domingo, 9 de fevereiro de 2014

Profundamente Minha: Capítulo 18 — Pagando o preço (Parte 2)

Oi gente, desculpa, sei que prometi um capítulo pra sexta, mas eu tive uma crise de enxaqueca que me impediu de escrever. Esse calor está me matando e as dores ficam ainda piores nessa época do ano. Desculpem. Aí vai mais um capítulo. E esse tá gigantão para alegria de vosotros! Dedicado à à Suely de Lima, que fez aniversário ontem!


Boa leitura!




“Por mais que digamos, as recordações não povoam a nossa solidão; pelo contrário, aumentam-na".
— Gustave Flaubert

A dor geralmente é um aviso de que algo está errado, mas para mim esse significado é muito vago. A dor é um rompimento, uma quebra. Uma sensação tão insuportável que fica difícil até mesmo respirar. As palavras de Eva me quebraram, me despedaçaram. Mas o pior aconteceu quando ela desligou o telefone. Eu senti algo se esvair de mim. Eu não posso mensurar a importância dela em minha vida. Ela é a minha vida. E agora, não há nada, só resta o vazio, a escuridão. E, claro, a dor.
A segurança que eu sentia perto dela não existe mais. Era como se eu pudesse vencer o mundo, como se nada pudesse me atingir. Quando Eva me beijou pela primeira vez, ela não estava apenas cedendo à atração nítida que existia entre nós. Ela estava me puxando do buraco negro onde eu vivia. Ela estava me salvando. E agora, cá estou eu, de volta a um lugar do qual nem sei se merecia ter saído.
Perco a noção de tempo. Não sei mais se é noite ou dia. Em algum lugar do quarto, meu celular começa a tocar incessantemente, mas não consigo me importar. Eu só quero ficar na cama, encolhido, sozinho, lambendo minhas feridas e me lamentando pelas que eu tive que abrir no coração de Eva. Acabo me deixando levar por mais lembranças...

Nesse meio tempo, pego meu celular para checar alguns emails. Quando olho pela janela do carro distraidamente, me deparo com a visão mais linda e incrível que já apreciei. PUTA QUE PARIU! Quem é essa loira? Ela está vestida com uma calça preta de yoga, tênis e blusa branca de ginástica. Com cabelos longos e lisos presos em um rabo de cavalo, tenho uma visão mais nítida do seu rosto. Pele branca, olhos claros, nariz arrebitado, lábios carnudos e naturalmente avermelhados. Ela é baixinha e tem um corpo cujas curvas são de matar! Eu nunca senti tanto desejo carnal por outro ser humano em toda a minha vida
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Ela se estica para pegar e para no instante em que vê meus sapatos oxford muito bem engraxados; seu olhar sobe e percorre minhas calças pretas, meu paletó e camisa também pretos e minha gravata azul clara e, finalmente, meu rosto. Quando olha para mim, uma corrente elétrica se espalha por todo o meu corpo! Ela é realmente sensacional!
Abaixo-me, a pretexto de ajudá-la, para fitar mais de perto aquele rosto impecável e quando nossos olhares ficam rentes... Sinto-me completamente exposto, como se seus orbes verde-acinzentados e intempestivos pudessem ler a minha alma. Realmente, perturbador, mas libertador ao mesmo tempo.
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Eu posso jurar que escuto as marteladas de seu coração, rezando para que elas sejam altas o suficiente para encobrir o som das batidas do meu. Por fora, eu mantenho meu rosto impassível, porém educado, no entanto, por dentro, estou fervendo de desejo, realmente descontrolado. Quem é essa mulher e que diabos ela está fazendo comigo? Ela exala um cheiro inebriante, um misto de suor com uma fragrância doce, suave, mas forte o bastante para me manter todos os meus sentidos entorpecidos.
"Está tudo bem?", pergunto estendendo minha mão para ela.
Ela então passa aquela língua rosada por seus lábios carnudos e ressecados e sussurra: "Sim".
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“O que é isso que você está usando?”
“Roupas”.
“Parece que você está nua com esse top”.
“Pensei que você quisesse me ver nua”.
“Quero ver você nua num local com privacidade”, murmuro ainda irritado. “Agora vou ter que acompanhar você toda vez que for à academia”.
“Não vou reclamar, já que estou gostando demais do que estou vendo agora”.
“Vamos deixar isso pra lá. Eu preciso te comer”. Rosno.
“Eu preciso ser comida”.
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À medida que troco de aparelho, observo a movimentação de Eva pela academia. Não posso perdê-la de vista. Os marmanjos de plantão quase a comem com os olhos quando ela passa. Quando menos espero, um dos instrutores se aproxima dela, provavelmente enfeitiçado pelos seus seios. Ele lhe dá um enorme sorriso. A ideia de atacá-lo com um desses pesos me parece muito atraente. Se esse babaca não recuar, suas chances de arrumar outro emprego em qualquer lugar desse país serão reduzidas a inexistentes.
Estou atrás dele quando o escuto dizer animadamente.
“... você só vai poder se decidir se puder aproveitar tudo o que temos a oferecer. Eu garanto a você, a CrossTrainer é a melhor academia de Manhattan”.
“Você tem direito a tudo o que temos a oferecer”, falo enquanto me dirijo para o lado de Eva e passo o braço por sua cintura, “já que é a namorada do dono”. Acrescento, enfatizando bem a palavra namorada.
O tal Daniel percebe com quem está falando e retrocede em seguida, totalmente constrangido. Adoro quando minha posição me permite colocar certas pessoas em seus devidos lugares. Situação resolvida.
“Eu posso apostar”, digo enquanto nos encaminhamos para os vestiários, “que ele não tirou os olhos dos seus peitos”.
“São peitos muito bonitos, devo admitir”, sorri faceira.
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Saímos apressados pelas ruas da cidade. Noto um paparazzo por perto, no outro lado da rua. Como sabe que tenho o costume de frequentar aquela academia especificamente, fica sempre de plantão naquele ponto. De repente, num surto de possessividade, agarro Eva no meio da calçada lotada e a beijo vorazmente. Quero que todos saibam que ela está comprometida comigo e, assim, destroçar a mínima chance de imbecis como Daniel tentarem conquistá-la. Não quero me gabar, mas sou um ótimo partido e duvido muito que qualquer homem desse mundo possa ser melhor para ela do que eu. Aplausos irrompem ao nosso redor.
“O que foi isso?” pergunta sem fôlego. 
“Um prelúdio”. Pego sua mão e a puxo pelo saguão do hotel, indo direto para o elevador, conseguindo cumprimentar o gerente apenas alguns segundos antes das portas se fecharem.
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 “Adoro seu corpo”, sussurro, passeando com minha boca do seu rosto para a garganta. “Não me canso de admirá-lo”. Minhas mãos estão em todos os lugares.
“Você ainda não desfrutou dele o bastante”, provoca.
“Acho que nunca vou me fartar dele”.
Mordendo e lambendo seu ombro, traço um caminho para seus mamilos e agarro um deles com os dentes, apertando de leve. Suas costas arqueiam e ela geme alto. Em seguida, eu o sugo, para aliviar a pontada da mordida. Continuo percorrendo seu corpo com a boca, fazendo uma trilha de beijos até sua cintura.
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 “Goze, Eva”, ordeno com um tom áspero. “Agora”.
Ela chega ao clímax sussurrando meu nome. E isso me deixa com mais tesão. Estou perto, muito perto.
“Ah!” grito enquanto meus quadris continuam a movimentar-se. Jogo minha cabeça para trás, e gozo loucamente. Meu corpo convulsiona, meus músculos se enrijecem e minha mente se desliga completamente do mundo, concentrando-se em apenas dois pensamentos: dar e receber prazer.
Nossa isso foi... Foi... O paraíso. Com meu próprio anjo. Eu não imagino felicidade maior que essa. Ficamos abraçados por um tempo, com nossas bocas passeando por ombros, pescoço, mandíbula, até que nos acalmamos.
******
Alguns minutos se passam e nada de Eva aparecer. Será que ela dormiu? Pudera, estava tão exausta.
“Eva”, chamo em tom brincalhão.
Ela não responde. Termino de me enxaguar, me enrolo na toalha, ainda molhado e sigo para o quarto. Abro a boca para chamá-la e paro no ato. O quarto está vazio. Vários brinquedos eróticos, preservativos e lubrificantes estão espalhados pela cama. Isso é um aviso de que ela entendeu o propósito desse quarto, e que não ia se sujeitar a ser mais uma.
Meus pulmões se comprimem. Eu mal consigo respirar. Estou tomado de pânico, numa angústia que só sinto quando tenho pesadelos. A essa altura, ela com certeza quer distância de mim.
“Gideon, você é um estúpido! Seu idiota!” Brado para mim mesmo.
Em um acesso de fúria por tê-la ferido mais uma vez, pego o abajur e o jogo na parede, reduzindo-o a pó.
******
Eva... Droga, o que foi que eu fiz? Ela deve estar transtornada e envergonhada. Saio em disparada para a rua seguindo seus possíveis passos, mas ela pode estar em qualquer lugar. Tento ligar para seu telefone várias vezes, mas não atende. Deixo uma mensagem de texto:
*Estraguei tudo de novo. Não me abandone. Fale comigo. Por favor.*
Meu coração está a mil por hora, minha cabeça está girando, um nó horrível se forma em minha garganta. É como se eu estivesse no meio de um ataque terrorista procurando um parente que tenha sobrevivido. Sinto um martelar nos meus tímpanos e cada músculo do meu corpo lateja pela tensão arrasadora que corre pelos meus nervos como uma corrente elétrica. Essa é a primeira vez que sinto medo em minha vida adulta, e meus medos de infância e adolescência sequer podem se igualar ao de agora.
******
Tento seu celular mais algumas vezes até que...
Alô”, responde uma voz embargada.
“Eva! Graças a Deus. Onde você está?”
Não sei. Eu... Sinto muito, Gideon”. Ela parece atordoada, confusa.
“Não, Eva. A culpa foi minha. Preciso encontrar você. Pode descrever o lugar onde está? Você foi andando?”
Com um pouco de persuasão, consigo suas coordenadas e a encontro em um pequeno restaurante italiano. Paraliso no limiar. Ela está ao fundo, cabisbaixa e triste. Parece tão pequena e vulnerável. Não gosto de vê-la dessa forma, e sei que a culpa é minha. Seu olhar se levanta para me encarar e, ignorando o hotess que tenta me abordar, vou até ela e a aperto forte em meu abraço.
“Pelo amor de Deus. Eva”. Meu corpo inteiro estremece e enterro meu rosto em seu pescoço.
Eva retribui o abraço e um alívio me inunda ao sentir seu cheiro, seu toque. Ela está comigo, ela está aqui.
/***/
Passei o resto do sábado, prostrado. E durante a madrugada, fui assaltado por uma overdose de lembranças de tudo o que aconteceu nesses últimos dias. Eu me levantei me sentindo um lixo. Meus olhos estavam inchados e vermelhos, minha garganta estava ardendo, minha cabeça explodindo de dor e minhas pernas tão bambas que eu mal me aguentava em pé. Acho que foi porque não comi nada. Não que eu estivesse com fome.
Eu me forcei a ir até o banheiro fazer minha higiene matinal. Tenho que continuar existindo. Gideon Cross tem uma reputação a zelar. Pelo menos vai ser mais fácil voltar a fingir que sou um bastardo sem coração. Agora, já de banho tomado, pego meu celular, e me encaminho para o escritório, a fim de enfiar a cara no trabalho.
Verifico o visor e gemo em frustração. Há umas oito ligações de Corinne, duas de Arnoldo, além de suas quatro mensagens de texto que sequer abri.Ele deve estar furioso.
Disco seu número e aguardo.
O que você quer?” Arnoldo pergunta rispidamente. Isso não é bom.
“Oi Arnoldo, como vai amico?”, tento soar o menos miserável possível.
Amico é o cacete!” esbraveja. “Qual é o seu problema? Desde a sexta quando você se atracou com Brett que não tenho notícias suas. Fiquei preocupado, te liguei, te mandei mensagens e você simplesmente não se dignou a me retornar. E pra completar, fico sabendo pelos tabloides que na terça passada você esteve no Tableau One com a Corinne e pareciam bem mais próximos do que deveriam! Que porra está acontecendo Cross?
Ele está puto, muito puto. Como nunca esteve antes.
“Calma, eu vou explicar...”.
Você não vai me explicar merda nenhuma agora”, ele me corta. “Se quiser falar comigo terá que ser cara a cara e não por telefone. É o mínimo que você pode fazer. Farabutto (Canalha)!”
E desliga.
Jogo o celular em cima da mesa, sento na cadeira, enfio os dedos nos meus cabelos e abaixo a cabeça.
Sou um estúpido mesmo. Claro que Arnoldo tentou entrar em contato comigo, como um bom amigo faria. Só que eu estava tão concentrado no que tinha que fazer que não dei importância. Ele é quase um irmão para mim. Se ele me visse, com certeza iria perceber alguma coisa. Não que fosse fazer diferença agora. Ele perceberá de qualquer forma. Mas não posso excluí-lo da minha vida. E nem vou. Preciso colocar essa tristeza para fora, mesmo não dizendo toda a verdade.
E, claro, pedir desculpas pela falta de consideração.
Como sei que ele nem vai querer me atender, resolvo mandar uma mensagem.
*Vai estar no Tableau hoje? Pensei em conversarmos em um lugar mais privado.*
Fico olhando para a tela por um bom tempo. Até que ela pisca.
*Ah, você pensou em conversar comigo? Quanta honra! Passe às 20h em meu apartamento. Assim ninguém vai me impedir de enfiar a mão na sua cara.*
Só Arnoldo consegue passar tantos sentimentos em uma única mensagem de texto. Posso vê-lo gritando todas essas coisas, com seu típico jeito dramático que inclui vários gestos efusivos com as mãos.
*Certo, até mais tarde.*
Deixo o celular em um canto da mesa e, ao virar a cabeça, dou de cara com a colagem de fotos em tamanho gigante pendurada na parede. Eu mandei fazê-la durante os quatro dias que eu e Eva nos separamos. Foi um período extremamente doloroso. Balanço a cabeça e volto minha atenção para o computador. E me pergunto se foi uma boa ideia, porque ao balançar o mouse, me deparo com a foto que ela mesma tirou com meu celular, que coloquei como papel de parede. Eu lembro bem desse dia, em Vegas. Cary ainda estava se divertindo com as fichas que eu havia lhe dado. Ela simplesmente pegou o celular no bolso da minha calça e começou a fuçá-lo.

FLASHBACK
“O que você está fazendo?”, perguntei curioso.
“Estou procurando a câmera dessa máquina mortífera”, respondeu olhando fixamente para o celular.
Eu me sentei na cama e cruzei os braços a fim de apreciar o show. Ela estava deitada, com sua longa cabeleira bagunçada pelo sexo que acabamos de fazer. Sua testa franzia algumas vezes enquanto lutava para encontrar a câmera do celular. Absolutamente linda.
Depois do que pareceu uma eternidade, seu rosto se iluminou e um sorriso quase rasgou seu rosto.
“Achei!”, guinchou como se tivesse encontrado o pote de ouro no fim do arco-íris. “Vem, quero tirar uma foto com você”.
“Eva, estou acabado por causa da viagem, vamos deixar pra outra hora, tudo bem?” tentei me esquivar, mas a verdade é que eu odeio tirar fotos assim de perto. Tanto que fotos minha mesmo, só tem as tiradas pela imprensa.
“Deixa de ser ranzinza e vem logo”, ela me puxava pelo braço para ficar mais perto.
“Pra que isso agora?”
Ela parou de me puxar e se levantou, olhando fundo nos meus olhos.
“Porque quero que todas as vezes que você olhar para essa foto, que se lembre do quanto me faz feliz. Só do seu lado, Gideon, eu consigo sorrir de verdade. Eu só ganho vida ao seu lado. Por favor”, ela sussurrou.
Eu fiquei sem palavras. Apenas arredei meu corpo para que ficasse mais próximo do dela e acariciei sua bochecha com os dedos. Seus olhos se fecharam automaticamente e seu rosto se inclinou na direção do meu toque.
“Meu anjo...”. Meu coração se comprimiu diante do sentimento que me tomou naquele momento.
“Garotão...”, murmurou. “Eu te amo”.
Inspirei e expirei profundamente ao ouvir essas palavras. Eu nunca me acostumaria com o efeito que elas me causam.
Com o outro braço rodeei sua cintura, trazendo-a mais para perto e, em seguida, colocando-a em meu colo. Ela se aninhou em meu peito e eu a abracei com os dois braços, apertando-a contra mim. Enfiei meu nariz em seus cabelos e absorvi aquele inebriante aroma cítrico misturado ao perfume de sua pele.
“Tudo bem”, eu me rendi. “Vamos tirar a bendita foto”.
Eva levantou a cabeça e me deslumbrou com seu lindo sorriso.
“Sério?” disse empolgada.
“Sim”, eu ri da sua animação.
Ela se remexeu em meu colo, pegou o celular na cama e colocou suas costas contra meu peito. Sua cabeça se recostou em meu queixo.
“Dá um sorrisão, tá? Finge que você está feliz”.
“Eu não preciso fingir”, protestei. “Eu nunca fui tão feliz em toda a minha vida”.
Ela olhou pra mim e vi seus olhos úmidos.
“Garotão, você sempre sabe o que dizer para me deixar caidinha por você”. Falou e mordeu o lábio inferior.
“Eu tenho meus momentos”, eu pisquei brincalhão.
Ela sacudiu a cabeça. “Então vamos lá”.
Eva voltou à posição original. Minha boca se abriu involuntariamente num sorriso, que só surgia quando ela estava por perto. E a foto foi tirada.
FIM DO FLASHBACK

Sinto meus olhos arderem novamente. O fato é que, por mais que Eva não esteja aqui, sua presença ainda é muito forte. Não há um canto nesse apartamento que não esteja marcado por ela. Fora as roupas e produtos de higiene que comprei para ela, tudo está aqui. E olhar para essa foto, para esse sorriso, ver a felicidade estampada em meu rosto...
O toque estridente do meu celular me desperta bruscamente de minhas lembranças. Eu me inclino para ver o nome que pisca no visor. Uma nova mensagem acaba de chegar. Ao pegá-lo, já planejando desligá-lo para não ser incomodado, o nome que aparece na tela me surpreende.
...
Ireland
Meu polegar esquerdo paira sobre o botão enviar. Mando ou não mando? Não quero pagar de irmã chata e grudenta. Mas, por alguma razão, sinto que tenho que aproveitar esse momento para me aproximar dele. Releio a mensagem mais uma vez, para conferir possíveis erros de gramática e ortografia. Também não quero passar a imagem de adolescente retardada que passa o dia todo no Facebook e não se preocupa com o que escreve. A primeira impressão é a que fica e acho que me dei bem nesse aspecto.
*Oi Gideon, tudo bem? Você gostaria de sair pra almoçar ou jantar comigo qualquer dia desses? Aguardo sua resposta. Beijo, Ireland.*
Ah, está bom, não é? Antes de perder a coragem aperto ‘enviar’. Pronto. Agora é esperar.
...
Gideon
Ela quer sair comigo?
O beijo e o abraço que ela me deu quando se despediu de mim me vêm à mente. Talvez não seja tão ruim me aproximar dela. Isso é o que Eva gostaria que eu fizesse. Além do mais Ireland se mostrou muito madura para sua idade. Ainda não sei o que fazer para entreter uma adolescente, mas vai ser bom queimar meus neurônios tentando, assim eu me distraio um pouco.
...
Ireland
Cinco minutos depois escuto o bipe do meu celular indicando uma mensagem. De Gideon! Puta merda!
*Claro, Ireland, será um prazer. Que tal jantarmos amanhã? Passo para te buscar às 19h tudo bem?*
Leio a mensagem umas vinte vezes, completamente atônita por ter sido respondida com tanta rapidez. Alias, estou mais surpresa pela resposta ter sido positiva. Em seguida, abro um sorriso enorme. Ele quer me ver também! Gideon poderia muito bem inventar uma desculpa, mas optou por me ver!
*Combinado. Até lá*
Saio correndo para meu closet, já escolhendo a roupa para o dia seguinte.
/***/
Gideon
O loft de Arnoldo é localizado no SoHo, um dos bairros mais ilustres de Nova York. E agora estou batendo à sua porta, pensando em diferentes respostas e explicações evasivas. Já será ruim o suficiente estar sob seu escrutínio, já que não consigo esconder nada dele.
Segundos depois ele abre a porta, com uma cara nada amiga.
Andiamo (Vamos)”, diz secamente enquanto dá espaço para que eu entre.
Fico parado no meio da sala de estar, sem saber o que fazer. Num contexto diferente, eu saberia lidar com Arnoldo, mas estou me sentindo perdido demais para pensar em confrontá-lo. Além do mais, ele tem toda a razão em estar chateado comigo.
Si siede (Sente-se). Vou pegar uma bebida para nós”.
Silenciosamente ocupo uma das poltronas individuais e observo a decoração de estilo neoclássico europeu. As paredes da sala são brancas com detalhes em dourado no acabamento, o estofamento e as cortinas em tons pastel, e a mobília em madeira escura polida. A janela tem uma vista incrível de todo o bairro. Várias obras de arte decoram o local, sem deixá-lo com aspecto de museu. O ambiente é harmonioso e requintado.
Arnoldo volta com dois copos e uma garrafa de Jack Daniel’s. Ele se senta na poltrona em frente, coloca os copos na mesinha de centro e começa a nos servir.
Molto bene (Muito bem)”, ele dá um gole em sua bebida. “Espero que a história seja boa”.
“Por onde quer que eu comece?”
“Do começo, ovviamente (Obviamente)”.
Respiro fundo, dou um generoso gole em meu uísque, que desce rasgando minha garganta. Fico alguns segundos em silêncio, olhando para meu copo, organizando as palavras em minha mente.
“Brett é um ex da Eva”.
“Isso eu já sei”, me corta. “Aliás, ficou nítido depois que percebi que aquela música era inspirada nela. O que eu quero entender dessa história é porque ela o beijou”.
“Para me dar o troco. Eva queria que eu sentisse na pele o que ela sentiu quando Corinne reapareceu. Eu achava que seu ciúme era infundado”.
Conto para ele o que aconteceu no baile com Corinne.
Ele dá outro gole em seu uísque e faz uma pausa antes de falar. “Admiro essa ragazza. Ela consegue mesmo te por no seu devido lugar. É uma pessoa forte, destemida, embora seja frágil e dependente ao mesmo tempo. Naquele dia eu percebi o porquê de você ser completamente apaixonado. Realmente, Eva é tudo o que você havia dito que ela era”.
Assenti com a cabeça, sentindo uma pontada no peito.
“Você mereceu levar o troco”, continua. “Mas dava para perceber que ela ainda tem algum sentimento pelo ex. Aliás, se você continuar se comportando dessa forma, é o que vai acabar acontecendo”.
Engulo em seco. Só de pensar que Eva pode querer dar uma chance ao Brett...
“Agora me explica essa reviravolta”. Ele põe o copo na mesa e se ajeita em seu assento. “Se Corinne foi a causa de toda aquela confusão porque voltou a se aproximar dela? Se não me engano, há um tempo não muito distante, você reclamava bastante do fato de ela te perseguir”.
Respiro fundo. Não vai ser fácil.
“Aconteceu algo no passado de Eva que, se viesse à tona, poderia tornar tanto a vida dela quanto a minha num inferno. Esse algo esteve bem perto de se tornar público, por isso tive que me afastar dela”.
“Ainda não entendi onde a Corinne se encaixa nessa história”.
Certo, minha cota de criatividade se esgotou.
Abaixo a cabeça. “Não posso te dizer”.
“Por quê?”
“Não posso envolver você nisso. Desculpe”.
Ele suspira. “Tudo bem, não vou forçar a barra, mas fico preocupado com você. Sei que tem algo muito, muito estranho nisso tudo. E é mais sério do que aparenta, mas vou respeitar seu espaço”.
“Obrigado”.
“Ela terminou com você, não foi?”
Levanto a cabeça para olhá-lo. Ele me analisa atentamente.
“Nunca te vi assim, tão destruído”.
 “Preciso ir”, digo me levantando. Não suporto mais encará-lo. Ver a verdade nos olhos dele é como uma confirmação do óbvio. “Tenho que trabalhar amanhã logo cedo”.
Ele me lança um olhar compreensivo. “Va bene (Está bem). Mas não me deixe ficar preocupado assim novamente, stronzo. Tenha mais consideração pela minha amizade. Não sei por que você acha que tem que carregar o mundo nas costas, mas pelo menos dê um sinal de vida”.
“Sinto muito. Eu só... estava com a cabeça muito cheia, não quis te preocupar a toa ou negligenciar sua amizade. Não foi intencional”.
“Eu sei, mas não faça isso novamente. Sou jovem demais para ter cabelos brancos, embora eu seja lindo de qualquer jeito”. Diz dando uma piscadela.
Solto uma risada sem humor. “Bom saber que sua autoestima continua tão intacta quanto sua modéstia”.
Ele suspira teatralmente. “O que posso dizer? Una volta bello, sempre bello (Uma vez bonito, sempre bonito)!”
Va bene, agora me deixa ir embora antes que seu ego resolva me ter para o jantar”.
Trocamos um abraço e ele me leva até a porta.
Arrivederci amico. Se precisar de alguma coisa, não hesite em me ligar”.
“Pode deixar”. E me encaminho para o elevador.
Sinto os olhos de Arnoldo em mim. Ele está preocupado. De súbito, tenho uma ideia, e me viro para encará-lo.
Grazi di tuto (Obrigado por tudo)”.
Sua carranca de preocupação se transforma em uma careta de desgosto.
Stai zitto stronzo (Cala a boca, bobão)”. E bate a porta na minha cara.
Uma gargalhada alta escapa dos meus lábios. Só Arnoldo para me fazer rir em momentos como esse.
Já no carro, olho para a janela, pensativo. Arnoldo e eu nunca tivemos uma conversa que não terminasse em brincadeiras e risadas, a não ser no dia em que o vinhedo de sua família pegou fogo e ele teve que lidar, ainda, com a morte da avó, de quem era muito próximo. Nesse dia, eu o vi chorar, e foi muito estranho. Eu ficava me perguntando se a dor da perda era tão insuportável a ponto de fazer uma pessoa tão alto astral e animada como ele se encolher e se render às lágrimas por horas. Eu não havia perdido ninguém para saber como era. Não posso dizer que perdi meu pai porque de fato, nunca o tive. Ele vivia para o trabalho e eram raros os momentos que passávamos juntos. Tão raros que nem mesmo me lembro deles com nitidez. Eu também não sabia o que fazer porque nunca presenciei esse tipo de coisa, nunca tive que consolar ninguém. Sempre me achei imune ao sofrimento depois do que passei. Pensei que nada mais poderia me machucar.
Eu não fazia ideia do quanto estava errado.
Depois que Eva entrou em minha vida todas as minhas concepções caíram por terra. Eu já não era dono de mim mesmo, eu passei a pertencer a ela. Meu presente e meu futuro passaram a girar em torno dela. Minhas senhas variam entre a data de seu aniversário, a data em que nos conhecemos, até seu nome e o apelido que lhe dei. Não tinha um único espaço em meu mundo que ela não ocupasse.
Os quatro dias que ficamos separados ficaram gravados em mim. Eu nunca esqueceria o sofrimento e o desespero que passei...

Acendo as luzes e fito minha cama. Nenhuma mulher havia sequer deitado aqui. Somente Eva. Meus olhos analisam cada detalhe da decoração, a mobília, os objetos, a cor das paredes. É como se eu não reconhecesse mais onde estou. Eva mudou tudo por aqui. Sua presença, sua graça, seu jeito teimoso e intempestivo e sua sensualidade já fazem parte do meu mundo. Desabo na cama e choro descontroladamente, pondo para fora as frustrações causadas pela minha desgraça. A única pessoa que me ama me dá uma chance e sou incapaz de dar-lhe algo tão simples. Algo que nunca foi requerido de mim, embora. Mas agora, nada importa.
Deixei de ter um lar no momento em que ela se foi.
******
Agora faltam quinze minutos para as três. Volto a me ajeitar em frente ao monitor apenas aguardando Eva e Mark embarcarem no elevador. Ela ainda não havia tentado entrar em contato comigo e isso me deixou muito chateado. Meu Deus que falta essa mulher me faz! Os minutos passam lentamente até que as portas de alumínio se abrem revelando a figura de Garrity... Sozinho? Não! Onde está o meu anjo? Porque ela não virá? Merda, eu não esperava por isso!
A pontada em meu peito é tão forte que sou obrigado a massageá-lo. Eva não vem, não quer me ver, está com nojo de mim. E como não estaria? Bom, talvez ela precise de um tempo maior, e é isso que lhe darei. Mesmo relutante, decido deixá-la tomar a iniciativa para que retorne quando estiver preparada. Não vou forçar nada dessa vez. Não quero assustá-la ainda mais.
******
Tomo um banho demorado, deixando a água cair pelos meus músculos tensionados. Esse sonho me deixou ainda mais apavorado e temeroso. Será que Eva desistirá de mim? De nós? A simples ideia de outro homem tê-la me deixa doente. Eu não poderia suportar isso. E pra completar ainda tinha o merdinha pondo suas mãos imundas nela, tomando seus lábios...
A imagem dos dois se beijando em meu sonho se aviva em minha mente. Sinto uma náusea tão forte que saio em disparada para o sanitário e começo a vomitar água, já que não comi nada o dia todo. E assim fico até não ter mais nada para sair. Meus joelhos cedem. Escoro minha cabeça nos braços e fecho os olhos, tentando recuperar o fôlego. Sinto que tudo está girando ao meu redor. Quando me sinto firme o bastante, me apoio na pia para me levantar.
******
“Porque Eva, por quê?” indago em desespero, olhando para foto. “Não faz isso comigo, volta para mim. Me dê uma chance pelo amor de Deus! Eu juro que vai ser diferente. Eu posso te fazer feliz, eu quero isso!”
Mas, por outro lado, penso que talvez eu seja nocivo para ela. Desde o começo ela fugiu de mim exatamente porque já sabia que poderia se machucar e queria evitar se sentir mais fragilizada do que já é. Talvez ela fosse mais feliz se eu não tivesse cruzado seu caminho. Estaria mais segura longe de mim.
Cansado demais para aturar qualquer coisa, volto para o quarto e me afogo no mar de travesseiros. A tristeza me abate sem dó. A indiferença de Eva está me matando aos poucos.

“Senhor Cross?” a voz de Angus me tira do transe.
“Sim?” Ele está parado do lado de fora do carro com a porta traseira aberta.
“Chegamos”.
Eu nem me dei conta de que já estamos no estacionamento.
 “Boa noite, Angus”, digo saindo do Bentley.
“Boa noite, senhor”.
Estou quase alcançando o elevador quando a voz de meu motorista ressoa mais uma vez.
“Gideon”.
Eu paro na hora. Ele não me chama assim desde que saí da casa dos Vidal.
Surpreso, me viro para olhá-lo.
“Eu sei que está sofrendo, mas não desista. Você lutou tanto por esse relacionamento. Mostre-lhe que a ama, que confia nela e ela irá esperá-lo”.
Fico parado como um completo idiota olhando para ele.
“Obrigado”. Não consigo dizer mais nada.
Ele bate em seu quepe com os dedos e entra no carro novamente.
/***/
Para variar não dormi nada durante a noite. Fiquei pensando nas palavras de Angus. Ele está certo. Eu não nadei tanto para morrer na praia. Nós estávamos começando a nos acertar, a enfrentar nossos problemas de forma mais madura, e Eva já não fugia mais quando as coisas de complicavam. Mas não conseguiríamos continuar se a ameaça que Nathan representava ainda nos rondasse e esse era meu maior medo, não por mim, mas por ela. E agora que ele não existe mais, acredito que será mais fácil lidar com nossos gatilhos emocionais. Por essa semana terei que deixá-la pensar que terminamos, até porque as investigações continuam.
Mesmo que não haja provas contra mim, não posso simplesmente voltar para Eva de uma hora para outra. Nesse momento, seria, no mínimo, suspeito. É melhor eu ficar na minha e aproveitar esse tempo para colocar meu outro plano em prática.
Ireland me mandou uma mensagem confirmando o jantar e eu a respondi afirmativamente. Ela realmente quer se aproximar de mim, apesar de eu não entender exatamente por que. Talvez isso fique mais claro esta noite. Em seguida, liguei para o Koi Soho* para fazer uma reserva. Liguei para Wallace, meu contador e pedir que fizesse um mapeamento de todos os meus bens e que o trouxesse na quarta.
Passei todo o expediente me esforçando para não demonstrar meu sofrimento e resistindo bravamente à vontade de espiar as imagens das câmeras de segurança. Eu queria vê-la, mesmo sabendo que isso me cortaria em mil pedaços. A distância está me matando aos poucos. Meus dias voltaram a ficar monótonos. Não sinto vontade de nada. Faço de forma mecânica. Quando o expediente acabou, fui direto para casa.
...
Ireland
Estou tão arrasada! Rick e eu acabamos de nos falar, ou melhor, de brigar. Ele queria me ver hoje à noite. Sei que tenho que aproveitar cada minuto quando estamos juntos, por eles serem bem raros, mas eu realmente quero estar com Gideon hoje. Sabe-se lá quando terei uma chance dessas novamente? Enviei uma mensagem para confirmar se ele iria e ele disse que sim. Os horários de sua agenda devem ser disputados a tapas. Não posso me dar ao luxo de cancelar.
Mas o que me irritou mesmo foi Rick ter dito que eu iria trocá-lo para jantar com o meu irmão trapaceiro. Desliguei na cara dele, e agora meu celular toca incessantemente. Sei que ele não falou isso intencionalmente, saiu na hora da raiva, mas mesmo assim me magoou.
Tenho certeza que Gideon é inocente e construiu sua fortuna de forma limpa. Ele sempre foi o tipo que transpira confiança. E sei que posso confiar nele, sempre.
Olho para o monitor do meu notebook para...  Droga! Já são quinze para as sete e Gideon vai passar aqui às sete e meia! Saio correndo e ando pelo quarto para lá e para cá como uma barata tonta. Em meia hora, já estou pronta. Vesti a roupa que escolhi cuidadosamente para essa noite: uma blusa de seda branca, uma saia de paetês preta e scarpins da mesma cor. Passei uma maquiagem leve, mas marcando bem os olhos, desfiz o coque que fiz para que meus cabelos caíssem em ondas suaves até metade das costas. Guardo meu brilho labial e meus documentos na bolsa carteira e pego o celular. Faltam dez minutos para Gideon chegar. Estou terminando de me perfumar quando a porta se abre revelando a figura de meu outro irmão mais velho.
“Oi Chris, desculpa, mas não vou poder falar com você agora”. Aviso já pegando minhas coisas para descer.
“Eu sei. Mamãe está lá embaixo toda feliz porque você vai sair com o Gideon, de novo”, diz com desdém.
Cruzo os braços já na defensiva.
“Vou sim, por quê?”
“Como por quê? Ele não presta, Ireland. Será que sou o único dessa família que enxerga isso?” Esbraveja.
“Ah, nem começa, tá? Esse seu ciúme infundado por ele me dá nos nervos. Eu não entendo isso”.
“Ele se acha o dono do universo, sai comprando tudo, se apropriando daquilo que não é dele...”.
“Todo esse show é por causa da Vidal Records?” pergunto incrédula. “O Gideon salvou a gravadora da falência”.
“Claro, e virou um herói por isso”, debocha.
“Ai, Christopher muda o disco. Essa compra já aconteceu, não tem mais volta, a gravadora está bombando no mercado. Acabou! Supera!”
“Agora você virou defensora dele?”
Às vezes me pergunto se sua idade realmente coincide com a sua mentalidade.
 “Quer saber?” eu o corto. “Cansei desse chilique, eu já vou”. E dou uns passos para na direção da porta, mas Christopher não sai do caminho.
Ele chega mais perto de mim e põe as mãos sobre meus ombros. “Ireland, não cai nessa. O Gideon não presta, eu sei bem. Você e mamãe podem achar um máximo essa aproximação, mas ele vai te magoar”.
Aperto os olhos em fendas percebendo que há muito mais nessa história do que aparenta.
“Você sabe por que ele saiu de casa?” pergunto de repente.
Ele franze a testa. “Por que isso agora?”
“Você sabe o motivo que levou Gideon a se afastar de nós?” insisto.
Chris tira a mão de meus ombros e dá um passo para trás.
“Porque é um bastardo arrogante que queria chamar a atenção dos nossos pais”.
“E...?”
“E o que?”
“Você acha que sou idiota? O que é que você não está me contando?”
Ele está tendo a mesma reação que mamãe.
“Isso é tudo. Escute, não vou bater boca contigo, tá legal? Quer ficar perto daquele traste, fique. É por sua conta e risco”. E sai andando.
Eu até podia ir atrás dele e continuar o interrogatório, mas tenho que descer. Gideon já deve ter chegado.
...
Gideon
Angus estaciona em frente à propriedade dos Vidal às sete e meia em ponto. Cinco minutos depois Ireland aparece no portão com uma roupa jovial e, ao mesmo tempo, elegante.
Abro a porta traseira do carro e saio.
“Oi”, ela diz timidamente.
“Oi, você está linda”.
Ela ruboriza. “Obrigada. Você também não está nada mal”.
Resolvi colocar um terno e camisa pretos e dispensei a gravata.
“Vamos?” pergunto.
“Uhum”.
Em segundos já estamos a caminho do restaurante. Percebo que Ireland me analisa atentamente. Resolvo começar alguma conversa.
“Bom, você não especificou onde queria ir, então tomei a liberdade de fazer reserva no Koi Soho, tudo bem?”
Confesso que estou meio inseguro, afinal não faço ideia do que os adolescentes gostam. Ela fica boquiaberta por alguns segundos depois abre um grande sorriso. “Eu sempre quis ir até lá experimentar o sushi. Dizem que é delicioso”.
Ai que alívio!
“Sim, e é mesmo”.
“E... Como está a Eva?” pergunta cautelosamente.
“Bem”, me limito a responder.
Ficamos em silêncio por um tempo.
“Você está legal, Gideon?”
Volto a encará-la, surpreso.
“Porque está perguntando isso?”
“Porque você está com uma cara de cansaço. Quer marcar para outro dia?”
“Claro que não, estou bem. Não se preocupe”.
“Ok”, ela volta sua atenção para a janela.
Desnecessário dizer que, pela sua cara, não fui muito convincente em minha resposta.
Passamos o resto do caminho sem nos falar.
...
Ireland
Fiquei besta quando Gideon me disse que iríamos jantar no Koi Soho. Eu sempre quis ir, mas nunca tive oportunidade. Magdalene disse que o sushi é delicioso. Percebi que ele ficou um pouco receoso de eu não gostar de jantar lá. Até me arrumei um pouco mais por saber que um homem refinado como ele, logicamente, iria querer jantar em um lugar à sua altura.
Somos recebidos pelo maître, que nos conduz a uma mesa num canto mais reservado. Após nos acomodarmos, damos uma olhada nos cardápios. Escolho um robalo grelhado com glacê de mel e balsâmico e Gideon um bacalhau negro bronzeado com missô e legumes da estação. Quando o garçom sai com nossos pedidos, fico vasculhando em minha mente algo inteligente para dizer, mas nada sai.
“Como vai a escola?” pergunta ele.
“Ah... bem. Acho que tenho notas o suficiente para entrar em Yale”.
Ele ergue as sobrancelhas, surpreso. “Que ótimo. Já escolheu o que quer fazer?”
“Publicidade”.
“Interessante”.
“Eva trabalha com isso, né?”, comento. “Talvez eu possa pedir umas dicas a ela”.
Gideon me encara e vejo uma dor incontida em seus olhos, que desaparece com a mesma rapidez que veio.
“Sim, você pode. Ela vai adorar te ajudar”.
Aproveito essa brecha. “Vocês ainda estão brigados, né?”
Seu rosto toma uma expressão indecifrável e sinto minhas bochechas queimarem.
“Desculpe, não quis ser intrometida”.
“Tudo bem”, ele suspira e olha para o vazio.
Olho para meus dedos contorcidos em meu colo, me sentindo completamente envergonhada por ter sido tão invasiva. Eu e minha boca grande.
“A gente não está se falando”, sua voz me assusta e levanto a cabeça num átimo. “Algumas... coisas têm acontecido entre nós e ficamos estremecidos”.
“Ela estava bem chateada no jantar”, ainda estou um pouco atordoada por ele estar falando sobre isso comigo.
“Sim, e eu daria tudo para deixá-la feliz de novo”, diz sem me olhar. Ele está constrangido.
“Vocês deviam conversar, sabe? Aliás, você deveria falar mais com ela”.
Ele franze o cenho. “Como assim?”.
Eu me ajeito em meu assento e o encaro. “Gideon, você é lindo de morrer. As mulheres caem aos seus pés, mas isso não é tudo. Nós gostamos de ser ouvidas assim como gostamos de ouvir. E você é muito fechado. Parece que a Eva tem que lutar para participar da sua vida, entende?”
 Ele me olha atônito.
...
Gideon
Não posso crer nisso. Estou recebendo conselhos de uma adolescente, pela segunda vez? Pelo amor de Deus, essa garota nem deve menstruar ainda e está me dando dicas de como agir num relacionamento? E pior: ela tocou exatamente no ponto que mais incomoda Eva. 
“Você já disse que a ama?”
“Ahn?”
Ela suspira. “Você disse para a Eva, com todas as letras, que você a ama?”
Eu me endireito na cadeira. “Eu não preciso dizer, ela sabe”.
“Gideon, você tem que dizer. Poxa, está vendo? É exatamente a isso que estou me referindo”, diz exasperada. “A Eva já confessou até para mim que é apaixonada por você e você é incapaz de dizer que a ama. Ok, você demonstra. E acredite, esse é o caminho, mas a verbalização também é muito importante”.
Continuo a olhar para Ireland, completamente aturdido. É como seu estivesse participando de um quadro no programa da Oprah Winfrey.
O garçom chega com nossos pedidos.
“Bom apetite”, diz após terminar de nos servir.
“Obrigada”, diz Ireland com um sorriso. O garçom é relativamente jovem e a encara ela, deslumbrado.
Fecho o semblante no mesmo instante e lhe lanço um olhar mortal. Ele se toca e, murmurando um ‘com licença’, se afasta rapidamente. Atrevido.
Ireland está totalmente concentrada em seu prato.
“Eva te disse alguma coisa?”, pergunto casualmente.
Não acredito que estou fazendo isso. Estou parecendo essas menininhas fofoqueiras de ensino médio.
Ela mastiga, engole, e toma um pouco de seu suco de laranja antes de responder. “Não explicitamente, mas nem precisava. Pelas poucas palavras que nós trocamos deu pra perceber qual é o problema”.
Antes que eu abra a boca para perguntar mais alguma coisa ela dispara.
“E que história foi aquela de sair com a Corinne? Eu vi na internet. Gideon pelo amor de Deus, aquela mulher vai grudar em você ainda mais. Eu me lembro de quando fomos naquele jantar na casa da família dela. Ela não se toca. E ainda por cima é casada. Como uma mulher de respeito se presta a esse papel?”
Quase me engasgo com a minha comida.
Ela começa a falar, falar e falar como uma matraca! Parece até a... Eva.
“... naquele dia da festa lá na nossa casa”.  A lembrança daquele dia vem à tona automaticamente.

“O que você está fazendo aqui?” vocifero.
Ela se encolhe toda. “Como é?”
“Você não deveria estar aqui”. Agarro-a pelo cotovelo e a reboco para dentro da casa. “Eu não quero você aqui”.
Eva arranca seu braço de minha mão e marcha a passos largos na direção da casa, sem ao menos olhar para trás. Está fugindo de mim, de novo. Mas dessa vez, não vou ficar apático.
“Gideon!” Ouço Magdalene me chamar. Seu tom parece ser de surpresa. Ignoro-a e continuo andando firmemente em busca do meu anjo fujão.
“Eva. Espere”. Exijo. O tom da minha voz faz seus ombros se curvarem, mas seus olhos não se voltam para me encarar.
“Suma daqui. Já conheço o caminho da porta”, esbraveja.
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“Cale essa maldita boca”. Explodi agarrando-lhe pelos cotovelos e a sacudindo com força. “Cale essa boca e me deixe falar”.
Ela acerta um baita tapa no meu rosto com força suficiente para balançar minha cabeça. Caralho! Essa porra arde muito!
“Não encoste a mão em mim”, grita.
Um rosnado escapa dos meus lábios, tanto pela raiva quanto pelo desejo reprimido. Eu a puxo de volta e começo a devorar sua boca, desesperado para saciar minha fome dela. Seguro os dois lados de sua cabeça impedindo que ela se esquive do beijo. Sinto seus dentes morderem forte meu lábio inferior até sangrar, mas a dor não é suficiente para me fazer parar. Eu a quero, eu preciso do seu corpo, dependo dela para viver. Esses dias foram um purgatório sem fim. Meu corpo, até então fraco e desestabilizado, está sendo movido por uma força inabalável. O desejo cresce a cada segundo. Finalmente, tenho meu anjo em meus braços. Tudo o que preciso é de uma chance para fazê-la me querer novamente.
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“Eva”, digo ofegante. “Não tente resistir. Eu não aguento”.
“Me deixe ir embora, Gideon”. Sussurra de olhos fechados.
Esfrego meu rosto contra o seu, com a respiração cada vez mais rápida e profunda perto de sua orelha. “Não consigo. Sei que você deve estar horrorizada com o que viu naquela noite... com o que eu estava fazendo com meu corpo...”.
 “Gideon, não! Não foi por isso que...” eu a interrompo.
“Estou enlouquecendo sem você”.
Passeio pelo seu pescoço com minha boca, minha língua acariciando suas veias pulsantes. Chupo sua pele e a sinto estremecer.
 “Não consigo pensar. Não consigo trabalhar nem dormir. Meu corpo quer você. Posso fazer você me querer de novo. Só me deixe tentar”. Imploro-lhe, cada palavra movida por um desespero agudo.
******
“Preciso de você”. Respiro deslizando minha boca por seu rosto e pescoço. “Preciso ter a sensação de estar dentro de você...”.
“Não. Pelo amor de Deus. Aqui, não”. Sussurra, mas sem convicção alguma.
“Precisa ser aqui” murmuro ficando de joelhos. “Precisa ser agora”.
Rasgo sua calcinha de renda, levanto a saia do vestido e dou uma lambida em seus lábios vaginais para afastá-los e chegar a seu clitóris pulsante. Eva tenta se afastar, mas a impeço, segurando-a firmemente no lugar com uma mão e segurando sua perna esquerda por cima do meu ombro, facilitando a invasão da minha língua. Seu corpo todo treme e suas mãos vão direto para meus cabelos, me imobilizando enquanto se esfrega de encontro à minha boca faminta.

“Gideon? Olá?” uma mãozinha delicada paira na minha frente tentando chamar minha atenção.
“O que?”
“Você está bem? Parece meio em transe”.
Caramba, eu estava pensando no oral que fiz na minha namorada, na frente da minha irmã! Sinto meu rosto pegar fogo.
“Ahn... nada eu só estava pensando...”.
“Na Eva, claro. A julgar por essa cara de bobo”. E solta uma gostosa gargalhada.
Fico aliviado por ela não ter percebido nada.
Pelo resto da noite, conversamos sobre diversos assuntos. E, por incrível que pareça, eu gostei de cada segundo.
No caminho para casa, percebo que ela olha atentamente o celular com o cenho franzido. Em seguida, o guarda bruscamente na bolsa e olha para a janela. Essas ações são repetidas mais duas vezes. Ela está chateada e, por alguma razão, isso me incomoda.
Pigarreio antes de perguntar. “Algum problema Ireland?”
Ela olha para mim com os olhos arregalados. “Ahn, nada não. É só... deixa pra lá. Coisa de adolescente”.
“Uma coisa que está te chateando”, fico surpreso comigo mesmo por estar preocupado. “Não vou insistir, mas se quiser falar sobre isso ou qualquer outra coisa, é só me ligar ou mandar uma mensagem”.
Seus olhos brilham de uma emoção diferente. Algo que não consigo decifrar, mas que mexe comigo de uma forma estranha e boa ao mesmo tempo.
“Jura? Eu não quero te chatear com meus dramas bobos de adolescente”.
“Você não me chateia. Aliás, você é esperta demais para o seu próprio bem”, brinco tentando amenizar o clima.
Ela olha pra mim com ternura. “Você é um cara tão legal, Gideon. Merece muito ser feliz. Eu sei que algo aconteceu pra você se afastar da família”, meu corpo retesa na hora e ela percebe meu desconforto. “Não precisa falar nada, até porque acho que ninguém quer que eu saiba, mas, seja lá o que for eu não acho a mesma coisa, eu não penso do mesmo jeito. Eu acredito em você”.
Foi como levar um soco no estômago. Porra, mais uma vez Eva estava certa. Ireland se preocupa comigo, mesmo não me conhecendo direito.
“Obrigado”, minha voz sai um pouco rouca.
O carro para. Chegamos.
“Não precisa agradecer. Nós somos irmãos. Eu me preocupo com você da mesma forma que me preocupo com o Christopher, embora ele seja meio mala sem alça”, ela faz uma careta. “De qualquer forma, fico feliz em saber que eu estava com a razão”.
“Como assim?”
“Você é mais do que os olhos podem ver. E só quem te ama de verdade pode perceber isso”.
Ela me dá um abraço, um beijo e sai do carro, me deixando completamente desconsertado.
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*É um restaurante do hotel Trump Soho. O cardápio deles é muito criativo e diferenciado. O ambiente é requintado e ao mesmo tempo moderno, com um clima mais “zen”, por causa das velas que iluminam o local. Link: http://www.trumphotelcollection.com/pt/soho/soho-japanese-restaurant.php

Fofo, né?!Ai essa Ireland é uma princesa mesmo!  E o Arnoldo, gente! Que amigo, né?  
E aí o que acharam?
Beijos e até semana que vem!
Não esqueçam do grupo, onde eu posto spoilers e avisos: http://www.facebook.com/groups/tammykesher/

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