domingo, 16 de fevereiro de 2014

Profundamente Minha: Capítulo 20 — Renovando as esperanças

Como prometido, capítulo de domingo. Espero que vocês gostem de lê-lo tanto quanto eu gostei de escrevê-lo. Preparem-se para fortes emoções. Boa leitura!

Estive tão só até te encontrar. Estive tão triste que ultimamente tudo é motivo de riso. Voltei para o mundo, me encontrei. Você trouxe luz e a acendeu em meio à escuridão que existia em mim. É tão bom te ter.
— Marjila Agostini

Abro os olhos embaçados sem saber exatamente onde estou. Sinto meu corpo pesado e ensopado. Quando a visão fica mais clara, percebo que ainda estou deitado no chão do box, vestido e calçado, e a água cai sem parar do chuveiro. Ainda estou um pouco desnorteado, mas assim que me sento, as lembranças me assaltam de uma só vez...
Eva.
Ela devolveu o anel. O símbolo do nosso amor, de sua confiança em mim, de sua entrega. Encosto a cabeça no azulejo frio e fecho os olhos tentando conter outra náusea. E assim fico por alguns minutos. Quando percebo que estou bem o bastante para levantar, me ergo vagarosamente, tiro o terno ensopado e os sapatos, jogo tudo em um canto do lado de fora do box e me enfio debaixo da ducha, sentindo meus músculos rígidos e doloridos relaxarem um pouco. Lavo os cabelos, massageando o couro cabeludo devagar, fazendo movimentos circulares, como Eva me ensinou um dia...

FLASHBACK
Eva estava tomando banho e cantava uma música que eu não soube identificar. Principalmente porque estava ocupado demais observando sua “performance”. Ela balançava aquele corpinho apetitoso para lá e para cá, fazia uns sons estranhos que pareciam ser dos “instrumentos musicais” ou dos “vocais de apoio” e depois voltava a cantar.
Ela estava de costas para mim e não percebeu que estava sendo observada. Essa era mais uma faceta que eu acabava de conhecer.
A parte que eu mais gostei? Sua desafinação. Ela saía do ritmo algumas vezes e sua voz oscilante e um pouco estridente faria qualquer apreciador de boa música sair correndo. Mas era o amor da minha vida que estava ali. E para mim, aquilo não poderia ser menos do que adorável.
Listen to the music of the moment people dance and sing
We're just one big family, and
It's our god-forsaken right to be loved, love, loved, love, loved
So I won't hesitate no more, no more
It cannot wait I'm sure
There's no need to complicate, our time is short
This is our fate, I'm yours
D-d-do you, but you, d-d-do
But do you want to come on?
Scooch on over closer dear
And I will nibble your ear*
Quando ela finalmente parou de cantar, comecei a bater palmas.
“Bravo!”
Eva deu um pulo e se virou para mim com a mão no peito. “Porra, Gideon. Quer me matar de susto?”
Comecei a gargalhar. “Desculpe, mas eu não podia ficar calado depois de presenciar um espetáculo como esse”.
Suas bochechas já rosadas pelo vapor da água coraram ainda mais e ela abaixou a cabeça, completamente envergonhada. “Achei que iria demorar a chegar”.
“Consegui sair mais cedo”, eu disse me desencostando do batente da porta e retirando minha boxer. “E acho que valeu a pena. Eu não sabia que você gostava de cantar no chuveiro”.
“Eu não gosto”, murmurou constrangida. “É que eu estou feliz, só isso”.
Descartei a cueca em algum lugar no banheiro e entrei no box a abraçando. “E posso saber o motivo de tanta felicidade?”
Ela traçava círculos imaginários em meu peito com os dedos. “O anúncio que fizemos para uma firma de advocacia foi aprovado com cem por cento de aceitação. Hoje ficamos sabendo que a clientela dobrou de tamanho depois que lançamos a campanha”.
“Isso é maravilhoso, meu anjo”, eu disse beijando sua testa. “Você e Mark formam um time e tanto”.
“Obrigada”, murmurou e depois olhou para mim. “E seu dia, como foi?”
“O de sempre”, peguei um xampu para lavar meus cabelos.
“Mas eu quero saber”, choramingou. “Ou vou achar que você só me quer pelo meu corpo. Nós mal conversamos sobre nossa rotina”.
Eu a encarei estupefato enquanto ensaboava meu cabelo. “Você não pode estar falando sério”.
“Pois estou... Ei não lava seu cabelo assim ou vai acabar careca”.
“O que?”
Ela revirou os olhos e saiu do box, voltando segundos depois com um banquinho. “Senta”.
Eu a encarei, a fim de tentar entender o que pretendia. Ela arqueou a sobrancelha esquerda e cruzou os braços sob os seios, fazendo aqueles mamilos deliciosos serem projetados para frente. Meu olhar traiçoeiro foi direto para eles e minha boca começou a salivar.
“Gideon, eu não tenho a noite toda. E para de olhar para os meus peitos, seu tarado. Você não vai tocar neles até eu lavar seu cabelo, então é melhor você sentar”.
Sem alternativa acabei obedecendo. Eu queria muito mais do que apenas tocar naqueles peitos. Ela foi para trás de mim e começou a fazer uma massagem gostosa no meu couro cabeludo. Respirei fundo e relaxei tamanha a satisfação que sentia por estarmos ali, num momento tão particular, tão... Nosso.
“Você não pode esfregar seu couro cabeludo daquele jeito”, disse em tom de repreensão. “Você tem que massagear delicadamente, com as pontas dos dedos”.
Eu ri do seu jeito. “Você parece uma mãe falando assim”.
“Sou uma namorada muito atenciosa e estou cuidando do meu namorado”, reclamou fingindo estar ofendida. “Você tinha que, no mínimo, reconhecer meus esforços”.
Levantei as mãos em sinal de rendição. “Desculpe, não está mais aqui quem falou”. Fiquei um tempo em silêncio. “Posso comer doces antes do jantar, mamãe?”
Ela me deu um tapa na cabeça. “Cala a boca”.
E comecei a rir.
FIM DO FLASHBACK

Uma das coisas que eu mais sinto falta é dos momentos descontraídos que passei ao lado dela. Era como se fossemos um casal normal, sem passados horríveis e traumas profundos. Fecho os olhos novamente me lembrando do que senti quando abri aquele envelope. Ver a chave do apartamento só não foi mais aterrorizante do que ver o anel. Ela nunca o tirou, nem mesmo para tomar banho, nem mesmo para cozinhar. No jantar de sexta eu a vi com ele. Até aquele momento, ela ainda acreditava em mim. E eu tinha plenas esperanças de reconquistá-la. Mas agora tudo mudou, pois Eva me quer fora de sua vida, deliberadamente. A insegurança voltou a me assombrar.
Tenho certeza de que ela ainda me ama. Um sentimento como o nosso não se acaba assim, do nada. E eu ainda tinha esperanças de tê-la de volta mesmo depois de ela ter terminado comigo naquele telefonema. Contudo, Eva deu o primeiro passo para tentar me esquecer, e dar continuidade à sua vida sem mim, e meu maior medo é que ela consiga. Estou sendo egoísta? Sim, mas não me importo. O amor é um sentimento egoísta. E como o que sinto por ela ultrapassa o amor, eu tenho todo esse direito.
Enxaguo o cabelo, termino de me lavar, desligo a ducha e vou me enxugar. Já no quarto, me deito na cama e olho para o nada. Sinto um enorme vazio dentro de mim. Se eu tinha uma parte boa em meu ser, ela se foi junto com Eva. E se eu não a tiver de volta, nada mais fará sentido.
/***/
Acho que posso classificar as últimas duas noites como as piores da minha vida. Tanto que nem consegui ir trabalhar na sexta. Tive pesadelos tão horríveis que em um determinado momento, fiquei com receio de voltar a dormir e ser atormentado por eles novamente. Tentei me concentrar no trabalho, mas foi impossível. O medo de ter perdido Eva permanentemente me destruía aos poucos, e a saudade me chicoteava a todo instante. Nunca fiquei tanto tempo sem vê-la. As fotos no meu escritório, no meu tablet, no meu computador, no meu celular, foram o mais perto que cheguei dela.
Percebi que se eu continuasse trancado naquela cobertura, cercado de lembranças, iria enlouquecer e, por isso, resolvi sair. Agora, aqui estou no Manhattan Club**, um dos clubes mais exclusivos da cidade, mais especificamente num canto do bar, tomando uma boa dose de tequila. Mais um homem de coração partido que vê na bebida uma forma de esquecer a dor.
Você é patético Cross...
De repente, os pelos da minha nuca se eriçam, meu coração acelera e uma eletricidade bem conhecida se espalha pelo meu corpo, fazendo minhas terminações nervosas estalarem como fios desencapados. Somente uma única pessoa causa esse efeito em mim. Ao me virar para a pista de dança dou de cara com Cary dançando com uma mulher pequena de cabelos loiros platinados e curtos. Se eu não conhecesse até de olhos fechados cada curva daquele corpo, eu não saberia dizer quem é. Quando finalmente seu rosto fica de frente para o meu, não enxergo nada a não ser ela.
Meu anjo.
Minha Eva.
Meus olhos se enchem de lágrimas de alívio e de saudade. A dor no peito não some, mas diminui bastante. Ela está ainda mais linda do que eu me lembrava. Sempre gostei de seus cabelos longos, mas confesso que o corte valorizou ainda mais sua beleza. O vestido preto abraça com precisão suas curvas voluptuosas, contrastando com sua pele levemente bronzeada. Tenho a ligeira impressão de que ela está um pouco magra e abatida, e me sinto instantaneamente culpado.
Contudo, vê-la depois de tanto tempo é como voltar a respirar após um longo tempo debaixo d’água. É como recuperar um pouco do fôlego de vida que perdi durante essa semana torturante. Num gesto involuntário, meus dedos brincam com o anel que Eva me deu. Começo a me agitar, meus pés batendo incessantemente. A vontade de chegar perto dela me consumindo.
Eva dança com Cary até a música acabar. Resolvo ir embora. Está cada vez mais difícil me segurar. Mas paraliso ao ver aquele merdinha do Christopher se aproximando dela. Minhas mãos se apertam em punhos a ponto de meus dedos estalarem com a força que estou fazendo. Meu maxilar trinca para conter o rosnado de ódio. Bastardo! Ele a puxa para a pista de dança e decido ficar para ver até aonde ele vai com essa palhaçada.
Eles conversam por um tempo e percebo que Eva está desconfortável ao lado dele. Minha vontade é de ir até lá e arrancá-la de seus braços, mas me contenho. A última coisa de que preciso agora é de um escândalo.
Do nada, Eva diz algo a ele e se afasta. Intrigado, deixo uma nota de cem dólares em cima da bancada e a sigo discretamente. No meio do caminho ela cumprimenta... Minha mãe? Mas o que diabos ela faz aqui? Parece que todos os meus pesadelos resolveram me seguir hoje.
As duas se esgueiram pelo corredor até o que parece ser a saída de emergência. Não dá para ir até lá sem ser visto por elas. Além do mais, eu teria que me expor e tive uma grande sorte de ninguém ter me reconhecido até agora.
Fico esperando um tempo. De repente, minha mãe sai de lá com o semblante perturbado. Em seguida, Eva retorna, com o rosto carrancudo e observa minha mãe com hostilidade.  Em seguida, vai para a mesa onde estão Cary, Monica e Richard. O encontro das duas me deixa intrigado. O que será que aconteceu?
A tentação de ir até Eva só aumenta. Estou frustrado por não poder estar no controle da situação, confuso por não saber o teor da conversa entre ela e Elizabeth e abalado por estar de frente para o amor da minha vida, depois de dias distante. Melhor eu ir embora.
No carro, repasso o que acabou de acontecer. Eu estive tão perto! O desejo ainda é tão ou mais intenso como antes, avassalador ao ponto de me deixar sem rumo. E a abstinência forçada é um adicional para me enlouquecer ainda mais. Como eu queria poder chegar mais perto, dançar com ela, sentir seu cheiro, elogiar seu corte novo, beijar seus lábios, fechar e abrir seu vestido, fazer amor com ela de forma intensa e selvagem até cair morto de cansaço na cama, mas totalmente saciado.
Estar com Eva é como estar em casa, em um lugar que eu reconheço como seguro. Mesmo com todas as turbulências, todas as mágoas, todas as cicatrizes, nós nos amamos, então isso deveria bastar. Todas as vezes em que achávamos que estávamos bem, algo acontecia para abalar nosso equilíbrio, mas acredito que isso nos deixou mais fortes, principalmente depois de nossa viagem. Contudo ainda havia uma última barreira a ser atravessada. E coube a mim essa tarefa. Não foi fácil, e nem tinha como ser. Tinha que doer, porque tudo tem um preço. Só que na prática, é muito mais difícil de aceitar isso, porque depois de sofrer tanto na vida, quando se experimenta a felicidade por meros instantes, você se vicia. E acha até mesmo injusto ter que lutar por ela.
Mas não se pode ter tudo.
Ao pisar na cobertura, sou assaltado por uma avalanche de lembranças. É como se eu pudesse ver Eva em cada cômodo, usando apenas a blusa das Indústrias Cross ou vestindo o moletom da Columbia, pelo qual ela tem uma verdadeira fixação. Andando descalço, toda serelepe e sorridente. O fato de tê-la visto hoje intensificou essas memórias.
Inconscientemente minhas pernas se movem em direção ao quarto dela. Abro a porta e olho para o cômodo. Tudo está exatamente do jeito que ela deixou. Seu cheiro está impregnado aqui. Meu olhar para exatamente na nossa foto ela tirou com meu celular quando estávamos em Vegas. Ela imprimiu, emoldurou e colocou em cima do criado mudo ao lado da cama.
Para que eu acorde todos os dias me lembrando do quanto sou feliz ao seu lado. E para que eu me gabe do quanto sou sortuda por você ser só meu, é claro. Tem ideia do quanto você é lindo e gostoso?”, ela disse.
Dou um leve sorriso e balanço a cabeça. Tão típico dela.
Até hoje fico me perguntando o porquê de ela ter se apaixonado por mim. Mas, mais do que isso, fico agradecido por ter sido o escolhido. Eu não sei onde estaria se não tivesse conhecido Eva. Talvez vivendo a mesma vida tediosa de antes, tendo a solidão como minha principal companheira; convivendo com pessoas vazias e superficiais; transando com mulheres prontas para fazerem qualquer coisa para me prender a elas, mergulhando fundo no trabalho sem precisar me preocupar com mais nada, simplesmente por que não havia com quem ou com o que se preocupar.
Eva mudou a rotação do meu mundo de maneira atrevida, deixando-o ao avesso. Tudo o que pude fazer foi assistir, maravilhado.
/***/
Acordo meio desorientando, ouvindo o barulho estridente do meu celular na cômoda. Tomei dois comprimidos e dormi como uma pedra. Acabei ficando no quarto de Eva. Não consegui deixar esse lugar. Eu necessitava sentir a presença dela.
Olho o visor e bufo em frustração. Ligações de Corinne, mensagens de texto e de voz de Corinne. Essa não vai me deixar em paz. Resolvo verificar se mais alguém se lembrou da minha existência e vejo uma mensagem de Ireland, enviada há duas horas.
*Oi Gideon. O almoço de hoje ainda está de pé? Aguardando sua resposta. Beijos, Ireland*
Merda! Esqueci completamente disso! Olho o relógio do celular. Porra, 11h30! Fiquei de buscá-la daqui a meia hora! Digito uma resposta curta e envio. Levanto correndo, tomo uma ducha rápida, visto um jeans claro e uma camisa branca. Ligo para Angus e o mando preparar o carro.
...
Ireland
Mordo meu lábio inferior e ando de um lado para o outro, olhando fixamente para meu celular. Será que Gideon esqueceu? Ou será que mudou de ideia? Já faz duas horas e nada de ele me responder. Acordei tão empolgada com esse almoço, poxa! Se ele cancelar, ou pior, se nem der as caras, vou ficar muito triste, muito mesmo. Respiro fundo e procuro me acalmar. Gideon não é assim. Ele vai responder. Talvez não esteja com o celular por perto. Se bem que, ocupado do jeito que é, duvido que não mantenha o aparelho sempre à mão. Sento na beirada da cama, coloco meu iPhone em cima do colchão e olho para o vazio.
Minha mente vaga para o pedaço da conversa entre meus pais que ouvi ontem. Mamãe chegou bastante nervosa e abalada...

FLASHBACK
Rick e eu tivemos um momento juntos e ele aproveitou para me pedir desculpas pelo que disse sobre Gideon. Eu o perdoei, sob a condição de que ele nunca mais fizesse isso. Voltei para casa muito mais leve, repassando cada beijo, cada carinho que trocamos.
Estava indo para meu quarto quando escutei mamãe soluçando. A porta do quarto dela estava entreaberta. Antes que eu pudesse bater e pedir permissão para entrar, meus ouvidos se aguçaram para suas palavras.
“Aquela ordinária da Eva teve a audácia de dizer na minha cara que não me importo com meu filho! Que como mãe eu devia ter acreditado nele. Que era minha obrigação. Não há como provar que aquilo aconteceu. Gideon não estava bem de suas faculdades mentais, ainda estava perturbado pelo que aconteceu com o pai. O Chris confirmou que era mentira”.
“Calma, querida”, disse meu pai tentando tranquilizá-la.
“Como você quer que eu me acalme? Ela disse que a culpa de Gideon ser um homem amargurado é minha!” sua voz saiu alterada, ela abaixou o tom em seguida. “Eu não tenho ideia do porque ele contou isso a ela. Quer dizer, ele sempre foi tão fechado conosco e com essa... Essa atrevida, ele simplesmente se abriu”.
“Ele a ama”, afirmou meu pai.
“E daí? Eles nem estão mais juntos! Vi fotos de Gideon saindo com Corinne em duas ocasiões. No início eu não entendi bem, mas agora, depois disso, acho de muito bom tom que os dois reatem. Sempre gostei dela e achava lindo vê-los juntos. Ela sim está à altura do meu filho”.
Saí de lá incapaz de ouvir o resto. Eu tinha a certeza absoluta: o motivo que levou Gideon a sair de casa é grave. Muito grave.
FIM DO FLASHBACK

O toque do meu celular me assusta. Ansiosa, olho o visor.
*Claro, chego dentro de meia hora.*
Abro um sorrisão de felicidade. Ele vem! Vou até o espelho e ajeito minha roupa. Um short jeans desfiado um pouco abaixo das coxas, uma regata azul clara, tênis all star e uma bolsa de pano colorida. Resolvo esperá-lo no portão, como de costume.
Antes que eu saia pela porta da frente, minha mãe me chama.
“Sim mãe?” digo me virando para ela. Christopher vem logo atrás.
“Vai sair agora? O almoço já está pronto”.
“Ah, é que eu combinei de almoçar com o Gideon. Ele vem me buscar daqui a pouco”.
Novamente, sua cara de espanto me dá vontade de rir. Já a carranca do Chris me faz revirar os olhos. Chatice!
“Parece que você tá se dando bem com o garoto-problema, hein?” ele diz sarcástico.
“Christopher”, repreende mamãe, já refeita da surpresa.
“Olha, nada do que você me disser vai me chatear hoje, tá bom? Meu humor está como esse sol”, digo apontando para o dia claro lá fora. “Radiante, iluminado e alegre. Porque ao invés de ficar falando besteira, você não arruma uma namorada ou vai se aliviar numa pobre coitada que seja idiota o suficiente para cair no seu charminho de quinta?” Ponho meus óculos e saio batendo a porta, deixando duas pessoas boquiabertas.
...
Gideon
Angus estaciona em frente em casa dos Vidal e Ireland já está a postos me esperando com um sorriso enorme no rosto. Ela mesma abre a porta e pula para dentro do Bentley.
“Oi”, diz e me dá um beijo no rosto, me deixando completamente surpreso.
“Ah... oi”, respondo meio sem graça.
“Oi Angus, tudo bem?”
“Olá senhorita Vidal, tudo ótimo, obrigado”.
“Ai deixa disso, só Ireland”.
Angus abre um sorriso. “Certo”. E arranca com o carro.
“Então... o que quer fazer?”
“Podemos almoçar no Peter Luger e depois ir ao Central Park dar uma volta, tudo bem pra você?”
“Claro”. Eu não consigo fazer nada a não ser concordar.
O almoço foi muito bom. Na verdade, Ireland conseguiu me contagiar com sua alegria. Ela estava radiante e eu me perguntei por um breve instante se eu era o motivo de toda essa felicidade. E depois me chutei mentalmente por pensar em algo tão absurdo. Ela falava o tempo todo, dos seus sonhos, planos para a faculdade e eu ficava encantado. Minha irmã é uma garota muito inteligente e terá um futuro brilhante.
“No que está pensando?”, pergunta ela.
Estamos no Central Park tomando sorvete. Eu nunca me imaginei fazendo isso. Nunca mesmo.
“Nada demais. Coisas do trabalho”. Minto.
“Ai Gideon dá pra você esquecer que é um CEO bilionário que precisa dominar o mundo só por algumas horas? Aja como uma cara de 28 anos que está aproveitando um maravilhoso e ensolarado dia de domingo com sua irmãzinha caçula super maneira?” diz batendo os cílios.
Essa menina está se revelando, e estou gostando desse nosso tempo juntos. Parece que fazemos isso o tempo todo.
“Desculpe”.
“Tudo bem”, dá de ombros. “Eu sei que não sou tão interessante quando seus amigos executivos. Não entendo muito de fusões e aquisições”.
“Não é nada disso Ireland”, eu paro e a olho. “Estou adorando nosso dia juntos. Na verdade, me sinto aliviado de não estar preso numa sala olhando para a cara daqueles babacas esnobes que só querem saber de dinheiro para não pensar na falta de vida sexual que têm em casa”.
Caralho! Eu não acredito que isso saiu da minha boca.
Ireland arregala os olhos e segundos depois começa a gargalhar alto. Contagiado, acabo rindo também. A risada dela é tão linda, cheia de vida, de sinceridade, de pureza.
Ficamos assim por um bom tempo até parar.
“Vamos no sentar um pouco?”, sugiro depois de alguns instantes de silêncio. “O sol está muito forte”. Não quero que ela pegue uma insolação.
“Vamos”.
Sentamos um ao lado do outro, debaixo de uma grande árvore.
“E então... Você e a Eva? Como estão?” pergunta cautelosamente.
Meu coração acelera só de ouvir seu nome. “Não conversamos ainda. Acho que vai ser difícil reconquistá-la”.
Ela se vira para mim. “Gideon, eu não acredito nisso. Você é tão inteligente para as coisas no trabalho, mas é só falar da Eva que você vira um adolescente prestes a perder virgindade!”
“O quê?” pergunto incrédulo.
“Isso mesmo! A Eva te ama seu bobo, se não ela não te defenderia da mamãe”.
Franzo o cenho, confuso. “Do que está falando?”
Ela suspira. “Ontem eu ouvi sem querer um pedaço da conversa da mamãe com o papai. Parece que as duas se encontraram ontem no Manhattan Club e, em linhas gerais, Eva disse que mamãe era culpada por você ser um cara amargurado e que ela deveria ter acreditado em você”.
Meu corpo retesa.
“Calma”, Ireland nota minha hesitação. “Eu não sei do que se trata. Só sei que o Chris tá envolvido nessa e que seja lá o que for tem a ver com você ter saído de casa”.
“Ireland...”.
"Gideon, isso não vem ao caso no momento”, ela me corta. “a questão é que, se Eva não te amasse mais, se ela não te quisesse, você acha que ela iria te defender assim?”
Então as coisas começam a fazer sentido. As duas ontem... É claro! Como pude ser tão estúpido!
“Você a quer de volta, não quer?” Ireland pergunta.
“Sim, claro que sim”, respondo sem pestanejar.
“Então vai lá e diz isso pra ela. Mostra que você não vai desistir. Eva é perfeita pra você, ela é sua metade, seu complemento, seu equilíbrio. E tenho certeza que você representa o mesmo pra ela”.
Uma sensação boa começa a tomar conta de mim. Eva ainda se importa comigo, mesmo depois de ter me devolvido o anel. Ela se livrou do símbolo da nossa união, mas não se desvencilhou de mim. Ela ainda pensa em mim.
Um sorriso ridículo surge em meus lábios. Olho para Ireland e, num ato impulsivo, eu a abraço.
“Obrigado”.
“De nada”, murmura e segundos depois diz. “Só... afrouxa um pouquinho, pra eu respirar?”
Constrangido, me afasto dela. “Desculpe”.
“Tudo bem, eu não ligo”, fala rapidamente. “Pode me abraçar quando quiser, eu não cobro”, e sorri zombeteira.
Passamos a tarde toda no Central Park. Foi muito bom. Nunca imaginei que pudéssemos ter tanto assunto.
“Foi muito legal. A gente tem que fazer isso de novo”, diz empolgada.
Já chegamos à casa dos Vidal.
“Claro, quando quiser”.
“Faz o que te falei, depois me conta tudo, tá?”
Rio da sua animação. “Ok”.
Ela fica séria. “Sei que deve ter um monte de gente contra você e a Eva, mas saiba que eu torço muito por vocês”.
Sua atitude me emociona, mas não demonstro. “Bom saber”.
“A gente vai se falando durante a semana?”, seus grandes olhos azuis brilham em expectativa.
“Sim”, digo simplesmente dando um meio sorriso.
“Legal”, ela dá um pulo no assento e avança para me abraçar e me dar um beijo estalado na bochecha.
Fico paralisado. Ainda não estou acostumado com seus “ataques” de carinho.
Ela abre a porta do carro, se despedindo de mim e de Angus e sai saltitando para dentro de casa.
Respiro fundo e me viro, dando de cara com o olhar de Angus sobre mim.
“Você tem alguma dúvida de que essa garota te ama?” Em seguida ele volta sua atenção para o carro e o põe em movimento, me deixando pensativo e feliz.
Não, eu tenho certeza do amor de Ireland por mim, assim como tenho certeza do meu por ela.
Mas, por enquanto, ninguém precisa saber disso.
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*Trecho da canção “I’m Yours”, de Jason Mraz.
**Nome fictício. 
E então, o que acharam?
Semana que vem volto com o penúltimo ou último capítulo. É, gente, tá acabando! #TodasChora
Beijos e até mais!

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