sábado, 1 de fevereiro de 2014

Profundamente Minha: Capítulo 17 — Pagando o preço (Parte 1)

Agora, preparem o o coração, porque esse capítulo tá de por o Cross no colo e fazer cafuné! Mas tem coisas engraçadas também e, claro, a fofa da Ireland! 


Boa leitura!


“Mostre-me um homem que não seja escravo das suas paixões”.
—Shakespeare

Angus
Quando Raul me contou sobre a confusão no hotel percebi que meus instintos estavam certos. Peguei o carro e fui até lá. Minha mente gritava que algo iria acontecer e não pude me segurar. Assim que me viu, Gideon pediu para que eu mantivesse a senhora Giroux em meu campo de visão enquanto ele fosse verificar o que estava acontecendo. Eu o via entrar e sair do hotel. Houve um momento em que ele sumiu. Ninguém percebeu obviamente, mas minha mente treinada logo captou que aquele incêndio na cozinha não passava de uma distração. Meia hora depois ele voltou, seu rosto revestido de uma máscara de calma e frieza, além de um pouco de irritação, o que é normal numa situação como aquela. Corinne se jogou em seus braços fazendo o típico drama de dama assustada. Revirei os olhos discretamente. Ela sempre faz qualquer coisa para chamar a atenção de Cross.
Mas havia algo diferente nos olhos dele. Um brilho de uma resolução inflexível. Alguma coisa aconteceu dentro dessa meia hora, algo muito sério. Algo que irá mudar tudo daqui para frente.
...
Narrador
Walter Springs Hotel — Sexta-feira, 8h da manhã.
Às portas dos sessenta anos, Rebecca, a camareira que tinha mais tempo de serviço no Walter Springs, estava animada para mais um dia de trabalho. Cumprimentava a todos com seu bom humor característico. Nada lhe tirava o sorriso do rosto. Principalmente porque aquele era seu último ano ali. Sentiria falta da correria, mas estava na hora de se aposentar. Tanto seu marido quanto seus seis filhos e quinze netos estavam em contagem regressiva para esse dia. Queriam que a ativa senhora finalmente pudesse descansar.
O movimento no hotel estava mais tranquilo naquela semana. Somente um hóspede ficou mais tempo do que o normal: Nathan Barker. Becca, como é conhecida entre os colegas, sempre o achou muito estranho. Não que a tivesse tratado mal, pelo contrário, era sempre educado e cortês. Mas havia algo em seu olhar que lhe causava arrepios. Nunca comentou sobre isso com alguém, mas tinha uma pulga atrás da orelha com hóspede. Ele saía pouco, não recebia ou levava visitas, estava sempre muito quieto. E gente taciturna demais sempre gera desconfianças.
Sacudiu a cabeça para desanuviar sua mente desses pensamentos e respirou fundo. Hora de trabalhar. Sua função era verificar os quartos pela manhã e trocar as roupas de cama dos primeiros quatro andares. Para sua sorte, no segundo andar havia apenas um único hóspede. Geralmente o primeiro andar e os dois últimos eram os mais requisitados.
Assim que a porta de alumínio se abriu a camareira, que estava com lençóis limpos dobrados em seus braços, preenchia o silêncio sepulcral do andar com sua voz melodiosa, que cantarolava uma canção qualquer. Ao chegar mais perto da porta, estranhou ao vê-la aberta. Estava pronta para chamar pelo hóspede quando estancou. Seus olhos se arregalaram os lençóis caíram de seus braços. A senhora arfava rapidamente, totalmente horrorizada com aquela visão.
“OH MEU DEUS!” gritou a plenos pulmões.
Em seguida, saiu correndo, berrando por ajuda.
...
Ireland
Mal consegui dormir esta noite. Acho que fiquei tão estarrecida com a ligação de Gideon que meu sono foi seriamente afetado.
Agora, o transe deu lugar à ansiedade. Meu Deus, eu vou sair com ele! Mas o que mais me deixa intrigada é o fato de Gideon ter cedido ao pedido de Eva para me convidar. Eu já a adoro mais. Acho que, naquele dia na festa, quando lhe perguntei sobre meu irmão, deixei mais do que evidente meu desejo de me aproximar dele. E Eva, como a excelente pessoa que é, resolveu me ajudar. E eu lhe seria grata para sempre. Já até estou planejando algum programa legal para fazermos juntas. Uma forma de agradecer por tudo. Dá pra ver que ela o ama e o sentimento é recíproco. Eu vi isso na foto deles se beijando perto da CrossTrainer, no vídeo que foi gravado no Park Grill... Eles são perfeitos um pro outro. Eva só tem feito bem ao meu irmão e fico muito feliz pelos dois. Gideon sempre foi solitário e sério demais. Nunca quis muito contato com nossa família. Lembro-me vagamente do dia em que foi embora. Mamãe sofre até hoje com sua distância, embora não demonstre isso o tempo inteiro. Meu pai só mantém contato com ele por causa dos negócios, mas não esconde que o admira muito. E Christopher... Bem, até um cego enxergaria a inveja que tem dele. Particularmente, acho isso muito tosco. Mas quem sou eu pra dizer alguma coisa?
Com o tempo, comecei a querer saber mais sobre Gideon. Procurava coisas sobre ele na internet e tenho até uma foto dele que imprimi de um site. Coloquei numa moldura e guardei em minha gaveta. Às vezes me batia uma tristeza não tê-lo por perto. Eu queria muito conhecê-lo, muito mesmo. Queria tê-lo na minha vida. Eu o amo e quero que ele me ame também.
Agora já são dez da manhã e estou como louca tentando achar uma roupa que combine com a ocasião. Eu sei que é uma coisa informal. Tenho que procurar direito. Não quero parecer esnobe. Escolho uma blusa branca de gola canoa e mangas cumpridas, um jeans claro e all stars brancos. Acho que está bom.
Ouço uma batida na porta.
“Entra!”
A figura elegante da minha adorada mãe aparece no limiar.
“Oi querida, bom dia”, cumprimenta sorridente. “Vai sair hoje?”
“Bom dia mãe”, respondo empolgada. “Sim, eu vou. Gideon me convidou pra jantar com ele e com a Eva”.
A cara chocada dela me fez querer soltar uma gargalhada. Sua boca se abriu num “o” maiúsculo perfeito e seus olhos azuis como os meus se arregalaram.
Ela fica assim um bom tempo.
“Mãe?”
“Ah”, sacode a cabeça, saindo do transe. “Desculpe, eu pensei que você tivesse dito que sairia com Gideon hoje”.
“E eu vou”.
Ela abre a boca e a fecha novamente. Repete o movimento mais duas vezes até conseguir falar novamente.
“Isso é alguma brincadeira?”
“Absolutamente”, respondo com altivez. “O próprio Gideon me ligou ontem à tarde me convidando para jantar no apartamento de Eva. Ele vai conhecer o pai dela”.
“Nossa”, ela me encara perplexa. “Eu não esperava isso dele”.
“Nem eu. Fiquei meio abobalhada também, mas agora estou mais ansiosa. Eu quero que ele goste de mim, mamãe”.
Ela abre um sorriso terno e anda até mim.
“Meu amor. Gideon é o seu irmão. Apesar da distância, tenho certeza que ele te ama. Só não está acostumado a conviver com você. Vai dar tudo certo”, ela acaricia minha bochecha.
“Ah, sei lá. Ele parece tão inalcançável. Nem parece meu irmão. Só depois da ligação dele é que me dei conta do nosso parentesco, sabe? Como se fosse algo real, e não inventado pela minha mente paranoica de adolescente”.
Sua risada cristalina preenche o ambiente e seus braços me envolvem num abraço carinhoso e maternal.
“Ah, querida. Fico tão feliz por isso, principalmente por ver que a iniciativa veio dele”.
“Mais ou menos, né, mãe? Foi a Eva quem o convenceu, eu posso apostar”.
“O que não diminui em nada o gesto dele. Afinal Gideon não faz nada que não queira”.
 “É verdade”, concordo.
Gideon é muito independente e seguro. Ele é o chefe, o Manda-Chuva, e não precisa se curvar diante de ninguém.
“Já escolheu sua roupa?” perguntou ainda me abraçando.
“Sim. Estou me sentindo tão importante por ter sido convidada para algo tão íntimo”.
“Então aproveite querida. Ele te quer por perto. Aproveite cada segundo”.
“Pode deixar”.
“Isso mesmo”, ela me dá um beijo na testa e se afasta delicadamente. “Vou até a cozinha orientar Mira sobre o cardápio do almoço”.
“Ok”.
Ela se encaminha para a porta quando a chamo novamente. De repente me deu uma vontade de saber uma coisa.
“Sim querida?”, ela se volta para mim.
“Porque o Gideon foi embora?”
De repente, o sorriso desaparece e seu rosto fica pálido. Que estranho...
“Porque quer saber sobre isso? Ele te disse alguma coisa?”, pergunta em voz baixa.
“Não, eu só fiquei curiosa”, dou de ombros, como se não me importasse, mas por dentro estou me roendo de curiosidade.
Ela gagueja. “Ele só... se sentia sufocado. Queria conquistar a própria independência. Coisa de adolescente, sabe? Nada demais”.
Suas mãos se contorcem nervosamente. Resolvo não insistir e dar o assunto por encerrado.
“Ah, entendi”.
Ela dá um sorriso amarelo e sai apressada, batendo a porta atrás de si.
Não acreditei na em uma palavra do que ela disse. Sua reação me fez ter certeza de três coisas.
A primeira, e a mais óbvia, ela está mentindo.
A segunda é que, por alguma razão, ela não quer que eu saiba a verdade, o que me leva, à terceira.
O motivo que levou Gideon a sair de casa, a ponto de nunca mais por os pés aqui e se afastar da família como fez, é mais sério do que eu pensava.
...
Gideon
Passo resto da noite falando com bombeiros, acalmando convidados e dando ordens a funcionários. Estou completamente exausto física e emocionalmente. A festa termina mais cedo que o previsto. Não há mais ambiente para prosseguir com tudo, o que é ótimo. Preciso pensar. Corinne insiste em me convidar para jantar em seu apartamento, mas nego veementemente, alegando estar cansado. Eu quero ficar sozinho.
Peço a Angus que a leve para casa. Embora tenha sido bom ele ter aparecido, evitando, assim, que eu vá embora com Corinne, eu sei que ele pescou algo. Seu faro de ex-agente do FBI não falha. Não quero ter que aguentar seu olhar inquisitivo sobre mim, não nesse momento. Vou até o quarto que reservei, recolho minhas coisas e desço para encontrar Raúl na porta do hotel.
Chego em casa as dez e meia da noite e vou direto para o chuveiro. Pego uma esponja, coloco um pouco de sabão líquido e me esfrego até minha pele ficar vermelha. Tenho que tirar essa áurea pesada de mim. Amanhã a bomba irá estourar. Mais do que nunca terei que me manter afastado de Eva, pelo menos até o caso ser arquivado. Ela ficará uma fera quando souber da festa. Tentarei acalmá-la e pedir-lhe paciência. Sei que irá me entender. Nós conversamos sobre confiança durante esses dias. Agora terei a chance de pô-la à prova.
Já deitado na cama, finalmente assimilo o que aconteceu hoje: eu matei uma pessoa. Eu tirei a vida de outro ser humano. E o pior de tudo é que não sei se Eva terá estrutura para lidar com isso. Ela é muito frágil emocionalmente. E se ela não me aceitar? E se ficar com medo de mim e quiser se afastar? Eu não suportaria sua rejeição.
No meio desses pensamentos, acabo caindo num sono profundo.

E lá estava eu novamente em nosso paraíso particular. A leve brisa bagunçando meus cabelos, os grãos de areia massageando meus pés, o barulho das ondas do mar. Tudo contribuía para que eu sentisse a mais absoluta paz. Estava sentado na espreguiçadeira, de olhos fechados, mas mesmo assim, senti sua presença. Aquele doce e envolvente perfume cítrico invadiu minhas narinas, e eu o inspirei profundamente. Cada célula do meu corpo se agitou em resposta.
Senti as pontas de seus dedinhos fazendo movimentos suaves em meu couro cabeludo. Respirei fundo e continuei apreciando aquele contato.
“Está aproveitando garotão?” Sua voz doce penetrou meus ouvidos.
“Sim”, ronronei. “Você é muito boa nisso meu anjo”.
“Ah é?” eu sabia que ela estava sorrindo. “Só nisso?”
“Não, você é muito boa em várias coisas”.
“É mesmo? No que, por exemplo?” sentia uma pitada de atrevimento no seu timbre.
“Em ficar peladinha na cama de pernas abertas, gemendo meu nome enquanto te como com força”. 
Sua risada alta me deu tanto tesão, que meu pau ficou duro na hora.
Seus dedos saíram do meu cabelo e no instante seguinte senti sua respiração próxima da minha bochecha. Seus lábios carnudos se colaram em minha orelha.
“Que tal testarmos o quão boa eu sou nisso, hein, moreno perigoso?”, sussurrou sensualmente.
Abri meus olhos no mesmo instante e ela se afastou para que eu me levantasse.
Me virei em sua direção e sorri maliciosamente. Seus olhos, que estavam em meu rosto, foram direto para minha pélvis. Vi sua fisionomia mudar de desejo para pânico em um nano segundo.
“O que foi, meu anjo?”. Dei um passo para frente mais ela deu dois para trás.
“Meu Deus! O que você fez?”, sua voz estava embargada.
Olhei para baixo e vi minha camisa branca e minhas mãos sujas de sangue. Fiquei assustado. Como aquilo foi parar ali?
Voltei meus olhos para Eva, que me olhava aterrorizada.
“Meu amor, calma. Eu vou limpar isso, não sei como veio parar aqui”.
Ela começou a se afastar mais e balançava a cabeça negativamente.
“Seu... Seu monstro! Como você pôde?”.
“Eva”, comecei a me desesperar. “Por favor, acalme-se...”.
“CALA A BOCA”, gritou. “SAI DE PERTO DE MIM, SEU ASSASSINO! NUNCA MAIS CHEGA PERTO DE MIM!”.
Ouvir isso dela doeu. Doeu muito.
 “Pelo amor de Deus, Eva... eu... Eu posso explicar...”.
“Eu não quero saber! Eu não quero te ver nunca mais. NUNCA MAIS!”
E ela saiu correndo.
“EVA!”, fui atrás dela, mas por alguma razão eu não conseguia alcançá-la. Ela se distanciava mais e mais.
“EVA, NÃO! POR FAVOR, VOLTA! EVA! EVA!”

“EVA!”
Acordo sobressaltado, confuso, ofegante e molhado de suor. Olho o relógio digital. Cinco e quinze da manhã. Raúl já deve estar quase pronto para buscar Eva em seu apartamento e levá-la ao aeroporto
Volto a deitar e fecho os olhos. Que merda de pesadelo foi esse?
Foi o meu medo se manifestando. Medo de ela me rejeitar. Talvez Eva não possa lidar com o que fiz. Talvez sinta medo de mim. Estou começando a sentir o peso das minhas escolhas.
Cambaleando, vou para o banheiro. Tiro a cueca e ligo a ducha. Deixo os jatos de água morna lavar o suor e relaxar meus músculos. Fecho os olhos e encosto minha testa no azulejo frio. O pesadelo ainda fresco em minha memória. Eu não sei o que acontecerá conosco daqui pra frente. Mas temo que nós nunca consigamos continuar de onde paramos. Que ela jamais me perdoe pelo que a fiz passar, que ela não consiga continuar ao meu lado.
E, se todos os meus temores se realizarem, eu a perderei para sempre.
/***/
Às seis em ponto ligo para Raúl.
Senhor Cross”.
“Já está com ela?”
Ahn... não senhor. A senhorita Tramell recusou minha carona”.
Porra Eva!
“E porque raios você não insistiu?”. Vocifero.
Eu insisti senhor, mas ela disse que não e pegou um táxi. Pediu para avisá-lo que não precisa mais dos seus serviços de transporte e..., e ele se cala.
“E?” incito.
Senhor, eu não sei se...”.
“Eu não tenho o dia todo Raúl”, digo duramente.
Ela... ahn... mandou o senhor ir se foder”.
O quê? Mas que mulher atrevida do caralho.
“Isso é tudo Raúl. Volte para me buscar para o trabalho”. E desligo.
Involuntariamente começo a rir. Eu consigo imaginá-la dizendo isso. É tão... Eva! Mas logo meu sorriso some e sinto uma pontada de tristeza. Ela está começando a se afastar por conta própria. Ligo para Angus e peço que fique disponível para Eva, seguindo-a para onde quer que ela vá. Eu não ia desistir assim tão fácil. Ela tinha que saber que eu me importo. Imediatamente penso no pesadelo. A forma como ela correu de mim, me chamando de monstro. Seu rosto tomado pelo medo. Sacudo a cabeça tentando afastar esses pensamentos. Tenho muitas coisas para lidar hoje.
Após o almoço meu celular toca. Olho o visor e vejo o número de Ben. Franzo o cenho.
“Cross”.
Boa tarde, senhor Cross. Desculpe atrapalhá-lo, mas o assunto é urgente”.
“Prossiga”.
Nathan Barker foi encontrado morto hoje, por volta das oito da manhã”.
Meu corpo se retrai instintivamente.
“Morto?” pergunto fingindo-me de chocado. “Como?”
Não tenho muitos detalhes ainda senhor. Um dos funcionários que nos ajudou durante a vigília acabou de me ligar”.
“Certo. Qualquer coisa me avise”.
Afirmativo”.
Desligo, ponho o celular em cima da mesa e olho para um ponto vazio. Acabou. Finalmente o tormento do meu anjo acabou. Ela será livre para ser feliz e deixar seu passado para trás. Fico assim por alguns instantes até Scott me interfonar avisando de uma teleconferência marcada para daqui a meia hora.
Saio do trabalho às cinco. Raúl já está a postos com o carro. Seu constrangimento é visível, mas não me atenho a isso. Coitado. Não imagino a cara dele ao ouvir as palavras dela.
Durante o trajeto, minha mente vaga para o jantar de hoje, em como será conhecer o pai de Eva. Vi uma foto de Victor Reyes no dossiê. Um homem aparentemente alto, corpulento, com traços latinos, pele morena e os mesmo olhos verde-acinzentados de Eva. Será que ele irá gostar de mim? Eu duvido, principalmente porque sei que Eva deve ter lhe contado sobre nossa atual situação. No lugar dele, eu iria querer minha cabeça.
Pelo menos Ireland estará lá para aliviar clima do ambiente. Levá-la é uma forma de não só agradar Eva, mas também de fazê-la entender que não desisti de nós dois.
O dia passou rapidamente. Angus me mandou uma mensagem dizendo que Eva recusou a carona. Isso me deixou chateado, mas sou um homem persistente. Após o almoço liguei para Ireland para confirmar se iria mesmo ao jantar e ela respondeu animadamente que sim, como se fosse algo superinteressante. Nunca vou entender a cabeça dessa garota.
Antes de sair do escritório, recebi outra mensagem de Angus avisando que Eva esteve em um mercado e, novamente recusou sua carona. Imediatamente fui ao meu computador e acessei a conta bancária de Eva para ver o que ela havia comprado para o jantar. Nem vou me dar ao trabalho de justificar minhas atitudes. Sou um maníaco perseguidor assumido e não me envergonho disso.
Vergonha é não saber.
Saí do Crossfire e fui direto para o mercado comprar cervejas Dos Equis. Pelo que vi, Eva fará comiga mexicana para o jantar. Depois fui para casa, tomei um banho e separei um jeans e uma camisa dos Yankees. Como todo bom americano, Victor deve apreciar beisebol, e não me surpreenderia se ele fosse um torcedor fanático do San Diego Padres. Pelo menos teríamos algo sobre o que conversar por um tempo. Retirei meu relógio, mas mantive o anel que Eva me deu. Eu nunca o tirarei do dedo.
Durante o trajeto até a mansão dos Vidal, pude sentir os olhares discretos de Angus sobre mim. Claro que ele sabia que algo havia acontecido. Sua mente astuta irá ligar os pontos em breve. Mas confio nele. Sei que não dirá nada nem a mim nem a ninguém.
Angus se aproxima cada vez mais perto da casa dos Vidal e, imediatamente meu estômago começa a dar voltas. Tenho verdadeiro horror a esse lugar. Mas, para minha satisfação, Ireland já está no portão, com seus longos cabelos pretos e levemente ondulados soltos, um gorro de lã vermelho sobre a cabeça, jeans claro um tanto apertado demais pro seu corpo (como ela consegue respirar dentro daquilo?), e uma blusa branca de mangas cumpridas. Ela está olhando para baixo, apertando as mãos e andando de um lado para o outro. Parece estar bem nervosa, o que é muito estranho, já que em instantes sou eu quem vai conhecer o sogro, além de não ter ideia do que fazer para entreter uma adolescente durante uma hora.
Ireland está tão distraída que nem percebe nossa chegada. Angus buzina, e ela se sobressalta de uma forma tão engraçada que por pouco não solto uma risada. Abro a porta traseira do Bentley e saio. Seus olhos se arregalam como dois pratos quando me veem.
“Oi”, cumprimento sério.
“Oi, Gideon. Tudo bem?”, sua voz é suave.
“Tudo e você?”
“Estou bem”.
“Ótimo”, e me calo. Droga, eu não sei o que dizer. Porque raios fui concordar com isso?
“Legal a sua camisa. Acho que nunca te vi tão... despojado”.
“O meu trabalho não permite que eu seja tão despojado”.
“Não mesmo. Mas ficou demais. A Eva vai gostar”, diz sorrindo fracamente e em seguida sua expressão muda para dúvida. “Minha roupa está boa? Eu exagerei ou faltou alguma coisa?”
“Bom, pra mim foi surpreendente te ver de all star”, digo num rompante estranho de divertimento. “Mas a roupa está perfeita para a ocasião. Você está muito bonita”.
Suas bochechas coram e seus olhos se voltam para seus pés. “Obrigada”.
Duplamente estranho. Eu não quis dizer que ela está bonita. Simplesmente saiu.
Pigarreio. “Bom, é melhor a gente ir”.
“Ok”.
Abro caminho para que ela entre no carro.
Segundos depois já estamos indo para o apartamento de Eva. O silêncio chega a ser sufocante. Ela está em uma ponta do banco e eu na outra, ambos olhando para a janela.
“Então”, ela quebra o silêncio com sua voz hesitante. “Como você conheceu a Eva?”
É uma boa pergunta. Mas muito complicada de responder. Vou ter que editar muita coisa. Digamos que nossa história é um tanto inapropriada para menores.
“Ela trabalha no Crossfire”, eu me viro para olhá-la e a surpreendo me observando com um interesse gritante. “O chefe dela fez a campanha da Kingsman e acabamos nos conhecendo”.
Boa resposta, Gideon. Boa resposta.
“Achei estranho você namorar uma loira, mas depois isso deixou de ter importância”, diz. “Eva é elegante, engraçada e muito bonita. Você escolheu bem”.
Eu sei que sim, penso saudoso.
“Você acha?” pergunto de repente. Não sei por que, mas quero ouvir a opinião dela.
“Com certeza”, ela sorri mais. Um sorriso muito parecido com o de seu pai. “Tipo, acho que a Eva te transformou. Eu já vi várias fotos de vocês dois juntos. Apesar da cara séria, dá pra ver o brilho nos seus olhos”.
Ok, ela consegue o que apenas Eva conseguiu até hoje: me deixar sem graça. Fico olhando para seu rosto sem saber o que responder.
“Sua voz muda quando toca no nome dela”, continua. “É tão fofo”.
“Fofo?” pergunto incrédulo com a escolha da palavra. É isso o que os garotos são para as garotas hoje em dia? Fofos?
“Aham”, balança a cabeça afirmativamente, como se estivesse dizendo uma verdade absoluta. “Eu não te via assim nas fotos com outras mulheres nem nas que você aparece com a...”, ela faz uma careta adorável. “Corinne”.
Corinne já havia comentado que sentia que Ireland não gostava dela. Na época não dei importância alguma para o fato.
“Você mal a conheceu”, comento.
“Conheci o suficiente para não ir com a cara dela. Sou muito mais a Eva”.
Dou um meio sorriso. Eva realmente a conquistou. E, por um motivo inexplicável, isso me deixa satisfeito.
O silêncio volta a se instalar dentro do carro. Fecho os meus olhos e respiro fundo tentando controlar a ansiedade. Eva e eu estaremos frente a frente pela primeira vez depois da morte de Nathan. Não sei se ela chegou a ver as fotos de ontem à noite e isso me deixa ainda mais apreensivo. Ah, e, obviamente, tem o pai dela.
“Tá nervoso, né?” Sua voz me acorda do torpor.
“Ahn?”
“Você vai conhecer seu sogro. Está nervoso?”
“Claro que não”, digo com desdém. “Só estou cansado. Tive um dia tumultuado”.
“Sei”. Está na cara que ela não acreditou em mim. “O que o pai dela faz?”
“Ele é policial em San Diego”.
“Ah, agora dá pra entender. Está com medo de levar um tiro”, brinca. “Não se preocupe, ele vai gostar de você”.
“Obrigado, mas não estou nervoso”.
Ela levanta as mãos como se estivesse se rendendo. “Se você diz”.
Não nos falamos mais pelo resto do caminho. Em alguns momentos Ireland parecia querer falar algo, mas desistia. Dava pra ver que ela ficava me espreitando o tempo todo e isso me deixava meio angustiado. A rua estava cheia de distrações, era só olhar pela janela!
Agora estamos subindo para o andar de Eva.
Nervoso.
Eu estou nervoso pra cacete.
Nunca fiquei tão nervoso.
Merda!
Eu bem que tento disfarçar, mas parece que minhas táticas estão falhando miseravelmente já que uma mera adolescente cheia de hormônios não para de segurar o riso pela minha desgraça.
Chegamos ao andar. Tiro a chave do apartamento do meu bolso e destranco a fechadura. Ao girar a maçaneta e empurrar a porta eu escuto a inconfundível voz de Van Morrison cantando Moondance. Deixo Ireland entrar primeiro e a sigo. 
Assim que bato o olho na cozinha, meu coração acelera com a cena. Eva está cantando e dançando com seu pai. Seu rosto está sem maquiagem e seus cabelos estão úmidos. Ela nunca esteve mais linda do que agora. Seu sorriso é tão sincero e feliz que me faz sentir de que o que eu fiz realmente valeu a pena, só para vê-la assim. Uma emoção me invade e sinto meus olhos arderem. Visto minha mascara impassível imediatamente.
Pelo canto do olho, vejo minha irmã sorrindo docemente, também apreciando a cena. Quando Eva me vê seu sorriso desaparece e ela se desequilibra.
“Você tem dois pés esquerdos?”, seu pai provoca, ainda olhando para ela.
“Eva é uma ótima dançarina”, digo.
Seu pai se vira e seu sorriso some também. Começou bem, Cross.
Contorno o balcão e entro na cozinha. “Só não sabia que ela também era ótima cantora. Gideon Cross”, me apresento, estendendo a mão.
“Victor Reyes”, ele mostra os dedos engordurados. “Estou com a mão suja”.
“Não tem problema”, não quero que ele me veja como um playboy fresco.
Ele encolhe os ombros e aperta minha mão, me medindo de cima abaixo.
Eva joga um pano de pranto para nós e vai até Ireland, ignorando minha presença completamente. Em seguida, ela é apresentada a Victor que lhe demonstra toda a simpatia que fez questão de ocultar de mim. Maravilha.
Logo Ireland estava ajudando Eva a enrolar as enchiladas. Victor coloca as cervejas que eu trouxe na geladeira e vai para o quarto. Aproveito que Ireland está em outro balcão e chego perto dela. Coloco a mão em sua cintura e lhe dou um beijo no rosto.
“Eva”, estou com tanta saudade dela.
Seu corpo retesa.
“Pode parar”, murmura. “Não precisamos fingir nada”.
Solto o ar com força. Meu coração se aperta e minha cabeça dá um giro de 360 graus. Meus dedos se apertam em sua cintura involuntariamente num claro sinal de possessão, com se meu corpo a reivindicasse.
De repente, meu celular vibra e me afasto dela para ver quem está ligando. Raúl.
“Com licença”, resmungo e vou atender na sala.
“Cross”.
Senhor Cross, a polícia esteve aqui procurando o senhor”.
“Como?” Eu já esperava por isso, mas tenho que fazer a linha desentendido.
A polícia está investigando a morte de Nathan Barker. Dois detetives estiveram aqui querendo falar com o senhor. Eu disse que o senhor teve um compromisso, mas não dei detalhes”.
 “Certo. Qualquer novidade mantenha-me informado”.
Entendido”. Desligo o telefone e respiro fundo. Eles devem vir procurar por Eva amanhã. O álibi dela está garantido e isso me deixa mais tranquilo.
Chego a tempo de ouvir uma parte da conversa das duas.
 “Às vezes as pessoas se dão melhor só como amigas”, diz Eva.
“Mas você disse que estava apaixonada”, argumenta Ireland.
“Isso nem sempre basta”.
Sinto o baque de suas palavras. Ela está magoada e tentada a desistir por achar que não estou tentando.
Eva se vira e dá de cara comigo.
Meu maxilar trinca enquanto tento conter as enxurrada de emoções dentro de mim.
“Quer uma cerveja?” pergunto.
Ela balança a cabeça afirmativamente.
“Quer um copo?”
“Não”.
Olho para Ireland. “Está com sede? Tem refrigerante, água, leite...”. Eu vi tudo isso quando o pai de Eva abriu a geladeira.
“Que tal uma cerveja?”, ela sugere, abrindo um sorriso charmoso.
“Vai sonhando”, repondo irônico.
Eu não convivo com adolescentes, mas sei que eles não podem beber. Nem morta essa garota ia por uma gota de álcool na boca.
Tiro a cerveja da geladeira e entrego a Eva. Nossos dedos se encostam e, completamente envolvido por aquele contato, continuo segurando cerveja, olhando fundo em seus olhos, pensando na nossa última noite juntos. E ela sabe disso. Continuamos nos encarando fixamente até que ela pega a cerveja e vira de costas. A sensação de vazio me domina no mesmo instante. Temendo não conseguir me segurar e acabar agarrando-a aqui mesmo, pergunto se posso ajudar em alguma coisa. Sem me encarar, ela pede para que eu traga Cary em uma cadeira de rodas.
 “Certo”, e me retiro.
A porta de Cary está aberta e ele está lendo um livro.
“Boa noite, Cary”, cumprimento.
“Oi. Obrigado pelo hospital domiciliar”, ele parece bem melhor.
“Não precisa agradecer”.
“Só faltou os filmes pornôs”.
“Sinto muito, prometo que vou me redimir”, respondo sarcasticamente. “Vamos lá, o jantar vai ser servido”.
Ajudo-o a se sentar na cadeira e o levo até a sala.
Durante o jantar, Victor e eu engatamos um papo sobre beisebol. Apesar de o assunto ser descontraído, parecia mais um duelo de território.
Durante muitos anos lhe foi privado o direito de ser pai de Eva. E somente agora ele teve a oportunidade de reivindicar sua posição. Porém tento deixar claro que, apesar de compreender o seu lado, não vou me sentir intimidado por isso. Não sou mais um adolescente e tenho meu lugar na vida dela. Lugar do qual eu não pretendo abrir mão de forma alguma.
Terminamos de comer. Assim que Eva se levanta para pegar a sobremesa o interfone toca. Meus sentidos ficam em alerta máximo.
Ela atende, escuta alguém falando algo, olha direto para Cary e autoriza a visita a subir.
“É a polícia”, revela voltando para a mesa de jantar. “Acho que descobriram alguma coisa”.
 “Pode deixar que eu abro a porta”, diz Victor, já assumindo sua postura de autoridade.
Aproveito a distração e vou a um canto mais afastado. Disco o número de Raúl.
Senhor Cross”.
“Qual o nome dos detetives que foram me procurar?”
Ouço a campainha tocar.
Shelley Graves e Richard Michna”.
“Certo”, desligo e volto para a sala enfiando o celular no bolso.
Admito, fui pego desprevenido, mas é uma situação contornável.
“Eva Tramell”, diz a mulher entrando no apartamento.
Uma moça magra, com uma expressão bem séria e olhos azuis sagazes. Seus cabelos são castanhos e ondulados. Ela usa roupas escuras e discretas, mas que deixam a mostra o distintivo e a arma presos no cinto.
“Sou a detetive Shelley Graves, da polícia de Nova York. Esse é meu parceiro, detetive Richard Michna”, apresenta o homem mais velho, mais alto e mais corpulento. Seus cabelos estão começando a ficarem mais grisalhos nas têmporas e apresenta uma leve calvice no topo da cabeça. Seus olhos escuros percorrem atentamente o cômodo.
“Sinto muito incomodar a senhorita a esta hora numa sexta”.
 “Olá”, cumprimenta Eva.
Victor fecha a porta, e sua postura chama a atenção de Michna. “Você é da polícia?”
“Da Califórnia”, explica ele. “Estou aqui de visita. Eva é minha filha. De que assunto vocês vieram tratar?”
 “Gostaríamos de fazer algumas perguntas, senhorita Tramell”, informa Graves, que em seguida olha para mim. “E para o senhor também, senhor Cross”.
Essa mulher é muito esperta. Tenho que tomar cuidado com ela.
“É sobre Cary?”, Eva pergunta inocentemente.
“Porque não nos sentamos?”, diz Graves.
Todos se sentam e os detetives começam a fazer perguntas sobre a Califórnia e mais um monte de conversa fiada.
“Temos umas perguntinhas bem simples pra fazer”, diz Michna, puxando um bloquinho de anotações do bolso do casaco. “Não queremos tomar ainda mais o tempo de vocês”.
Graves acena com a cabeça, sem tirar os olhos de Eva. “Você conhece um homem chamado Nathan Barker, senhorita Tramell?”
Ela olha para a detetive em estado de choque.
 Cary solta um palavrão, fica de pé e dá alguns passos vacilantes para sentar ao lado dela, e agarra sua mão.
“Senhorita Tramell?” Graves se senta na outra ponta do sofá de canto.
“Ele era filho de um ex-padrasto dela”, intervém Cary. “Por quê?”
“Quando foi a última vez que você viu Barker?”, Michna pergunta.
 “Oito anos atrás”, responde Eva com a voz embargada, já recuperada da surpresa. Que vontade de abraçá-la agora.
“Você sabia que ele estava em Nova York?”
Assustada, ela sacode a cabeça violentamente.
 “Mas que conversa é essa?”, interrompe Victor.
Eva olha desesperada para Cary e para mim, mas não retribuo o olhar. A ideia é me manter o mais frio e distante possível.
 “Senhor Cross”, Graves interpela. “E quanto ao senhor?”
“E quanto a mim o quê?”
“Conhece Nathan Barker?”
 “Não estaria me perguntando isso se já não soubesse a resposta”, digo.
 “Existe algum motivo para todas essas perguntas?”, indaga Victor.
Graves perfura Eva com o olhar, analisando suas reações. “Você pode me dizer onde estava ontem, senhorita Tramell?”
“Onde eu estava?”, repete confusa. “Ontem?”
“Não responda”, intervém Victor. “Esta conversa só vai continuar quando vocês disserem por que estão aqui”.
Michna acena com a cabeça calmamente. “Nathan Barker foi encontrado morto esta manhã”.
“Não temos mais nada a dizer”, Victor diz bem sério. “Caso tenham mais perguntas, ela poderá responder na presença de um advogado”.
“E quanto ao senhor Cross?” O olhar de Michna se volta para mim. “Se importaria em dizer onde esteve ontem?”
Saio de trás do sofá para acabar com aquela palhaçada. “Podemos conversar enquanto levo vocês até a saída”.
Os detetives anotam os telefones de Eva e saem comigo.
Já do lado de fora, a porta fechada, eles me olham atentamente.
“E então senhor Cross? Vai nos dizer onde esteve?” pergunta Michna.
“Numa festa da minha marca de vodca. Há várias fotos minhas espalhadas pela internet falando sobre isso. Podem procurar”.
Graves me analisa atentamente. “E vamos. Qual a sua relação com a senhorita Tramell?”
“Só respondo mais perguntas na frente de meu advogado”.
“Esteja na delegacia amanhã as nove, acompanhado dele”.
“Certo”.
Assim que as portas de elevador se fecham solto um suspiro pesado. Ligo para Angus para vir nos buscar.
Entro novamente e meus olhos encontram os de Eva. Seu rosto denunciado todo o seu cansaço e sua tristeza. Mas não dura muito. Ela me dá as costas novamente e vai para o quarto. Minhas pernas coçam para segui-la, mas me mantenho firme no lugar.
O resto da noite foi um pouco tenso. Victor estava com o rosto extremamente sério e me encarava de uma forma indecifrável. Cary ainda estava puto com os investigadores e minha irmã parecia um gatinho assustado.
Conversamos mais um pouco sobre a visita inesperada e, depois, eu e Ireland nos despedimos deles.
Angus já estava na porta do prédio nos esperando.
Passamos a primeira parte do percurso em silêncio.
“Gideon?” sua voz está hesitante.
“Sim?” me viro para olhá-la.
“Você tem alguma ideia de quem matou esse cara?”
Eu, minha mente responde automaticamente.
“Não consigo imaginar nenhum suspeito”.
“A Eva ficou muito tensa com aquilo. Depois que você saiu com os detetives achei que ela iria passar mal”.
Sinto uma pontada no peito ao ouvir isso.
“Você foi comprar um anel de noivado para ela?”
Quase engasgo ao ouvir a pergunta fora de contexto.
“De onde você tirou isso?”
“Ora, eu supus. Afinal você parece um bobo perto dela. Ficou o tempo inteiro dizendo que não estava nervoso, mas estava. E quando você a viu dançar com o pai na cozinha, juro que pensei que você fosse chorar”.
Quem é essa garota? Estou ficando tão ruim assim em ocultar meus sentimentos?
“Você devia conversar com ela e pedir desculpas”, continua. “Ela está magoada”.
“Eu sei. Vamos resolver”.
“Ela não é a nojenta da Corinne nem qualquer outra lambisgoia com quem você já saiu. A Eva é rara, única e merece conhecer o seu melhor lado. Eu vi a dor nos olhos dela e é triste. Dá pra ver que vocês se amam. Não desista”.
Eu fico extremamente apatetado, vendo essa menina (que nem tem idade pra tomar uma cerveja), me dar conselhos e mostrar que me conhece melhor do que eu pensava.
Ela franze o cenho. “Porque você tá me olhando com essa cara?”
Pisco algumas vezes e saio do transe. “Ah... desculpa. Acho que esse dia foi cansativo demais”.
“Ah tá”.
Angus para em frente à mansão e estou quase abrindo a porta quando a pequena mão de Ireland encosto em meu ombro.
“Não precisa descer. Sei que você não gosta dessa casa”. Angus se movimenta para ir abrir a porta. “Não precisa Angus. Sério, gente. Minha mão não serve só pra segurar o cartão de crédito”. E solta uma risada graciosa e acabo a acompanhando de forma mais contida.
O momento de descontração passa e o silêncio volta a reinar.
“Obrigada por me convidar. Foi bem legal”, seus orbes azuis como os meus cintilam.
“Nem tão legal assim”, discordo.
“Gideon, pra mim qualquer momento com você é legal”. E ela me surpreende não só com suas palavras como também com um beijo na bochecha e um abraço carinhoso.
Meus braços automaticamente envolvem seu corpinho magro. E, uma ternura tão grande me invade nesse momento, que fico assustado. Eu a solto, e ela repete o gesto.
“Er... Boa noite”, diz com o rosto ruborizado.
“Boa noite”.
E ela sai.
Ficamos parados ali a esperando entrar em casa e seguimos para meu apartamento.
Pensei que não havia espaço para outra pessoa dentro de mim que não fosse Eva. Não me considerava parte de um todo, como em uma família. Mas, Ireland me fez lembrar que eu ainda tinha alguém, sangue do meu sangue, que me amava. Eva mais uma vez me mostrou o que eu não queria ver e me surpreendi. Minha irmã não é uma adolescente desmiolada que só pensa em garotos, festas e compras. Ela é uma garota madura, doce e carinhosa.
Volto pra casa com um sorrisinho retardado nos lábios e com Angus fazendo de tudo para não gargalhar da minha cara de pamonha.
/***/
A novidade? Eu não dormi nada essa noite. Fiquei como um zumbi pela casa. Eva, Ireland, Nathan... Todos fizeram uma visitinha para meus pensamentos. Pelo menos pensando com minha irmã consegui sorrir um pouco.
Já são nove da manhã quando entro na delegacia, acompanhado de Kevin Jacobs, meu advogado. Um homem um palmo mais baixo que eu, com uma barriga meio saliente, barba e cabelos grisalhos. Parece um simpático vovô, mas sua perspicácia, atitude implacável e lealdade, foram requisitos mais que suficientes para me fazer contratar seus serviços.
Os detetives já me aguardavam.
Cumprimentamos uns aos outros e partimos para o interrogatório.
“Onde o senhor esteve na noite de ontem?”
“Cross Plaza. Mais especificamente uma festa da minha marca de vodca, como eu já disse ontem”.
“E obviamente, há várias testemunhas”.
“Sim, além dos convidados e funcionários do hotel, minha festa teve cobertura da imprensa. Vocês verão várias fotos minhas”.
“Você e a senhorita Tramell são namorados e...”.
“Não estamos mais juntos há um tempo”, corto secamente.
“Ah não? E o que estava fazendo na casa dela ontem a noite?”
“Somos amigos agora”.
“Mesmo?”
“Sim, minha ex-noiva e eu... estamos nos vendo novamente. Ela está, inclusive, em muitas daquelas fotos que vocês encontrarão na internet”.
Michna se mantém o tempo todo calado, apenas nos observando.
“Encontramos algumas fotos e vídeos de Eva no quarto onde ele estava hospedado. Ele a violentou quando era mais nova e voltou a persegui-la sem motivo aparente. Você sabia dessa história?”
“Sim. Eva me contou quando ainda namorávamos. Ela realmente não sabia que ele estava na cidade”.
“Mas você sabia”. Isso não foi uma pergunta.
“Sim”.
“Ele procurou você?”
“Sim, tentou me chantagear por dinheiro, mas não cedi. Então ele me mostrou fotos e me mandou um DVD mostrando exatamente tudo o que fez com ela”. Só a lembrança disso faz meu estômago dar um nó.
“E o que você fez? Ainda está em posse desses itens?”
Tirei de dentro da minha pasta o envelope e o DVD e os entreguei em silêncio para Michna.
“Não havia o que fazer. Eu me senti péssimo depois do DVD e achei melhor me afastar de Eva. Ele sabia que ninguém chamaria a polícia porque se não tudo viria à tona. Nosso relacionamento era de conhecimento público. A imprensa devastaria a vida dela e isso me atingiria. Sou um homem visado no mundo inteiro detetive, minha imagem estava em jogo e eu precisava protegê-la”.
Ok, isso é uma tremenda de uma mentira. E eu estava puto por dizer essas merdas, mas preciso de um motivo concreto para justificar nossa “separação”.
Nesse momento meu celular vibra no bolso. Meu coração acelera ao ver o nome de Eva no visor.
“Só um minuto, detetive”.
“Claro”.
 “Cross”, atendo secamente para não levantar suspeitas. “Não posso falar agora”.
Então só escute. Não vai demorar muito. Só um minuto. Um minutinho da merda do seu maldito tempo. Isso você pode me dar?
 “Sério, n...”
Nathan mostrou fotos minhas pra você?” Ela me corta.
“Este não é o momen...”.
Sim ou não?”, grita. Ela está muito alterada.
“Sim”, confesso.
E você quis ver?
Não foi exatamente assim. Ele quem fez questão de me mostrar. Senti meu estômago revirar com a lembrança. Depois de uma longa pausa respondo. “Sim”.
Ela suspira. “Muito bem. Acho que você foi um babaca completo me mandando para o consultório do doutor Petersen mesmo sabendo que não iria porque ia sair com outra mulher. Isso é coisa de canalha de quinta categoria, Gideon. E, pra piorar, era um evento da Kingsman, o que deveria ter pelo menos algum valor sentimental pra você, considerando que foi assim que...”.
Faço um sinal de para que eles esperem alguns minutos e empurro a cadeira para me afastar. Não posso ignorá-la agora. Não agora que ela sabe a verdade — ou pelo menos parte dela.
 “Acho que você foi um covarde por não dizer na minha cara que estava tudo terminado antes de começar a trepar com outra”.
“Merda, Eva”. Sua voz sofrida me deixa agoniado.
Mas também queria dizer que, apesar de achar que você fez tudo da maneira mais errada possível e por isso quebrou meu coração e me fez perder todo o respeito por você, ainda assim não te culpo pela maneira como se sentiu depois de ver aquelas fotos. Isso eu consigo entender”.
“Pare com isso”, minha voz sai num sussurro tamanha a dor que se instala em meu peito. Eva entendeu tudo errado. E o pior é que não posso simplesmente contar a verdade.
Não quero que você se sinta culpado, tá bom? Depois de tudo por que passamos... Não que eu saiba o que passou, porque você nunca me contou, mas enfim...” Ela suspira e para meu total e absoluto desespero ela começa a chorar.  “Não se sinta culpado. É só isso que eu queria dizer”.
“Pelo amor de Deus”, murmuro me sentindo destruído, tanto pelas suas palavras quanto pelo fato de ela estar chorando. “Pare com isso, Eva”.
Já parei. Espero que você... Esquece. Tchau”.
Morto. É exatamente como me sinto agora. Morto por dentro. Acabo de voltar a ser o antigo Gideon. Mas sem a força de antes. Toda a minha energia foi sugada pelas suas palavras. Ela desistiu. Ela não soube interpretar os sinais, não soube ler nas entrelinhas. Eu me encosto à parede para não cair. Suas palavras acabaram comigo, foram demais para minha cabeça. Eu me sinto tão pequeno, tão insignificante, tão inferior.
Respiro fundo várias vezes para engolir o grito de desesperado que quer explodir em minha garganta. Tenho que me lembrar de que estou na delegacia e não posso dar essa bandeira aqui. A detetive Graves é muito esperta e está claramente desconfiada de mim. Dou mais um profundo suspiro, e volto para o lugar. Graves me analisa de tal forma que, na verdade, acho que ela até já sabe que sou o autor do crime. Só não tem como provar.
“Senhor Cross”, ela diz por fim, “não tenho mais perguntas por hoje. Acho que temos o suficiente. De qualquer forma, entraremos em contato, caso mais esclarecimentos se façam necessários”.
“Excelente”, levanto e cumprimento os dois detetives. Meu advogado faz o mesmo.
A caminho da saída, pergunto a Jacobs o que acontece agora.
“Bem, eles devem verificar seu álibi e, se ele for convincente, você é eliminado como suspeito afinal você não tem nenhuma motivação para crime. Talvez eles te chamem para depor novamente, o que eu duvido, ou exijam as fitas de segurança do Crossfire, interroguem alguns funcionários. E só”.
“Tudo bem. Mas mesmo assim, não custa ficar de olho”.
“Fiquei tranquilo senhor Cross, se não há provas, não há nada”.
Apertamos as mãos e ele se encaminha para o seu carro.
Angus abre a porta traseira do Bentley assim que me vê.
Solto a respiração que estava prendendo. “Para casa. O mais rápido que você puder”.
Seu olhar encontra o meu por uns instantes e tenho minha resposta: ele sabe.
“Sim, senhor”.
Entro no carro e a porta é fechada atrás de mim.
Tenho ficar sozinho rápido. Tenho que extravasar essa dor que está me queimando por dentro ou vou enlouquecer. Fecho os olhos e continuo a ofegar, meu peito mal contendo minha respiração. O suor começa a escorrer pela minha testa, e minha cabeça a latejar.
Quando dou por mim, já estamos no estacionamento do prédio. Saio correndo do carro e chamo desesperadamente o elevador privativo. Assim que a cabine chega, entro, digito o código da cobertura e espero. Apoio minhas mãos nos joelhos e fecho os olhos. A lembrança do dia em que eu trouxe Eva para cá pela primeira vez me vem à mente.

 “Entre”, digo puxando-a para dentro. “Quero que você durma aqui hoje”.
“Mas eu não trouxe roupas nem nada...”.
“Você só vai precisar da sua escova de dente e da bolsa. Podemos passar na sua casa amanhã de manhã e pegar o resto. Prometo que você não vai se atrasar para o trabalho”. Eu a abraço e apoio o queixo no topo de sua cabeça. “Quero muito que você fique. Não culpo você por ter saído correndo daquele quarto, mas seu sumiço me deixou desesperado. Preciso de mais um tempinho na sua companhia”.
******
Meia hora depois estamos juntos na sala jantando enquanto assistimos TV. Trata-se apenas de estar aqui, fazendo uma coisa tão normal, passando um tempo juntos, fazendo companhia um para outro. Sem pressão, sem estresse. Em seguida, vamos para o quarto terminar de assistir o programa. Não costumo dormir de pijama, então fico apenas de cueca boxer. Eva se enrola em mim e só de saber que ela não está usando nada por baixo da minha camisa, meu pau endurece. Mas, por mais que a tensão sexual entre nós seja palpável, não pretendo tomar a iniciativa para o sexo. Quero provar a ela que nossa relação não se resume a isso. Quero que ela sinta que é mais para mim, muito mais do que nenhuma mulher foi.
******
De repente, escuto uma voz suave, doce e divina chamando por mim. Uma luz no fim do túnel. Meus olhos rodeiam o quarto, desesperados para encontrar meu anjo salvador.
“Gideon. Você está sonhando. Acorde e fique comigo”.
Não pode ser...
“Eva...?”
Luto para encontrá-la, para alcançá-la.
“Estou aqui. Você está acordado?”
Sinto o calor de um corpo nu e macio ao meu lado e dedos que passeiam suavemente por meus bíceps.
“Gideon?”
Acordo num sobressalto. “Quê? O que foi?”
Estou me sentindo desorientado, perdido e meu corpo está rígido. Passo a mão pelos cabelos como se esse gesto fosse me ajudar a entender o que está acontecendo. Quando olho para Eva, é que me dou conta de que tive um pesadelo. E ela viu tudo. Apoio-me nos cotovelos e pergunto se está tudo bem. Não posso afugentá-la, de novo.
“Quero você”. Sussurra se deitando ao meu lado, pressionando seu rosto contra meu pescoço e lambendo minha pele úmida.
Automaticamente meus braços a envolvem e minha mão percorre a curvatura de sua coluna. Suspiro de alívio. A dor, a solidão, a tristeza e o medo se foram. Ela está aqui e bastou apenas seu toque para mandar meus demônios para longe.

As portas do elevador se abrem. Saio correndo para meu quarto e me jogo na cama liberando o grito que tanto segurei. Um grito alto, gutural que faz minha garganta arder. Mordo o travesseiro na tentativa de abafa-lo e acabo rasgando a fronha com meus dentes. Meu corpo inteiro começa a tremer e um choro descontrolado escapa.
Toda a pressão dos últimos dias deságua de uma vez. O temor da rejeição me desestabilizou, mas a confirmação dela me derrubou de vez. Quem me olhasse agora jamais diria que eu era o mesmo homem confiante, controlado e seguro que mostro para o mundo. Eles veriam a farsa que sou. Que não passo de um fraco, de um covarde. Mas também veriam um homem intensa e obsessivamente apaixonado, entregue e cativo nas mãos da mulher amada.
Ela não confiou em mim, não quis me ouvir e me expulsou de sua vida.
Eu me sinto oco por dentro.
Eu não sou mais nada.

Ai povo, fiquei com o coração na mãos! Oh homem que sofre gente!


E a Ireland? Nem falo nada dessa fofura *.*

Capítulo grandão hein? Mereço ser perdoada? #SutilezaOn hehehe

Bom agora chega, porque vou descansar esses braços, não aguento mais digitar. Serio tá doendo pra burro =S 

Beijo e até sexta que vem! 

2 comentários:

Heloisa disse...

Que delícia de ler!!!vc é um máximo!!!

Unknown disse...

Maravilhosooooooooooo!