domingo, 23 de fevereiro de 2014

Profundamente Minha: Capítulo 21 — Revirando o passado

Chegamos ao penúltimo capítulo ='(

Boa leitura!
“Ser profundamente amado por alguém nos dá força; Amar alguém profundamente nos dá coragem para enfrentar um retorno ao passado, mesmo que o futuro seja algo desconhecido e inexato”.
—    Lao-Tsé

Acordei determinado e confiante. Faz tempo que não me sinto assim. Ireland foi minha injeção de ânimo. Mesmo estando por fora dos detalhes da minha situação complicada com Eva, minha irmã me mostrou algo simples: o amor que eu e meu anjo temos é forte o suficiente para passar por isso. Eu jamais sentira por ninguém o que sinto por Eva. Nenhuma mulher seria capaz de ocupar seu lugar. Ela é única, feita para mim, moldada à minha maneira e sei que sou amado com a mesma intensidade. Ainda que ela decida manter-se longe de mim, nenhum outro homem poderia me substituir em sua vida. Com todas essas turbulências, com o sofrimento que essa distância imposta tem me infligido, acabei perdendo a fé nesse sentimento.
Guardei o anel de nosso compromisso no bolso interno do meu paletó. Eu esperava dar um jeito de vê-la hoje e entregá-lo. Sei que tenho que ser paciente, mas não posso deixar de imaginar em como serão as coisas daqui para frente. Tudo estava se ajeitando como eu queria. Recebi o esboço de Carolina Herrera para o vestido. Simplesmente espetacular. Eu já posso ver meu anjo usando-o. Além disso, o modelo combina perfeitamente com o cenário que será montado para a cerimônia.
Passei boa parte da manhã em reuniões e agora estou voltando de um almoço de negócios no Maza. Angus para o carro e, para minha sorte, Eva acaba de adentrar o Crossfire com mais dois colegas de trabalho. Reconheço Megumi, mas o rapaz não. Uma raiva se apodera de mim ao ver outro homem ao lado dela. Saio apressado do Bentley e vou até o elevador, que já está quase se fechando, porém ao detectar a presença de um passageiro, as portas se abrem novamente, e eu entro.
E aqui está ela. Mais linda do que nunca. O novo corte de cabelo realmente lhe deixou ainda mais estonteante. A sensação que sempre tenho quando Eva está por perto me atinge de forma amplificada. É a primeira vez desde o jantar em sua casa que ficamos tão perto. Seus olhos acinzentados me olham profundamente, mostrando claramente as reações que causo nela. Mas se abaixam em seguida.
Durante o trajeto, Eva evita ao máximo me encarar, e se entretém na conversa de seus colegas. Estou desesperado para tocá-la, para senti-la, e o fato de não poder fazer isso acaba comigo. Não desgrudo os olhos dela, e sei que ela se sente tão afetada pela minha presença quanto eu pela dela.
O elevador vai esvaziando aos poucos. Quando a cabine chega ao vigésimo andar, estamos somente eu, Eva, Megumi e o rapaz que descobri se chamar Will e que, para o meu alívio, é casado. As portas se abrem e os três começam a sair. Mas antes que Eva ponha os pés para fora do elevador...
“Espere”, digo no tom de voz autoritário que sei que ela reconhece. Ao qual é incapaz de resistir.
Eva obedece no mesmo instante. Ela abre espaço para seus colegas saírem, e volta para dentro da cabine, se encolhendo num canto. As portas se fecham e o elevador segue para o último andar. Fico do lado oposto, apenas esperando.
O tesão entre nós é sufocante. E vê-la ofegar por mim torna tudo mais difícil. Cada partícula do meu corpo, por menor que seja, deseja-a insanamente. O elevador para e saco a chave mestra, coloco-a no painel, trancando a porta. Eva continua a olhar para baixo.
Começo a ofegar de ansiedade. Eu necessito tocá-la, necessito de sua pele sob meus dedos. Agora.
 “Vire, Eva”, ordeno. Ela estreme levemente, fecha os olhos e obedece.
Se eu a agarrasse de frente, seria pior, e a última coisa que eu quero é dar aos seguranças um show gratuito. Além do mais, ela está irreconhecível com esse corte e com os cabelos num tom mais claro. E a posição em que estamos faz com que ela fique de costas para a câmera.
Sem me conter, grudo meu peito em suas costas, prensando-a contra a parede da cabine, e escuto-a soltar o ar com força. O seu aroma cítrico e delicioso invade minhas narinas, me deixando ainda mais excitado.
“Você está tão linda”, sussurro, com o rosto colado aos seus cabelos. “Chega a doer”.
“Gideon. O que você está fazendo?” murmura.
A vibração da sua voz reverbera em meu corpo, me fazendo estremecer e deixando meu pau ainda mais rígido contra seu corpo. Estou louco por ter seu calor úmido me envolvendo por completo. Sentir seus músculos me apertando. Só de imaginar começo a pressionar seus dedos com os meus, mantendo suas mãos na altura dos ombros. Tento me controlar ao máximo para não tocar outras partes de seu corpo. O anel que ela me deu encosta em sua pele e Eva vira a cabeça na direção de onde o contato aconteceu.
“Por quê?”, murmura. “O que você quer de mim? Uma gozada? Você quer me comer, Gideon? É isso? Despejar sua porra dentro de mim?”
Prendo a respiração. A forma como ela diz essas palavras, como se eu a estivesse usando, me atinge como um soco.
“Não faça isso”, peço.
“O que eu não posso fazer? Dizer as coisas claramente? Tudo bem. Vai em frente. Não precisa pôr esse anel no dedo pra fingir que suas intenções são outras”.
“Eu não tirei o anel. Nem vou tirar. Nunca”. Ele significa que eu pertenço a ela. E sempre será assim.
Solto sua mão direita, enfio a minha no bolso para tirar seu anel e o coloco em seu dedo. Em seguida, levo sua mão a minha boca e a beijo. Em seguida, levo meus lábios sedentos e furiosos até seu rosto.
“Espere”, digo e me afasto. Giro a chave e a porta do elevador se abre. Saio apressadamente sem olhar para trás.
Cumprimento Emma com um leve aceno de cabeça e assim que me aproximo de sua baía, Scott que se levanta para me receber.
“Agenda em quinze minutos”, aviso.
“Sim senhor”.
Entro em meu escritório me sentindo muito mais leve. Por um único instante pude matar as saudades dela. Da minha Eva, minha. O aroma cítrico de seus cabelos misturado ao cheiro de sua pele ficou impregnado em mim. Respiro fundo, absorvendo aquele perfume único, que sempre me deixa inebriado e sedento.
Tive que esgotar meu autocontrole para não agarrá-la naquele elevador. Era tentação demais tê-la tão perto e não poder ao menos beijá-la. Minhas mãos estão formigando de vontade, meu corpo inteiro reage à necessidade dolorosa de uma proximidade maior, mas ainda não é o momento. O cerco está quase se fechando e qualquer passo em falso pode por tudo a perder.
"Senhor Cross?"
A voz de Scott me desperta dos meus devaneios. Franzo o cenho. Ele nunca me chama antes de eu convocá-lo para passar a agenda. Ando até a mesa e aperto o botão para responder.
“Sim, Scott?”
Há uma pessoa que está aqui para vê-lo, senhor”.
“Ela tem hora marcada?”
Não, senhor. Mas...”.
“Então eu não estou disponível”, meu tom de voz em incisivo. Não entendo isso. Scott sabe que não recebo pessoas que não tenham agendado horário, exceto Eva.
Contudo, ao ouvir o nome da pessoa, um arrepio gelado percorre minha espinha. Uma sensação nada boa. Não, não é possível...
Senhor Cross?
“Mande-a entrar, Scott”. Digo ainda meio atordoado.
Sim senhor”.
Respiro fundo, dessa vez para me recompor. Não vou demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade. Não na frente dela. Em poucos segundos a porta se abre revelando a figura esguia e elegante de Elizabeth Vidal.
Ela usa uma blusa branca de seda, calça preta, saltos e carrega em um dos antebraços, uma bolsa amarela.
Sua expressão é uma mistura de diversas emoções. Dor, tristeza, angústia, talvez remorso. Sinceramente, não sei o que sentir sobre essa visita e muito menos o que esperar dela.
“O que veio fazer aqui?” pergunto sem nenhuma emoção na voz.
“Parece que você esqueceu os bons modos que lhe ensinei”, comenta colérica enquanto tira os óculos escuros do rosto.
“Sente-se”, digo seco.
Ela caminha cautelosamente até minha mesa e se senta.
Arqueio a sobrancelha. “E então?”
Ela suspira. “Querido, já faz tanto tempo que nós nos afastamos, eu...”.
“Tenho certeza que não se trata disso”, corto. “Tenho uma reunião em meia hora. Seja rápida”.
“Pois bem”, ela se endireita no assento tentando esconder sua tristeza. “Quero saber por que contou a Eva sobre... aquilo”.
Franzo o cenho fingindo surpresa. “Como você sabe disso?”
“Porque ela teve a audácia de vir me confrontar”, diz asperamente. “Disse que a culpa de tudo isso era minha por não ter acreditado em você”.
“E não é?”
“Você estava perturbado pela morte de seu pai”, seus olhos se enchem de lágrimas. “Não havia provas, como eu...”.
“A minha palavra deveria ter sido suficiente”, digo friamente.
Ela começa a chorar. Discretamente, aperto o botão que escurece os vidros do escritório. Ninguém precisa ver essa cena.
“Eu... eu tinha muitas coisas para me preocupar, Gideon! Tente me entender, eu tinha que lidar com os escândalos envolvendo Geoffrey, a imprensa massacrou o nosso nome, várias pessoas prejudicadas naquele esquema nos hostilizavam, algumas até nos ameaçavam de morte. Tudo piorou depois da morte dele!”
“Eu sei disso. Eu também sofri. Mais do que você pode imaginar”.
“Você tinha um comportamento violento. Eu não sabia mais o que fazer”, Elizabeth chora convulsivamente. “E isso não passou mesmo depois de eu ter me casado com Christopher. E então veio seu irmão, que exigia minha atenção também, e começou a imitar você para isso. Eu não sabia, eu... eu...”.
A última vez que vi minha mãe desmoronar dessa forma foi quando saí de casa. Desde então, ela vem tentando se aproximar de mim. Obviamente, nunca dei nenhuma brecha para tal. Mas estou ciente de que, assim como eu, Elizabeth é uma vitima das tramoias de meu pai. Ela não sabia o que estava acontecendo, e nem tinha como saber já que seu passatempo preferido era torrar cada centavo em coisas supérfluas e inúteis. Nada de muito surpreendente vindo de uma pessoa fútil e vazia como ela.
Em silêncio, me levanto, vou até o frigobar e de lá tiro uma garrafinha de água. Pego um copo no bar, despejo nele a água e volto para minha mãe, que ainda está aos prantos, tentando enxugar as grossas lágrimas com um lenço.
“Tome”, ofereço o copo.
Ela o pega com a mão tremente e o leva a boca, dando pequenos goles. Volto para minha cadeira e me sento, recostando-me no encosto e cruzando minhas mãos em cima do meu colo. Olho fixamente para a mulher à minha frente, filmando cada uma de suas reações.
Assim que se acalma, ela me encara. “O médico não detectou nada, Gideon. Seu irmão negou tudo também. A situação não estava favorável para que eu acreditasse em você”.
Uma raiva súbita toma conta de mim. Fecho minhas mãos em punhos.
“Favorável”, murmuro entre dentes. “Favorável?”
“Filho, eu...”.
“Não”, levanto minha mão num sinal claro para que cale a boca. “Não tinha que ter uma situação favorável. Sou seu filho tanto quanto Christopher. E nós sabemos que ele me odeia. Nada mais natural que ele negasse para me ver mal com a família”.
“Ele nunca brincaria com algo tão sério”, defende Elizabeth. “Chris pode ser muitas coisas, mas não mau caráter. Além disso, ele era uma criança”.
“Eu também era”, esbravejei. “uma criança que passou anos sendo abusada por um homem que deveria me ajudar. Eu me sentia um lixo depois, porque sempre achei que a culpa era minha, que eu merecia passar por aquilo”.
“Gid...”.
“Nunca passou pela sua cabeça que o doutor Lucas poderia ter mentido para protegê-lo?”, eu a corto novamente. “Os dois eram cunhados. Fui acusado de inventar um abuso sexual porque, claramente, todos tinham alguém em sua retaguarda, menos eu. Você deveria ter investigado a história, no mínimo”.
“Eu também sofri”, sinto o desespero em sua voz. “Eu tinha muitas coisas para lidar e...”.
“É muito mais fácil deixar pra lá, não é? Muito mais fácil acreditar que eu era um perturbado”.
“Gideon...”.
“Você não acredita em mim, não é?” pergunto olhando fundo em seus olhos. “Você ainda acha que é uma invenção da minha mente doentia”.
Ela solta um soluço e se mantém em silêncio, olhando fixamente para sua bolsa de marca. Eva tem razão. Ainda dói. Dói saber que minha mãe não acredita em mim. Dói saber que ela ainda me vê como o garoto problemático de outrora.
“É melhor você ir embora”, determino.
Elizabeth levanta a cabeça. Seus olhos tão azuis quanto os meu estão embaçados de lágrimas e a pele alva de seu rosto tingida de vermelho. Sua expressão denuncia um desespero esmagador. Mas isso não me comove. Sua dor nunca será maior do que a minha.
“Quero te entregar uma coisa antes de ir” sussurra num fio de voz.
Ela revira sua bolsa e de lá retira uma caixinha de veludo preta.
“Aqui está o anel de casamento que seu pai me deu. Achei que seria melhor você ficar com ele”. Ela põe a caixinha em cima da mesa.
Eu a pego e abro. Um lindíssimo anel com um grande e bem lapidado diamante. Um modelo bem tradicional e antigo. Olho para ele por alguns instantes já o imaginando no dedo de Eva.
“Corinne iria amá-lo”, a voz de minha mãe quebra o encanto.
Corinne? Mas o que...
Eu a fuzilo com os olhos. “O que Corinne tem a ver com isso?”
“Bom... eu pensei... é que... eu vi fotos de vocês dois juntos...”.
“Nós somos amigos, nada mais do que isso”, explico secamente. “Ela é casada, muito bem casada e eu não tenho o menor interessem em reatar a relação”.
“Mas eu vejo nos olhos dela que o amor não acabou”, insiste. “E quanto ao casamento, é pra isso que existe o divórcio. Há uma grande possibilidade de...”.
Fecho a caixinha bruscamente, irritado com sua intromissão. “Chega! Será que você não entende? Eu não vou voltar para ela porque eu não quero. Eu não a amo, nunca amei e nunca vou amar. Pare de alimentar esses sonhos bobos, pare de criar expectativas e não ouse incentivá-la porque não há a menor possibilidade de nós voltarmos, entendeu?” esbravejo.
Seus olhos se arregalam e ela empalidece. “Não precisa falar assim comigo. Eu sou sua mãe”.
Eu me levanto de supetão e lhe dou as costas. “Você deixou de ser minha mãe no dia em que não confiou em mim. Você nada mais é do que minha progenitora”.
Ouço seu arfar. E depois de segundos em silêncio, o ranger da cadeira sendo arrastada.
“De qualquer forma, você não me disse por que contou isso para Eva”, sua voz está embargada. “Há quanto tempo você a conhece? A pouco mais de um mês! Como pode garantir que ela não vai sair espalhando isso para os tabloides, agora que vocês não estão mais juntos?”
Eu me viro para encará-la. “Isso não te diz respeito”.
“Claro que me diz respeito. Aquela insolente se achou no direito de me desmoralizar...”.
“Jogando a verdade na sua cara?” digo sarcástico.
Ela abre a boca em choque, mas se recupera logo. “Essa sujeitinha...”.
“Não se atreva”, grito dando um forte tapa no tampão da mesa, fazendo Elizabeth dar um pulo de susto e arregalar os olhos. “Não se atreva a tocar no nome dela, não se atreva a falar o que quer que seja sobre ela. Podemos não estar juntos agora, mas isso não significa que ela não seja importante para mim. Eva acreditou em mim, Eva me defendeu, mesmo eu a tendo magoado. E eu a amo. Então não se atreva”.
“Mas G...”.
“Vai embora daqui agora, seu tempo acabou. Não se meta na minha vida, nunca mais. Você não faz parte dela”.
“Eu te amo, filho”, sussurra sofrida. “Esse afastamento dói muito. Por favor, acredite em mim”.
Continuo a encará-la impassível. “A situação não está favorável para que eu acredite em você”.
Elizabeth dá um passo para trás, atingida pelas suas próprias palavras. Sem saída, pega sua bolsa, põe os óculos escuros e se encaminha para a porta.
Antes de sair me lança um último olhar e até abre a boca para dizer alguma coisa, mas me viro de costas deixando claro que a conversa está encerrada.
“Fico satisfeita por você estar se aproximando da Ireland. Eu nunca a tinha visto tão radiante”, em seguida vem o som da porta sendo aberta e depois fechada. Solto um suspiro alto.
Nós nunca nos confrontamos depois de eu ter saído de casa. Até então, o dia da festa da Vidal Records foi a única vez em que a vi pessoalmente. Não dei espaço para nenhuma aproximação, nem queria. Mas confesso que essa acareação foi necessária. Exorcizei muitos sentimentos ocultos. Palavras que ficaram presas em minha garganta por anos finalmente saíram. Minhas costas estão dez quilos mais leves.
Volto a me sentar à mesa e olho fixamente para a caixinha de veludo. Eva vai adorar esse anel. Ela tem verdadeira fascinação por coisas antigas. É perfeito. Sou grato a Elizabeth por trazê-lo. Já tinha pensado em pedi-lo num futuro próximo.
Após me refazer do encontro com minha mãe, chamo Scott para passar os compromissos do dia.
/***/
Já estava no fim do expediente quando meu secretário anunciou a chegada de Corinne. Eu não queria recebê-la, mas precisava, afinal, ela é meu álibi. Eu seria visto em sua companhia tanto pelas câmeras de segurança quanto pelo pessoal que foi interrogado pela polícia, de forma a manter as aparências. Nunca senti tanto tédio em minha vida. Ela fica relembrando nosso tempo juntos, fala o quanto estava animada com nossa reaproximação. Perguntei-me se minha mãe tinha algo a ver com isso.
“Talvez, nós tenhamos chance ainda”, ela diz. “Bem, eu percebo que nossa química ainda existe. Talvez não tão intensa como antes, mas podemos resolver”.
Química?
“Corinne”, suspiro, já cansado. “Eu só quero sua amizade. Eu já disse isso. Você é maravilhosa e sempre fará parte da minha vida, mas não temos chance. Por favor, não insista ou serei obrigado a me afastar”.
“Tudo bem, tudo bem, me desculpe, eu não quero te pressionar” diz rapidamente, tentando remediar a situação. “Apenas não posso evitar sentir o que sinto, por favor, me perdoe”.
“Ok. Escute, eu tenho um jantar de negócios daqui a pouco e já vou pra casa”, digo enquanto me levanto e arrumo minhas coisas. “Que tal uma carona?”
“Claro”, ela sorri afetada.
Já na rua, coloco uma mão na base de suas costas, guiando-a para a Mercedes, onde Raúl nos aguarda. Ele sai do carro para abrir a porta para nós dois. Por puro reflexo viro o rosto para encarar o olhar horrorizado de Eva. Fico estático. Posso ver a decepção estampada em sua face. Segundos depois ela ergue o dedo do meio para mim e me dá as costas.
“Gideon?” a voz de Corinne me acorda do torpor.
Entro no carro em silêncio e Raúl o põe em movimento.
“Está tudo bem?” ela pergunta preocupada. “Você está pálido”.
Apoio minha cabeça no encosto do banco e olho para a janela.
“Estou cansado, apenas isso”, respondo.
E fodido, penso.
Completamente fodido.
/***/
Droga! Mil vezes droga!
Eu não queria que Eva tivesse visto aquilo.
Achei que ela já tinha ido embora. Até cheguei a enrolar um pouco com Corinne no escritório justamente por isso. Mas não. Minha maldita falta de sorte voltou a atacar, e justo agora quando nós estamos nos reaproximando aos poucos.
O pior de tudo isso foi ver o olhar que ela me lançou. Aquilo me destruiu e eu me senti um monstro. É como se eu tivesse regredido ao começo do nosso relacionamento, quando eu agia como um estúpido e acabava a magoando. Só que agora tudo mudou de figura. Esse afastamento brusco que impus a nós dois nos deixou feridas muito profundas. A confiança, que já está arranhada, ruiu um pouco mais hoje. E não posso culpar Eva, nem reclamar que ela fugiu de mim. Eu a vi passar por cima do próprio orgulho naquele email, abrindo seu coração de uma forma tão crua e apaixonada. E eu a admiro por isso, simplesmente porque nunca tive essa coragem. Eva merece, sim, saber a verdade, porque mesmo naquele momento crítico em que a fiz pensar que eu estava, deliberadamente, lhe deixando de lado, ela não se escondeu.
Sei que daqui pra frente será difícil, pois não tenho certeza se Eva poderá conviver com o que fiz. Às vezes fico pensando quando eu mesmo poderei seguir em frente sem sentir remorso. Ainda que eu esteja aliviado por ter tirado Nathan definitivamente da vida de Eva, não posso simplesmente ignorar o fato de que tenho sangue nas mãos. Eu matei outro ser humano e nenhum argumento no mundo, por melhor que seja, poderá justificar o meu ato.
Passei a noite tendo pesadelos: com Nathan, com Eva, com o monstro que me abusou, até mesmo com minha mãe. Eram como vários sonhos misturados num só. Toda vez que eu cochilava, as imagens vinham em minha cabeça, me atormentando, me assustando. Acordava me sentindo sufocado, como num incêndio. Sentia meus pulmões queimarem, a respiração pesada e difícil. No fim, acabei desistindo de dormir. Fiz uma xícara de café puro e forte para tentar aguentar o dia.
Durante o trajeto para o trabalho, fiquei pensado em alguma forma de me aproximar do meu anjo e me explicar. E me preparar para a chuva de impropérios que ouviria. Afinal, Eva não está apenas magoada, mas também puta de raiva. E a mistura desses dois sentimentos em um ser tão naturalmente teimoso e desobediente quanto ela a transforma numa dinamite. Prova disso foi que, no meio de uma rua lotada, ela pôs seu dedo médio em riste para mim num sinal claro de que ela queria que eu fosse para a puta que pariu. Nunca vi uma mulher se comportando dessa forma. Mais um diferencial que a torna tão especial. Não que tenha sido bom ter visto aquilo, mas foi tão natural, tão... Eva.
O fato de ela não ficar tentando me agradar o tempo inteiro e não aceitar tudo de cabeça baixa é uma das milhões de coisas que eu amo em sua personalidade. É muito divertido e excitante vê-la argumentando, mostrando sua opinião independente da minha, me desafiando, sendo sarcástica, enfim, sendo ela mesma sem medo de parecer inadequada ou ridícula.
Assim que Raúl estaciona ouço um toque indicando que uma mensagem acaba de chegar. Pesco o celular no bolso da calça enquanto olho para a rua a procura de Angus e... Mas onde ele está?
Imediatamente acesso o GPS do aparelho para verificar a localização do carro. Eva passou dias rejeitando a carona e, de repente, ela aceita? Não. Tem alguma coisa errada nessa história.
No mapa, detecto o sinal do Bentley saindo da rua... Espera, o que ela foi fazer na casa de Corinne?
Eu sabia! Eva está aprontando de novo!
Agora o carro segue a direção oposta ao Crossfire.
Raúl está parado com a porta traseira aberta para mim.
“Vamos seguir o Bentley. Ligue o GPS”. Ordeno a ele.
“Sim senhor”.
Ele fecha a porta e contorna o carro para retomar a direção.
Olho para o aparelho novamente tentando descobrir para onde Eva está... Mas que porra! O que diabos ela pensa que vai fazer no consultório daquele desgraçado?
Meu celular toca. Corinne.
“Sim?”
Gideon, aquela maluca da sua ex esteve aqui em minha casa!”, desabafa chateada.
“Quem?” me faço de desentendido.
Eva”.
“Ah, sim... O que ela queria?”
Veio me atormentar. Aparentemente ela não se conforma com o fim do namoro de vocês e se achou no direito de vir aqui cobrar alguma coisa”.
“Sei... o que ela disse?” pergunto secamente, porém curioso.
Disse que você está apaixonado por ela e que tem pena de mim porque nós não temos futuro”.
Nossa. Isso foi um nocaute daqueles.
“Sinto muito por isso, Corinne. Vou garantir que Eva não lhe incomode mais”.
Tudo bem, Gideondiz suavementeEu a entendo até certo ponto. Sei que somos amigos, mas...”.
“Acho melhor conversarmos outra hora”, eu a interrompo. “Tenho que voltar ao trabalho. Não se preocupe com Eva. Não vou deixá-la te incomodar de novo”.
Raúl para em frente ao prédio apontado no GPS.
Ela suspira. “Tudo bem. Que tal marcarmos um jantar?”.
“Vou ver como está minha agenda e te falo”, digo enquanto saio do carro. “Até mais”, desligo antes que ela me responda e balanço a cabeça. Onde raios eu fui me meter?
Angus, que está parado ao lado do Bentley, mantém o rosto sério, mas seus olhos brilham de diversão. Apenas arqueio uma sobrancelha em sua direção, mas ele continua calado.
Raúl já está fora do carro e se posiciona ao meu lado. Olho para ele.
“Você vai com Angus no Bentley”.
“Certo”.
Deixo os dois na calçada, entro na portaria e sigo a passos rápidos até os elevadores. A recepcionista me reconhece e me deixa passar sem maiores problemas. Nem sei o que pensar de tudo isso. Quer dizer, eu não esperava que Eva fosse querer saber de mim após o que aconteceu ontem e agora ela está numa espécie de cruzada, investigando minha vida de uma maneira nada convencional.
Chego ao andar do consultório. Adentro o local dando de cara com a secretária.
“Bom dia, senhor. Em que posso ajudá-lo?”.
“Não se preocupe, eu me viro bem sozinho”, digo já indo para a sala do Lucas.
“Desculpe, mas o senhor não pode entrar assim. Terei que chamar os seguranças”, ouço sua voz atrás de mim em um tom nervoso.
Ignoro-a e me encosto à parede.
Segundos depois Eva abre a porta de supetão, mas meus olhos estão cravados em Lucas. A fúria e o ódio transbordam pelos meus poros.
“Fica longe dela”, advirto asperamente.
O filho da puta dá um sorrisinho carregado de malícia. “Foi ela que veio até mim”.
Retribuo com um sorriso maligno. “Quando Eva aparecer, é melhor você sair correndo na direção oposta”.
“Engraçado. Foi o mesmo conselho que dei a ela sobre você”.
Antes que eu tenha a chance de retrucar encerrando a conversa, sou interrompido por Eva e sua nova mania de levantar o dedo médio.
Não sei se fico bravo ou se rio dela. Ou, ainda, se dou um murro na cara de Lucas. Por via das dúvidas é melhor sair daqui.
Bufando, agarro sua mão e saio arrastando-a.
“Que história é essa de ficar mostrando o dedo para os outros?”
 “Que é que tem? É um clássico”, diz sarcástica.
“Você não pode entrar aqui desse jeito!”, repreende a recepcionista ao passarmos por ela.
Eu a encaro com o semblante impassível. “Não precisa mais chamar o segurança. Já estamos indo”.
Saímos para o corredor. “Angus me dedurou?”, pergunta enquanto tenta se livrar do meu aperto.
“Não. Pare de se debater. Todos os meus carros são rastreados por satélite”.
“Você é maluco. Sabia disso?”
Chamo o elevador e a encaro. “Ah, sou? E você? Resolveu sair por aí interrogando todo mundo. Minha mãe. Corinne. O filho da puta do Lucas. O que você está fazendo, Eva?”
 “Não é da sua conta”, levanta o queixo com seu jeitinho petulante. “Terminamos, esqueceu?”
Cerro os dentes ao ouvir isso, me segurando ao máximo para não prensá-la na parede e calar sua boquinha esperta com um beijo selvagem. O elevador chega e, ao entrarmos, a tensão sexual se intensifica. Enfio a chave no painel para travar a cabine e a ouço rosnar.
 “Existe algum prédio em Nova York que não seja seu?”
Sem conseguir me conter, avanço para cima dela, agarro seus cabelos com uma mão e sua bunda com a outra, colando seu corpo ao meu, e ataco sua boca gostosa com um beijo desesperado.
...
Narrador
Gideon não podia explicar o que estava acontecendo consigo naquele momento. Um fogo luxuriante se alastrava pelo seu corpo. Todas as suas células reagiram àquele contato. E se inflamaram ainda mais quando ela agarrou sua cintura e se colocou nas pontas dos pés para aprofundá-lo. Era um beijo insano, quente, sensual e, ao mesmo tempo, angustiante e cheio de saudade. Depois de pouco mais de duas semanas se privando daquele contato, ele finalmente sentiu que estava no lugar ao qual pertencia. Ao único lugar onde se sentia forte o bastante para confrontar o passado. O único lugar onde não precisava fingir para se proteger, onde seria aceito apenas por ser quem era e não pelo que tinha ou representava. Era um lugar onde Gideon se sentia vivo. Nos braços da sua mulher, nos braços de Eva.
...
Gideon
Cravo meus dentes com força em seu lábio inferior. “Você acha que basta dizer algumas palavras e tudo entre nós chega ao fim? Nossa história não vai acabar Eva”.
Só de pensar nisso, sinto meu coração se comprimir, como se uma mão o esmigalhasse. Eu a imprenso entre a parede do elevador e o meu corpo, de forma a imobilizá-la. Nem se Eva quiser, conseguirá escapar de mim agora.
“Estou com saudade”, murmura, agarrando minha bunda e me apertando contra seu corpo.
 “Meu anjo”, gemo em contentamento por suas palavras.
Beijo seus lábios como se minha vida dependesse disso. E, na verdade, depende. Exploro cada canto de sua boca com lambidas rápidas e profundas, reconhecendo seu gosto. Eu me sinto vivo e completo pela primeira vez em tempos. Eu não sabia o quanto essa distância estava me matando até poder tocá-la como estou fazendo agora. E desconfio de que a sensação será ainda melhor quando eu estiver dentro dela. No entanto, não posso me concentrar cem por cento nisso agora. Temos muito que conversar.
“O que você está fazendo?”, pergunto ofegante. “Está revirando um monte de coisas”.
Não posso negar: o fato de saber que, mesmo depois de tudo, ela ainda se preocupa comigo, e está me defendendo, me deixou com um tesão do caralho.
“Estou com muito tempo livre”, responde também, “já que dei um pé na bunda do meu namorado idiota”.
Tentando conter meu desejo desenfreado, solto um grunhido gutural e agarro seus cabelos com força.
“Você não vai sair dessa com um beijo ou uma trepada, Gideon. Desta vez não”, adverte ainda colado a mim.
Coloco minha testa na sua. “Você precisa confiar em mim”.
Eva põe as mãos em meu peito e me empurra. Normalmente ela não conseguiria fazer isso, mas acabo deixando porque realmente temos que conversar. Mas mantenho meus olhos nela.
 “Não dá, você não fala comigo”, ela tira a chave do painel e me devolve. O elevador começa a descer. “Você me fez comer o pão que o diabo amassou. E de propósito. Queria me fazer sofrer. E continua fazendo. Não sei o que está pensando, garotão, mas essa merda toda de doutor Jekyll e senhor Hyde* não está funcionando pra mim”.
Se ela soubesse que seu sarcasmo em meio a situações dramáticas me faz querer fodê-la...
Enfio a mão no bolso com um movimento tranquilo e controlado, recuperando-me da avalanche de emoções de outrora.
“É impossível controlar você”, comento.
“Quando estou vestida é assim mesmo. Vai se acostumando”.
A porta do elevador se abre e ela sai. Sigo atrás e coloco a mão na base de sua coluna, fazendo-a estremecer. Esse toque, aparentemente inofensivo tem um efeito devastador sobre ela e, pensando com mais clareza agora, foi isso que a deixou com raiva ontem. Eu ter feito o mesmo com Corinne (sem a conotação de intimidade que atribuo apenas a Eva, óbvio).
“Se puser a mão nas costas de Corinne desse jeito de novo”, sibila, “eu quebro seus dedos”.
Eu não disse?
“Você sabe que não quero mais ninguém”, murmuro. “Nem poderia. Meu desejo por você me consome por inteiro”.
Saímos do prédio e só agora percebo que o tempo se fechou um pouco.
Eva para sob a marquise do prédio. “Vamos no mesmo carro, com você dirigindo. Precisamos conversar”.
“Era essa a minha ideia”.
Angus bate na aba do quepe com os dedos e se posiciona atrás do volante. Raúl me entrega as chaves. “Senhorita Tramell”, cumprimenta.
Acabo o apresentando a ela formalmente.
 “Nós já nos conhecemos”, ela diz. “Deu o recado pra ele da outra vez?”
Meus dedos se contraem em suas costas só de me lembrar desse dia. “Deu, sim”.
Ela sorri. “Obrigada, Raul”.
Meu motorista acena levemente com a cabeça e, posso dizer que ele está morrendo de rir por dentro. Ele vai até o Bentley e se senta no banco do passageiro. Levo Eva até o Mercedes e abro-lhe a porta. Assim que entra, fecho a porta, contorno o veículo e ocupo a direção.
Eva confiou a mim sua vida, seu coração e sua alma. E mesmo tendo lhe magoado, ela continuou confiando em mim.
Agora é minha vez de dizer o que sinto. De me abrir como jamais fiz.
Mas eu já não tinha mais medo da rejeição ou de ser julgado.
Esta mulher não é qualquer uma. É minha mulher. Minha Eva.
Estou em casa novamente.
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*Referência ao clássico “O médico e o monstro”, escrito pelo autor escocês Robert Louis Stevenson. 

E então, o que acharam dessa aparição da mãe do Cross? 
Deu raiva, né? Aff, odeio essa mulher!
Semana que vem a gente já começa a se despedir dessa temporada.
Beijos a todas!

3 comentários:

KA disse...

Conheci o blog hj e adorei, parabéns esta maravilhoso.Passei minha folga lendo todos os capítulos, rsrsrs. Gostaria de saber se tem o primeiro livro, pois não encontrei. Obrigada e boa sorte.

Unknown disse...

Oi Ka!
Tbm sou leitora e acompanho todos os capítulos. O primeiro livro (perfeito), acompanhei pelo NYAH Fanfiction, chamado "Toda minha". Vale a pena ler!

Não perco uma só frase e espero q o próximo tbm seja escrito.
Beijos!

KA disse...

Obrigada, encontrei e ja devorei rsrsrs, pelo que li ela ira fazer o 3 mas vai demorar um pouco devido a faculdade e estagios.
Bjsss.