vai deixar você chateada”.
 “Então suas atitudes não são o problema?”, rebate com a voz embargada. “O problema é eu ficar sabendo?”
Merda, eu já disse que detesto vê-la chateada?
Cruzo os braços tentando me manter impassível. “Você precisa confiar em mim, Eva!”
“Desse jeito é impossível! Por que você não contou que ia jantar com Corinne?”
“Porque eu sabia que você não ia gostar”, respondo simplesmente.
“Mas foi mesmo assim”, diz ressentida.
“E você foi almoçar com Brett Kline mesmo sabendo que eu não ia gostar”, repreendo rispidamente.
“O que foi que eu acabei de dizer? Quem está estabelecendo esse tipo de precedente é você”.
“É olho por olho, então? Que bela demonstração de maturidade”, debocho.
Ela dá um passo para trás como se tivesse sido agredida e me analisa como se eu fosse um estranho.
“Você está me deixando com raiva”, murmura. “Para com isso”.
Por muito pouco eu deixo minhas emoções extravasarem, mas me mantenho firme em minha impassibilidade. Não posso fraquejar, não agora. Meu corpo está todo tensionado. Nunca me esforcei tanto para esconder meus sentimentos como agora. Não se trata de qualquer pessoa, é Eva. A mulher da minha vida. A pessoa que me conhece como ninguém.
“Não vou conseguir falar com você agora. Me deixa ir embora”, sussurra.
Sigo até o outro elevador e aperto o botão.
“Angus vai passar na sua casa todo dia de manhã”, digo ainda de costas, completamente incapaz de encarar seus olhos. “Pode esperar. E eu prefiro que você almoce por aqui mesmo. É melhor não ficar circulando muito por aí neste momento”.
“Por que não?”
“Estou com muita coisa na cabeça no momento...”.
“Tipo os jantares com Corinne?”
“... e ficaria melhor se não tivesse que me preocupar o tempo todo com você”, continuo, ignorando completamente sua interrupção. “Não acho que seja pedir muito”.
Eva se cala um momento e me observa. Ela percebe que algo está errado.
“Gideon, por que você não fala comigo?” Percebo pelo reflexo da porta que ela estende a mão para tocar meu ombro e desvio imediatamente. Não posso suportar seu toque agora.
“Diz o que está acontecendo. Você está com problemas?” sua voz sai num sussurro. 
“O problema é que na maior parte do tempo não sei nem onde você está!” grito, olhando para ela com raiva e frustração quando a porta do elevador se abre. Me afasto para deixá-la passar. “Seu amigo está no hospital. Seu pai está vindo visitar você. Tente... se concentrar só nisso”.
Ela entra no elevador. Seu rosto contorcido numa expressão de sofrimento absurda. Seus olhos cinzentos marejados e transmitindo toda a mágoa que a minha recusa em ser tocado lhe causou.
As portas se fecham e eu sussurro mais para mim mesmo. “Confie em mim, Eva”.
Volto para meu escritório, completamente entorpecido pela dor. Tranco a porta e deito no sofá, me encolhendo todo. Acabo de deixar o coração dela em carne viva.
E o meu também.
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*Nome fictício.

Semana que vem temos... o assassinato! Preparem o coração!

Beijos a todos!

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