sábado, 6 de setembro de 2014

Toda Minha: Capítulo 10 — O inferno de Gideon

Ah, consegui postar aqui! Ufa! Capítulo fresquinho pra vocês. Preparem os lencinhos! Nosso CEO bonitão vai sofrer muito por aqui!
Boa leitura!

Há cem mil maneiras de perder o amor de uma mulher, e a única que não se previu é, precisamente, a que se realiza.
— George Sand

Desperto da sensação de torpor com o toque do meu celular. Há uma mensagem de Eva:
*Cheguei sã e salva. Espero que consiga voltar a dormir*

Nickelback – Far Away
Sinto um enorme alívio ao saber que ela está segura novamente, mas quero ligar para ela, ouvir sua voz, me desculpar, tentar esclarecer as coisas. Tento diversas vezes o celular, mas ela não atende, o telefone de casa está desligado. Droga! Ela deve estar apavorada e enojada com o que viu. Talvez nunca mais queira ficar comigo. Não é a toa que estou na merda e sozinho. Quem iria querer a companhia de alguém problemático e imbecil como eu?
Mas não pretendo desistir.
Talvez Eva precise apenas de um tempo para se recuperar, para tentar assimilar tudo. Quando a poeira abaixar, podemos conversar sobre o que houve e tentar resolver. Amanhã teremos de nos encontrar de qualquer forma por causa da reunião sobre a campanha publicitária da Kingsman. Vou aproveitar para convencê-la a ir embora comigo. Vou fazê-la me querer de novo.
Fico me revirando na cama, mas o sono está bem longe. Meus olhos estão inchados e vermelhos. Minha garganta está queimando e meus lábios estão secos. Cada músculo do meu corpo lateja de dor. Ainda consigo ver o olhar de medo e repulsa de Eva quando despertei. Lembro-me da decepção estampada em seu rosto antes das portas do elevador se fecharem. Meu coração se comprime cada vez mais dentro do peito, fazendo-o doer tanto que mal consigo respirar. E em meio a essa agitação acabo à beira da inconsciência, que trava uma batalha feroz com a consciência. Enquanto a primeira está empenhada em me anestesiar do sofrimento, a outra me puxa de volta à realidade para deixar claro que Eva não está aqui.
_____//_____
1º dia – Quinta feira
Entro no escritório sem dar uma palavra a ninguém. Uma carranca mais assustadora do que nunca estampa minha face. Scott nota isso e não dá um pio.
“Agenda em 10 minutos”, digo seco.
“Sim, senhor”.
Tranco-me no escritório e vou direto para frente do monitor. Preciso ver como ela está, preciso saber o que se passa em sua mente. Às 8h50 Eva adentra o Crossfire a passos lentos. Sua linguagem corporal me diz que está cansada: o rosto voltado para o chão e os ombros encurvados. Ela pega um dos elevadores e fica bem perto da câmera, permitindo-me ter um vislumbre melhor dela. Seus olhos parecem desfocados, seu rosto sem vida e, por mais que esteja um calor infernal do lado de fora, ela está usando um cardigã e um cachecol. O clima no prédio é frio mesmo, mas numa temperatura amena, então não há necessidade de tanto. Porque será? Talvez esteja doente? Sua pele com certeza está mais pálida que o normal apesar da maquiagem. Estou em pedaços por ela. Em um piscar de olhos, meu anjo some do meu campo de visão e me sinto vazio novamente.
É muito doloroso saber que eu não só tenho algo a ver com sua tristeza como sou a verdadeira causa dela, torna tudo ainda pior. Olho para a moldura com sua foto em minha mesa. Seu gesto puro e sincero tocou meu coração profundamente. Ninguém nunca se importou comigo assim e eu a magoei de diversas formas. Tenho que consertar isso.
Chamo Scott para passar os compromissos de hoje. Tenho uma reunião daqui a meia hora com Ben (o que será extremamente conveniente), uma teleconferência após o almoço e, em seguida a reunião com Mark e Eva. Desse compromisso eu faço questão.
“Remarque a teleconferência, Scott. E me ligue com o escritório de Richard Stanton”.
“Sim, senhor”.
Durante o trajeto para o trabalho, fiquei pensando sobre o que Eva me contou de seu passado. Agora tudo faz sentido, principalmente as informações incompletas no dossiê. Stanton é responsável por todo esse sigilo que cerca a vida dela. Agora a superproteção de Monica é perfeitamente compreensível. Ela deve se culpar até hoje pelo que aconteceu. Sinto-me aliviado por Eva ter tido o apoio de sua mãe, que não titubeou em acreditar nela e até saiu de um casamento sólido e tranquilo; ela lutou para que a filha se sentisse segura novamente e isso não tem preço. Mais uma vez, sou grato a Monica, especialmente porque sei como é não poder contar com o amor, carinho e apoio da pessoa de quem você obviamente espera por tudo isso, de quem você aparentemente pode confiar.
Senhor Cross”, chama Scott pelo interfone. “A secretária do senhor Stanton está na linha”.
“Pode passar”.
“Escritório de Richard Stanton, Beth Saucer falando”. Salda uma voz jovial e agradável.
“Bom dia, aqui é Gideon Cross. Gostaria de falar diretamente com Richard Stanton, por favor”. Sou educado e direto.
“Claro, um momento, senhor Cross. Vou verificar se o senhor Stanton está disponível”. Responde em um tom profissional.
Em menos de dois minutos a voz de Stanton ressoa no telefone, forte e imponente.
“Gideon, que surpresa. Como vai?”.
“Olá senhor Stanton. Estou bem, obrigado. Presumo que compartilhe do mesmo ânimo que eu?”
“Primeiro, chame-me de Richard”, diz descontraído. “Segundo, sim, compartilhamos do mesmo ânimo. A que devo a honra?”
“Bem, eu gostaria de tratar de um assunto que interessa a nós dois: Eva”.
“Aconteceu alguma coisa?” sua voz agora é pura preocupação.
“Não, ela está muito bem. Apenas gostaria de falar com você um pouquinho sobre ela, se não se importa. É bem pessoal. Tenho certa urgência e você é o único que pode me ajudar. Podemos almoçar juntos hoje?”
“Tenho tempo para qualquer coisa que esteja relacionada à Eva. Que tal no meu escritório ao meio-dia?”.
“Perfeito”.
“Ótimo. Estarei esperando”.
“Muito obrigado Richard, até breve”.
“Até”.
Minha intenção é conversar com ele sobre Nathan. Quero saber de tudo o que foi feito para evitar que a história vazasse para imprensa, acordos de sigilo e arquivos do processo. Preciso saber de cada detalhe dessa história, bem como tomar providências em relação à segurança dela, já que o bastardo ainda estava à solta. Mas tudo isso sem Eva saber, claro. O escritório dele é um lugar perfeito, pois assim não levantaríamos suspeitas ou correríamos o risco de esbarrar com ela a qualquer minuto no Crossfire. E o mais importante: o tema da conversa é sigiloso, totalmente inapropriado para lugares públicos.
Pelo interfone, Scott anuncia Ben.
“Scott, eu não estou para mais ninguém além de Eva. Não importa o que você tiver que interromper, eu darei prioridade em atendê-la. E esteja disponível para tudo o que ela precisar, seja o que for”.
Absolutamente, senhor Cross”.
“Pode mandá-lo entrar”.
Dou prioridade a essa reunião não só porque, dessa vez, ela será bem conveniente, mas pelo fato de que, a cada quinze dias, ele me passa relatórios detalhados de vigilância e tráfegos de informação, além da verificação das fitas de segurança entre outros pormenores.
Eu sou muito atencioso no quesito segurança.
Não. Sou paranoico. Muito mesmo.
Mas não dou à mínima.
O prédio é meu.
“Bom dia senhor Cross”, cumprimenta Ben com sua voz grave.
“Bom dia, Ben. Sente-se, vamos começar”.
 Após analisar tudo minuciosamente e ver que tudo está saindo conforme o planejado começo a tratar do assunto mais importante no momento: cuidar da segurança de Eva.
“Ben, gostaria que você fizesse uma pesquisa completa sobre o passado de Nathan Baker. Quero todos os detalhes da vida desse homem, e que o rastreie. Preciso acompanhar cada passo dele”.
“Sim, senhor. Temos um motivo em especial para isso?”
“A proteção de Eva Tramell”.
A frase foi curta e incisiva, mas Ben não se surpreende. Ele conhece bem lado controlador neurótico. Ele não faz nenhum questionamento e me olha com atenção.
“Ele representa um perigo para ela”, continuo. “Preciso mantê-lo sob controle. Até termos certeza de que iremos encontrá-lo, quero uma equipe de segurança a postos para acompanhar Eva a todo o lugar. Mas preciso de homens altamente treinados e experientes. Coloque Chad como encarregado. Ele qualificado o suficiente para estar à frente da equipe”.
“Claro. Qual o protocolo, senhor?”
“Preciso de mais dois seguranças. Você deve instruí-los, mas, o mais importante é que eles sejam discretos e silenciosos. Eva sequer pode imaginar que está sendo seguida. Quero atualizações a cada hora via mensagem de texto e, se caso alguém que não seja Richard e Monica Stanton, Victor Reyes, Cary Taylor, Mark Garrity ou qualquer outro colega de trabalho se aproximar dela, devo ser contatado imediatamente”. Passo-lhe fichas com as fotos de cada um.
“Entendido”.
“Preciso que a equipe esteja preparada a partir de hoje. E me mantenha informado sobre Nathan. Qualquer informação é extremamente valiosa. Envie-me tudo o que achar sobre ele via email”.
“Perfeitamente. Começarei a investigá-lo ainda hoje. Quanto à equipe, fique tranquilo, senhor”.
“Confio em você, Ben. Não estou preocupado. Pode me mandar um dossiê de Nathan Barker ainda hoje?”.
“No que depender de mim, já está feito. Algo mais, senhor?”
“Não no momento. Avise quando estiver tudo pronto”.
“Sim, senhor. Com licença”.
Assim que Ben sai, Scott interfona.
Senhor Cross, a senhorita Magdalene Perez o aguarda na recepção”.
Que merda! O que diabos ela faz aqui? E porque foi anunciada? Eu dei uma ordem, não dei? Irritação irradia de mim.
“Scott, eu não estou para ninguém a não ser para Eva”, sibilo.
Eu sei senhor, mas foi a própria senhorita Tramell quem pediu para trazer a senhorita Perez”, replica em sua calma habitual.
Eva? Ela entrou em contato? Meu Deus! Espere um minuto... Como assim ela pediu...?
“Scott, essa é uma boa hora para você fazer sentido”.
A senhorita Tramell estava se sentindo incomodada com a presença da senhorita Perez, portanto, me pediu para trazê-la até aqui”.
Suspiro alto.
 “Porque não me chamou? Eu pensei que havia sido claro quando disse que, mesmo em reunião, eu falaria com ela”, atiro.
Desculpe senhor Cross, eu até disse isso, mas ela não pediu para falar com o senhor”.
Ouvir isso foi como ganhar um belo soco no estômago, que só está aliviando em parte pela raiva de ter Maggie se intrometendo em minha vida novamente.
“Mande-a entrar”.
Agora mesmo, senhor”.
Uma Magdalene pálida, assustada e extremamente envergonhada adentra meu escritório. Meu rosto impassível é tomado por uma súbita raiva que tenho que me esforçar enormemente para não ser um ogro.
“O que diabos você pensa que está fazendo?” pergunto, muito calmamente.
“Gideon, eu... eu só queria... conversar com ela. Pedir desculpas pessoalmente. Ainda me sinto péssima pelo que aconteceu”.
Respiro fundo tentando me controlar.
“Maggie, se você realmente quiser que tudo fique bem, mantenha distância de Eva, por favor. Ela já deixou bem claro que não quer te ver. Você não tem o direito de vir importuná-la no trabalho! Esse assunto não é da sua conta”.
“Eu sei e respeito isso. Eu só não quero que ela tenha uma impressão errada de mim. E também, só estou tentando me aproximar porque sou sua amiga e gostaria que nossa relação voltasse a ser o que era. Principalmente agora que você está” sua voz sai fraca “... comprometido”.
A palavra reverbera em meus ouvidos e meu coração aperta mais um pouco. Estou comprometido com Eva, mas já não sei se ela pensa o mesmo sobre mim. Sei como deve estar sendo difícil para Maggie. Apesar da nossa amizade de longa data, ela nunca escondeu o que sente por mim.
“Bom, dê-lhe um tempo e me deixe falar com ela, sim? Não force uma aproximação. Sua atitude foi muito inconveniente”. 
“Eu entendo. Sinto muito”. Murmura e abaixa a cabeça.
“Maggie, estou ficando cansado de ter que de desculpar a todo o momento. Já disse e repito: Eva não é assunto seu”.
“Sim, eu vou deixá-los em paz. Não quero causar desconforto a ninguém, ou tampouco estragar a relação de vocês”.
“Isso é impossível”, digo com firmeza. “Mas agradeceria se você cooperasse”.
“Claro. Bom, eu já vou. Não se preocupe, vou manter distância”.
“Bom”.
“Continuamos amigos?” pergunta esperançosa.
“Nós nunca deixamos de ser e você sabe que pode sempre dizer o que quiser, sempre tivemos essa liberdade um com o outro. Mas que fique claro: você é minha amiga, não minha mãe. Você é jovem demais para criar cabelos brancos e já faz tempo que saí da puberdade!”.
Ela ri sem humor. “Tem razão”.
“Claro que tenho. Sou Gideon Cross e sempre tenho razão”. Brinco em tom presunçoso, para quebrar o clima pesado.
Ela revira os olhos. “Ok, Sr. ‘Bom-demais-pro-seu-próprio-bem’, é melhor eu ir embora antes de ser engolida pelo seu ego”.
Solto uma risada e ela me acompanha. Ficamos assim por um longo tempo.
“Ei”, interrompe, como se lembrasse de algo. “Christopher disse que viria na hora do almoço para entregar-lhe os convites da festa de domingo. Parece que sua mãe está curiosíssima para conhecer Eva”.
Ah que ótimo, meu dia está uma porcaria e esse merdinha vem para tornar tudo pior. Se bem que não faz diferença já que não estarei aqui. E porque Elizabeth Vidal está insistindo nessa farsa de família patética? Não vou estragar a melhor coisa da minha vida juntando-a com a pior. E pisar naquela casa amaldiçoada é algo que eu nunca mais faria novamente. Só de pensar nisso, sinto arrepios. Aquele lugar foi meu inferno. Esperei por anos até poder finalmente sumir de lá.
“Você sabe que eu não vou, certo?”
“Sei, mas não custa nada avisar que ele vai aparecer. Sei como você fica quando ele está por perto...”.
“Eu nem vou recebê-lo”, corto bruscamente. Não gosto de entrar nesse assunto. “Vou estar em um almoço de negócios”.
“Ótimo! E o mundo está a salvo de uma hecatombe nuclear!”. Diz bem humorada.
“Obrigado por me avisar”. Eu sorrio.
“Sem problemas”, ela encaminhando-se para a porta. “Até mais”.
“Até”.
Assim que ela sai, verifico as horas. Faltam vinte minutos para o meio dia. Recolho minhas chaves, carteira e celular e me encaminho para os elevadores. O prédio onde Stanton trabalha, e do qual é proprietário, não é longe daqui. Graças à chave mestra chego rapidamente ao saguão e me dirijo ao Bentley.
_____//_____
A conversa com Richard Stanton foi regada a desconforto e tensão, apesar de a comida estar divina. Ele ficou assustadíssimo quando contei que Eva havia me confessado o abuso que sofreu e se surpreendeu, já que era um assunto no qual ela nunca tocava. Quando comecei a pedir mais informações, como cópias de todos os acordos, dos depoimentos e da denúncia do conselho tutelar, ele não gostou nada, afinal, tratava-se de remexer em uma história horrível e traumática tanto para Eva quanto para Monica. Seu desconforto é até compreensível dado seu esforço em esconder tudo dos cães farejadores dos tabloides e blogs de fofoca, mas tenho um argumento mais que válido para isso.
“Como namorado de Eva, tenho direito de saber o que a aflige e a obrigação de protegê-la”, argumentei.
Não sei se Eva ainda quer que eu ocupe esse lugar em sua vida, mas claro que isso não precisa vira tona no momento, exatamente porque nada mudaria: mesmo distante, eu tomaria conta dela.
Após certa relutância, Stanton acabou me fornecendo tudo. Contei-lhe sobre o esquema de segurança que montei para Eva, e pedi sigilo, no que concordou. Mas não abriu mão de Clancy, seu segurança pessoal. Ele foi taxativo.
“Ele levará Eva onde quiser e continuará indo buscá-la na academia. Entendo que quer protegê-la, mas ela é como uma filha para mim e afastar Clancy não é nem de longe uma possibilidade”.
Concordei desde que ele e Angus mantivessem contato sempre, bem como prometi que o manteria informado sobre o paradeiro de Nathan. Combinamos alguns outros detalhes, apesar de Stanton continuar na defensiva e nada feliz de eu me colocar à frente da situação. Homens poderosos nunca dão o braço a torcer, jamais se inclinam. No entanto isso não me preocupou: estamos falando da minha mulher e irei protegê-la com a minha vida se preciso for.
Saio do escritório de Stanton me sentindo mais leve. Ao entrar no carro, olho para o visor do meu celular na esperança de haver uma mensagem de Eva. Pelo contrário, a mensagem é da equipe de segurança, enviada na hora do almoço.
*A Srta. Tramell acabou de sair na companhia do Sr. Christopher Vidal*
O quê?  Esse merdinha quer morrer por acaso? Eu avisei a ele que não o queria perto de Eva e ele a leva para almoçar? Filho da puta, desgraçado!
“Acelere, Angus”. Ordeno
“Sim, senhor”.
Mal chego ao escritório e recebo outra mensagem.
*Srta. Tramell acaba de chegar do almoço juntamente com o senhor Christopher Vidal. Estão na porta do Crossfire nesse instante*
Ligo o monitor e a câmera capta os dois conversando animadamente na calçada. Pego o telefone e ligo para o ramal da portaria.
Portaria, Josh Lien falando”.
“Josh, aqui é Cross. Meu irmão, Christopher Vidal está na porta do prédio. Assim que a mulher loira sair de perto dele, diga que suba ao meu escritório imediatamente. Seja discreto e não deixe que ela veja”.
“Sim, senhor”.
Assisto a tudo no monitor. Eva entra e Christopher faz seu caminho de volta, porém é abordado por Josh. Olhando as câmeras dos elevadores e, para meu alívio, Eva já está subindo para a agência. Minutos depois estou frente a frente com aquele cara de pau. Ele está assustado, como deve ser.
“O que você pensou que estava fazendo?” esbravejei.
“Eu estava apenas fazendo um favor! Minha mãe pediu para convidar você, Eva e Cary para a festa de domingo...”.
“E o que a faz pensar que eu cogitaria essa possibilidade?”
“Bem, Eva aceitou, então...”.
“Pois ela não vai!”
“Ah, claro! Ela é como uma propriedade sua. Não tem vontade própria”, debocha.
“Cala a boca seu merdinha! Escuta bem: eu quero você longe da minha namorada, entendeu?” digo entre dentes.
“O que faz você pensar que eu me afastaria?” e dá um risinho cínico.
Aantes que eu perceba meu punho cerrado acerta em cheio a parede a centímetros do rosto de Christopher. Ele se assusta para valer.
“Caralho!” Ele grita. “Ficou louco?”
“Louco?” pergunto sarcasticamente. “Isso não chegou nem perto do que quero fazer com você! E considere-se sortudo por eu não ter acertado sua cara. Agora suma da minha frente, seu imbecil, e mantenha distância de Eva!” grito.
Ele sai atordoado e pálido. Fico satisfeito com o resultado.
Agora faltam quinze minutos para as três. Volto a me ajeitar em frente ao monitor apenas aguardando Eva e Mark embarcarem no elevador. Ela ainda não havia tentado entrar em contato comigo e isso me deixou muito chateado. Meu Deus que falta essa mulher me faz!
Os minutos passam lentamente até que as portas de alumínio se abrem revelando a figura de Garrity... Sozinho? Não! Onde está o meu anjo? Porque ela não virá? Merda, eu não esperava por isso!
A pontada em meu peito é tão forte que sou obrigado a massageá-lo. Eva não vem. Ela não quer me ver; está com nojo de mim. E como não estaria? Bom, talvez ela precise de um tempo maior, e é isso que lhe darei. Mesmo relutante, decido deixá-la tomar a iniciativa para que retorne quando estiver preparada. Não vou forçar nada dessa vez. Não quero assustá-la ainda mais.
Senhor Cross”, Scott chama pelo interfone. “O senhor Garrity está lhe aguardando na sala de reuniões”.
“Estarei lá em dois minutos”. Respondo rapidamente.
Pego o molho de chaves de Eva e acrescento as chaves do meu apartamento. Ponho dentro de um envelope com uma nota:
OBRIGADO POR TUDO, EVA.
G.
Tento me controlar para não descer ao 20º andar, me ajoelhar diante dela e implorar para me aceitar de volta. Não me importaria de me sujeitar a isso. Ela é a única pela qual eu me rastejaria sem medo de parecer patético. Eu a amo mais do que a mim mesmo. E as chaves passarão a mensagem de que ela poderá me procurar a hora que quiser.
Encaminho-me para a sala de reuniões onde Garrity e as executivas da Kingsman me aguardam. Cumprimento a todos com um rápido “bom dia” e damos inicio à reunião. Tenho que admitir que eu não podia ter escolhido ninguém melhor para essa campanha. A apresentação está impecável e Mark está correspondendo a todas as minhas exigentes expectativas. Ele está se mostrando preparado e seguro. Suas palavras conseguem me prender do começo ao fim, talvez porque ouvi-lo falar daquilo que me aproximou dc Eva. É impossível dissociar sua imagem da de seu chefe. Todas as vezes que eu beber essa vodca, que eu vê-la estampada em outdoors, revistas ou aparecendo em comerciais de TV, me lembrarei do meu anjo. Tento não me tornar uma presença ausente, afinal o trabalho é uma de minhas prioridades. Um império não caminha para frente se seu líder não tiver foco. Contudo, o sofrimento pela distância de Eva está me corroendo.
Após vinte longos minutos Garrity finaliza sua apresentação deixando a mim e às duas mulheres extremamente satisfeitos.
“Senhor Garrity, tudo está excelente. Meus parabéns”, Ellen elogia.
“Fiquei muito surpresa e impressionada. Sua campanha está enxuta, objetiva e atraente”, concorda Abgail.
Então todos os olhos se voltam para mim. Claro que meu alvará é o mais importante e é o que irá definir se essa campanha será aceita e ou se irá para o lixo.
“O seu trabalho me deixou muito satisfeito, Garrity”, começo em um tom de voz grave, porém educado. “Você foi coerente com sua proposta e não se desviou ou pareceu reticente. Você transpira confiança e acredita no potencial de seu trabalho. E foi exatamente isso que me prendeu. Eu poderia fingir prestar a atenção, ficar mexendo no celular, olhar para o relógio, bocejar de tédio ou apenas sair da sala, mas nada disso aconteceu. Considere-se sortudo, mas acima de tudo, talentoso. A conta é sua”.
Seu sorriso cheio de dentes brancos e brilhantes contrasta consideravelmente com seu tom de pele escuro.
“Muito obrigado pela oportunidade, senhor Cross”, respondeu após alguns segundos. “Prometo que não irá se arrepender”.
“Eu tenho certeza que não”. Digo sorrindo discretamente. “Bom, acho que terminamos”. E me levanto da cadeira ajeitando o terno.
Após cumprimentarmos uns aos outros, peço a Mark alguns minutos a sós e as duas mulheres deixam a sala. Ele me olha surpreso, mas logo se recompõe.
“Bom, sem querer parecer intrometido ou indiscreto, mas creio que o que tenha para falar comigo tenha a ver com Eva”.
“Sim”. Respondo sem pestanejar. “Gostaria de lhe pedir para entregar isso a ela”. E coloco o envelope em suas mãos.
“Claro, senhor Cross. Sem problemas”.
 “Excelente. Muito obrigado”.
“Não tem de quê”.
Após acompanhar Mark até o elevador, volto para meu escritório. A essa hora, Garrity deve estar entregando as chaves a Eva. Será que ela irá reparar que deixei copias das minhas? O que será que ela está pensando? Ela irá entrar em contato? Será que...
O apito do meu email interrompe meus devaneios. Stanton acaba de me enviar as cópias digitais de toda a documentação: a denúncia feita ao conselho tutelar e os contratos de confidencialidade. Analiso-os com cuidado e faço uma lista dos nomes que constam nos acordos. Irei levantar dados de cada um deles mais tarde. Então abro outro arquivo, que por alguma razão, está criptografado. Após algumas tentativas de conversão consigo abri-lo e então entendo o porquê da proteção. É o laudo médico dos exames feitos em Eva. Leio as palavras abortocicatrizes vaginais, anais, exatamente como ela havia dito. Um nó se forma em minha garganta. Meu anjo sofreu tanto em uma idade em que ela deveria apenas se preocupar em sair com suas amigas, fazer compras e se divertir. Era uma menina, uma criança que durante quatro anos foi torturada por um maníaco desgraçado e doente, que merecia queimar eternamente no inferno. Ela perdeu o bebê e, mesmo sabendo de seu sofrimento e que meu pensamento soa rude e insensível, não posso deixar de agradecer aos céus por essa criança ter morrido, assim foi poupada do desgosto de ter que ser fruto de uma violência grotesca e também de ter um monstro como pai. 
Olho o visor do meu celular e nem sinal de Eva. Acho que não deve ter percebido  a cópia da minha chave em seu chaveiro, ou, se percebeu, preferiu ignorar. Quero acreditar na primeira opção. O monitor apita avisando que o computador de Eva acaba de ser desligado. Minutos depois ela entra no elevador, ainda mais cabisbaixa e abatida do que quando chegou. Sei que está sofrendo tanto quanto eu, mas também sei que o asco que sente por ter me visto naquela situação humilhante deve ser ainda maior. Tomara que isso acabe logo. Preciso tê-la ao meu lado novamente. Não poder fala com ela, tocá-la, senti-la está me matando.
Assim que a vejo sair do prédio, pego minhas coisas, desligo o monitor e me encaminho para os elevadores. Tudo o que eu preciso agora é de uma sessão pesada de MMA com meu treinador.
_____//_____

Tomo uma chuveirada para tirar o suor do corpo. O treino me ajudou a descarregar um pouco a frustração. Assim que fecho a torneira, a água cessa e ouço claramente um barulho vindo de meu celular. É uma nova mensagem. Meu coração acelera e antes que eu possa parar para pensar vou correndo para quarto nu e ensopado do banho, deixando a toalha cair no meio do trajeto. Alcanço o celular e vejo que é da equipe de segurança.
*O motorista de Stanton está aguardando por Eva do lado de fora da academia. Ela sairá a qualquer momento*
Hoje Eva e Monica farão uma consulta conjunta com o Dr. Petersen. Pego a toalha do chão, me seco rapidamente, visto jeans e camisa e ligo para Angus.
“Retire o carro da garagem. Sairemos agora”.
Sim, senhor Cross”.
Em menos de cinco minutos estamos na rua. Rastreio o telefone de Eva e descubro que estão saindo nesse exato momento da academia. Dou a Angus as coordenas e alcançamos o carro, e o seguimos discretamente.
Quando paramos na rua, do lado oposto, Eva e sua mãe já tinham entrado. E nem sequer desconfiaram de que estavam sendo seguidas. Nem mesmo Clancy suspeitou. Angus pode ser bem silencioso quando quer.
O tempo passa lentamente. Os ponteiros do meu relógio de pulso parecem não se mover e me sinto exausto.
Como sou azarado! Estou sempre decepcionando a única pessoa que realmente me enxergou além da aparência, além do status quo, além do dinheiro. Não quero errar com ela novamente, tenho que provar que posso lhe fazer bem, que somos perfeitos juntos e que separar-me dela está fora de cogitação. Para começar essa nova fase, nada mais justo que atender seu pedido: fazer a bendita terapia. Eu nunca fiz isso antes, vai ser interessante ser analisado, embora desconfortável, mas por Eva eu faço qualquer coisa. Desde que ela esteja comigo, nada mais importa.
Mãe e filha saem do consultório e entram no carro. Mesmo sendo impedido de vê-la pelos vidros escuros sei de alguma forma, que os olhos do meu anjo estão sobre mim. Eu sou capaz de sentir todas as reações de Eva sem necessariamente olhar para ela. Meu corpo inteiro reage a sua presença, ao seu olhar.
Assim que o carro se afasta saio do Bentley em direção ao consultório. A baía da recepção está vazia. A porta ao lado se abre revelando a figura de um senhor alto de cabelos brancos. Ele me fita momentaneamente surpreso enquanto fecha a porta.
“Desculpe, mas o expediente terminou”. Diz com uma voz suave e educada.
“Dr. Petersen, preciso muito falar com o senhor. É um assunto rápido e urgente. Muito prazer, Gideon Cross”. Apresento-me lhe estendo a mão.
Seus olhos se arregalam ao ouvir meu nome e suas sobrancelhas se arqueiam.
“Ah, mas é claro! O prazer é todo meu senhor Cross. Desculpe não tê-lo reconhecido”, ele retribui meu comprimento, ainda incrédulo.
“Não se preocupe. Bom, eu vim porque estou interessado em fazer terapia, e o senhor foi muito bem recomendado”. Esse assunto me deixa muito desconfortável.
Suas sobrancelhas se arqueiam ainda mais. “Bom, acredito que seja possível, claro. Posso saber de quem partiu a recomendação?”.
“Eva Tramell”, respondo e meu corpo treme pela simples menção de seu nome. “Minha namorada”.
“Sim, claro! Eu vi fotos de vocês dois... bom meus parabéns, é uma jovem adorável”.
“Eu sei, muito obrigado”.
“Ela não comentou que você viria”.
“Na verdade, ela não sabe que estou aqui”. Seu olhar percorre meu semblante, analítico e perspicaz.
“Entendo”, murmura. “Bom, para quando quer marcar a primeira consulta?”
“Amanhã a tarde, se possível”.
“Claro, que tal às quatro?”.
“Combinado. Até amanhã, doutor. Tenha uma boa noite”.
“Você também”.
Ao chegar em casa, vou direto para o escritório verificar minha caixa de email. Ben me enviou os documentos sobre Nathan. Faço o download e guardo tudo em uma pasta com senha. Começo a abrir os arquivos um por um: são copias da carteira de identidade, do cartão de crédito, juntamente com os extratos bancários, currículo, histórico escolar, endereços residenciais e números de telefone, laudos psiquiátricos e outras coisas. Realmente Ben se superou. Está tudo completo. Olho para a foto do indivíduo. Olhos e cabelos castanhos, pele branca e rosto comum. Nem de longe parece ser o monstro que Eva descrevera. Ele poderia facilmente se infiltrar em meio à multidão e passar despercebido. Conforme Ben especificou no email, tanto os endereços quanto os telefones estão desatualizados. O bastardo sumiu do mapa.
“Eu vou te achar Nathan Barker, e você vai ter o mesmo fim daquele desgraçado, eu juro”, murmuro determinado enquanto encaro a tela do computador.
_____//_____
Jason Walker - Down

Chego ao trabalho atrasado, o que é extraordinário. Ignoro os olhares de espanto de todos e vou direto para meu escritório. Há uma montanha de papeis em minha mesa, apenas esperando serem analisados e assinados por mim. Pelo menos poderei manter minha mente ocupada.
Senhor Cross”, Scott chama pelo interfone. “A Srta. Tramell está aqui para vê-lo”.
Quase caio da cadeira! Ela... Ela veio! Ela quer falar comigo! Meu Deus, eu não podia estar mais feliz!
“Deixe-a entrar”. Respondo.
E pela primeira vez desde que nos separamos, abro um sorriso verdadeiro.
Eva adentra meu escritório com a expressão séria. Em seus olhos, o brilho de uma resolução inflexível. Meu coração bate descontroladamente, e meu peito se enche de calor. Ela está usando um vestido branco no comprimento dos joelhos, que acentua discretamente suas curvas. Seus cabelos longos e dourados estão soltos e adornam seu belíssimo rosto de traços delicados. Ela parece o paraíso. Me levanto imediatamente. Estou morrendo de saudades.
“Como vai, Gideon?” pergunta sem emoção.
Olho profundamente em seus olhos. “Sem você? Estou uma droga. Precisamos conversar sobre...”.
“Eu não vim para isso”, corta secamente. “O que aconteceu naquela noite me fez refletir sobre nossa relação e me ajudou a tomar uma decisão importante. Nós nunca vamos funcionar juntos. Eu não quero mais isso”.
Meu corpo chacoalha como uma mola de aço. Não pode ser! Não pode ser! Pelo amor de Deus, ela quer me destruir?
“Eva”, minha voz sai trêmula. “Você não quer isso, eu sei. Vamos conversar e esclarecer as coisas. Nós somos perfeitos juntos e sabe disso”.
“Eu sei?”, pergunta sarcástica. “Depois daquela cena grotesca... não vejo nenhuma razão para dar continuidade a essa relação problemática, se é que podemos chamar isso de relação”. Fala com desdém.
Sinto meu rosto queimar de vergonha. Ouvi-la falar daquilo com descaso é humilhante.
 “Minha decisão já está tomada, eu não te quero na minha vida! E sabe o que mais?” Agora ela está gritando. “Eu era muito mais feliz antes de te conhecer! Você estragou minha vida, acabou com minha autoestima e me expôs a situações degradantes. Eu mereço mais, muito mais!”
Suas palavras são como facas cravadas no meu peito. Uma dor dilacerante queima todas as partes do meu corpo. Não posso acreditar que isso esteja acontecendo.
“Eva, por favor, eu posso melhorar. Apenas me dê uma chance de fazer diferente, por favor, não desista de nós...”.
“Eu já desisti”. Ela sentencia asperamente e sai.
“Não, Eva! Espere!” e vou atrás dela.
“Me deixe em paz, Gideon”. Ela corre em direção aos elevadores e eu a sigo, desesperado.
“Não! Eva, eu quero você! Vamos nos dar outra chance. Eu sei que você também me quer!”
Então a cena muda e estamos naquela casa horrível, e Eva está no jardim, feliz e abraçada a... Christopher. Ele me dá seu sorriso irônico e ataca vorazmente os lábios dela, bem na minha frente! De repente, minha mãe, o desgraçado que me molestou, meu pai e Corinne estão a minha volta, gargalhando, debochando de mim. Sinto que estou diminuindo e me vejo com cinco anos novamente. Todos estão mais altos que eu, mais fortes e cruéis. Estou sozinho e suas risadas macabras ecoam em minha mente. Tapo os meus ouvidos e fecho meus olhos. Parem! Parem, por favor! Não! Não!
“NÃO!”
Estou ofegante! Puta que pariu! Que porra de pesadelo foi esse? Todos os meus medos se uniram para me atormentar em um único sonho. Meu corpo está dolorido e suado. Tenho que me esforçar para sentar. Deus, quando esse tormento vai acabar? Eu não aguento mais. Meus olhos ardem e as lágrimas correm pelo meu rosto sem permissão. Uma dor excruciante, quase física, me domina e cedo ao sofrimento. Não sei quanto tempo fiquei chorando, mas por fim eu já nem tinha mais lágrimas. Olho no visor do celular. São quatro e meia da manhã.
Tomo um banho demorado, deixando a água cair pelos meus músculos tensionados. Esse sonho me deixou ainda mais apavorado e temeroso. Será que Eva desistirá de mim? De nós? A simples ideia de outro homem tê-la me deixa doente. Eu não poderia suportar isso. E pra completar ainda tinha o merdinha pondo suas mãos imundas nela, tomando seus lábios...
A imagem dos dois se beijando em meu sonho se aviva em minha mente. Sinto uma náusea tão forte que saio em disparada para o sanitário e começo a vomitar água, já que não comi nada o dia todo. E assim fico até não ter mais nada para sair. Meus joelhos cedem. Escoro minha cabeça nos braços e fecho os olhos, tentando recuperar o fôlego. Sinto que tudo está girando ao meu redor. Quando me sinto firme o bastante, me apoio na pia para me levantar.
_____//_____
2º dia – Sexta feira
Estou mais desanimado do que nunca. A cama me parece grande de mais sem o corpo minúsculo de Eva ocupando o lado esquerdo. Estou fazendo um esforço hercúleo para não procurá-la. Passei o resto da madrugada tentando trabalhar. Se por um lado minha vida pessoal virou um purgatório, por outro minha vida profissional anda de vento em poupa. Ainda assim, nada parece certo se Eva e eu não estamos bem.
Às seis da manhã voltei para a cama e fiquei apenas olhando para meu celular como um cachorro olha para o frango assado girando dentro da máquina, achando que ela poderia me ligar a qualquer momento, ou mandar uma mensagem, mas nada aconteceu. Era como se eu não existisse. Eva está caminhando, respirando, sorrindo, vivendo... Sem mim. Só de pensar que ela poderia estar mais feliz sem mim sinto uma tontura nauseante; meu corpo sempre saudável fica um caco quando Eva se afasta de mim. É como se o funcionamento do meu organismo dependesse única e exclusivamente dela. Eu sou um escravo de seus desejos, estou completamente prostrado aos pés dessa mulher. Seu feitiço é forte, poderoso e não tem como lutar contra ele.
Eva não faz ideia do poder que tem sobre mim. Eu praticamente como na sua mão! Esse sentimento de perda está me rasgando em mil pedaços e mal estou me aguentando sobre as pernas. Além disso, o pesadelo de ontem me deixou muito abalado, reforçando minhas inseguranças.
Não estou em condição de ir trabalhar hoje, e isso nunca me aconteceu. Ligo para o escritório.
Escritório de Gideon Cross, Scott Harris falando”.
“Scott, esvazie minha agenda”, procuro manter minha voz dura e impassível. “Eu não irei à empresa hoje”.
Seguem-se alguns segundos de silêncio do outro lado da linha. Aposto que está se perguntando o porquê, pois nunca ausentei do trabalho, salvo quando tinha que viajar.
Claro senhor”, responde com um resquício de surpresa na voz, embora não comente nada. “O senhor precisa de alguma coisa?”.
“Envie-me por email tudo o que precisa de minha aprovação e se for necessário me contatar por algum imprevisto, ligue-me”.
Perfeitamente”.
Desligo o telefone e me obrigo a levantar para, ao menos, tomar um banho. Escoro minhas mãos nos azulejos, abaixo minha cabeça e deixo a água quente cai livre em meu corpo. Fico assim por vários minutos, tentando relaxar, mas não adianta muito. Vou ter que tomar medidas drásticas. Tomo um banho rápido, me seco, visto uma calça de moletom cinza e vou até a cozinha pegar uma garrafa de uísque e um copo. Dou o primeiro gole e sinto a bem vinda queimação em minha garganta, mas que em nada alivia a dor em meu peito. Vou para o escritório para tentar me ocupar com o trabalho novamente. Fazer o que eu faço exige alto grau de atenção, afinal tudo pode mudar de uma hora para outra. Clico em um relatório que me foi enviado recentemente, mas o que se abre na tela é outra coisa: a foto de nós dois nos beijando na saída da CrossTrainer. Meu corpo estremece. Ver o meu anjo ali, aninhada em meus braços faz-me lembrar do quanto eu estava feliz naquele momento e de como estou na merda agora.
“Porque Eva, por quê?” indago em desespero, olhando para foto. “Não faz isso comigo, volta para mim. Me dê uma chance pelo amor de Deus! Eu juro que vai ser diferente. Eu posso te fazer feliz, eu quero isso!”
Por outro lado, penso que talvez eu seja nocivo para ela. Desde o começo ela fugiu de mim exatamente porque já sabia que poderia se machucar e queria evitar se sentir mais fragilizada do que já é. Talvez ela fosse mais feliz se eu não tivesse cruzado seu caminho. Estaria mais segura longe de mim. Fecho a porta desse pensamento de imediato, me recusando a pensar assim. É doloroso demais.
Cansado demais para aturar qualquer coisa, volto para o quarto e me afogo no mar de travesseiros. A indiferença de Eva está me matando aos poucos.
_____//_____
O consultório do Dr. Petersen é simples, porém sofisticado. As paredes claras e as janelas ornamentadas dão um ar quase bucólico para o ambiente amplo e arejado, transmitindo paz.
“Senhor Cross” chama a recepcionista. “O Dr. Petersen vai atendê-lo agora”.
“Obrigado”, digo me levantando.
Abro a porta e lá está ele, mexendo em seu tablet. Ele se levanta assim que me vê e me dá um sorriso tranquilizador.
“Olá senhor Cross”, cumprimenta-me com um aperto de mão. “Como vai?”
“Já tive dias melhores. E, por favor, me chame de Gideon”.
“Como quiser. Sente-se”, diz apontando para a poltrona em frente a sua. “Em que posso ajudá-lo?”
“Bem, eu... nunca fiz isso antes, sabe? Terapia. Isso é muito novo para mim”. Tento não parecer fragilizado, mas os últimos acontecimentos atingiram os níveis mais sensíveis da minha alma, de forma a cutucar algumas feridas que, até então, eu julgava estarem curadas. Ou simplesmente fingia que estavam.
“Entendo, perfeitamente. Mas não se preocupe. Estou aqui para ouvir o que você quiser falar. Ainda estamos no começo, então vamos com calma. Nesse primeiro momento, vou lhe fazer algumas perguntas, tudo bem?”
Assinto silenciosamente com a cabeça e, em seguida, ele começa.
Dr. Petersen perguntou sobre minha infância e juventude. Em alguns momentos ele parava para anotar algumas coisas em seu tablet. Quando mencionei que nunca tive uma relação boa com minha família, e ele me perguntou o que havia levado a essa ruptura, me senti incomodado. Eu ainda não conseguia falar sobre aquilo.
Notando meu desconforto, ele me disse: “Gideon, entendo que não esteja pronto. Como eu disse, estou aqui para ouvir o que você quiser falar, não vou forçá-lo. No momento, estou apenas colhendo algumas informações iniciais. Fique descansado”.
Combinamos de fixar as sessões as terças após o expediente.
Saio do consultório ainda meio desanimado. Nada está ao meu favor no momento e parece que nada pode me fazer chacoalhar para a vida a não ser o trabalho. Uma vez em casa, tomo um banho rápido, visto uma calça de moletom e me esparramo na cama. Fico tentando analisar detalhe por detalhe nossa curta história. Ao saber do que Eva passou, as coisas ficaram mais claras para mim e meu sentimento de proteção para com ela dobrou de intensidade, principalmente depois de saber que esse bastardo maldito está à solta por aí e pode tentar se reaproximar de Eva. Claro que isso não irá acontecer, não no que depender de mim. Penso em todas as coisas horríveis que a fiz passar. O resultado foi sempre o mesmo: a fuga. Ela correr de mim por ter medo, medo de ser magoada, de ser machucada por um homem com um histórico de “relacionamentos” nada honroso e com traumas profundos de infância que nunca foram de todo superados. Meus erros acabaram deixando-a mais insegura em relação à nós...
Merda! Como pude ser tão burro? Ela sente medo de confiar em mim. E dei motivos de sobra para tal. Toda a vez que eu tentava acertar, eu a quebrava ainda mais por causa da minha falta de experiência em lidar com as emoções alheias. O que ela precisa é de alguém que tome conta dela, que supra suas necessidades.
Desde a reunião da Kingsman, notei a forte inclinação que Eva tem de se submeter à minha autoridade. No sexo, ela se entrega sem reservas quando estou no controle, como se cada célula de seu corpo estivesse ali para me servir. Para Eva é essencial se sentir amada, acolhida. O que ela me disse no clube, sobre odiar ser tratada como objeto, foi um dos vários sinais que me foi dado.
Eu quero deter o controle da nossa relação, e quero que ela se submeta, não para mandar e desmandar nela como uma cadela adestrada, mas porque ela precisa de proteção, de alguém quem seja forte por ela e tome as decisões que não seria capaz de tomar sozinha. Se eu parecer muito arrogante poderíamos combinar uma palavra de segurança e eu pisaria no freio.
Algumas ideias começam a tomar forma em minha mente...
_____//_____
3º dia – Sábado

U2 – All I Want is You
O dia começou corrido para mim. Os móveis, os materiais de construção e as fotos que encomendei foram entregues pela manhã. O anel chegará até o final do dia. É incrível o que se pode fazer quando se tem dinheiro. Ele não traz felicidade e eu sou a prova viva disso, mas faz pequenos milagres se concretizarem e acelera os passos no caminho para a felicidade.
Estou supervisionando o trabalho dos dois pedreiros quando recebo um SMS:
*A Srta. Tramell e o Sr. Taylor estão fazendo compras no Upper East Side*
Fico tentado a segui-la, mas me contenho. Ainda há muito que fazer por aqui. E depois, essa separação não durará para sempre. Eva estará em meus braços o mais breve possível.
Meu plano foi traçado na lógica dos fatos que me ocorreram na noite anterior. Primeiro, cuidei do anel, de design único. Ele será o símbolo do nosso compromisso, de nossas vidas entrelaçadas para sempre. Meu joalheiro ficou extasiado com o desafio, mas no fundo, grande parte dessa animação se refere à pequena fortuna que lhe dei pelo serviço. Depois liguei para a empresa de construção e encomendei três latas de tinta, pisos especiais com textura e aparência de pisos de madeira, e desenterrei minha máquina de pintura. Basta colocar a tinta dentro do recipiente específico e pressionar a alavanca que libera o conteúdo em jato. Dessa forma, a cor fica uniforme e não há risco de sujeira. Contratei dos pedreiros para fazer a troca dos pisos e eles vieram bem cedo. Comprei as roupas de cama e em seguida fui diretamente à fábrica da loja onde Eva comprou seus móveis, e escolhi peças idênticas as de seu quarto.
Tudo isso por um único motivo: evitar que Eva fuja indefinidamente. Entendi que ela precisa de seus próprios momentos para pensar e botar as ideias em ordem. Estou usando um dos quarós de hóspedes para criar, ou melhor, recriar seu espaço particular. Baseado na foto que tirei dela dormindo, na primeira noite que passei em seu apartamento, estou fazendo uma réplica de seu quarto. Assim, todas as vezes que Eva quiser fugir, poderá se refugiar nele e ficarei mais tranquilo por ela estar perto de mim. Aproveitei essa mesma foto para mandar fazer duas montagens, uma em tamanho normal e outra ampliada, no mesmo estilo da que Eva tinha feito para mim, incluindo o flagra do beijo na frente da academia, um retrato feito pela assessoria de imprensa do evento beneficente no qual fomos juntos e uma fotografia furtiva de nossa reconciliação depois da briga no Bryant Park.
O anel foi entregue no fim do dia. O joalheiro fez um trabalho impecável em tão pouco tempo e do jeito que eu pedi. Ele tinha várias camadas em forma de cordas cobertas por cruzes cravejadas de diamantes. As cordas representam as várias facetas de Eva (enfezada, irreverente, provocativa, tímida, indefesa, dependente... a lista é enorme) e as cruzes são interseções entre mim e ela, nossos dedos entrelaçados, nossas vidas juntas, atreladas uma a outra para sempre. As fotos chegaram e eu pendurei a imagem ampliada em meu escritório; a de tamanho normal eu darei a Eva, para que ela tenha uma lembrança de nós dois e entenda o quanto significa para mim. E a reprodução do quarto de Eva é uma copia fidedigna, como se eu tivesse o trazido para cá. Tudo está pronto. Só falta ela.
Durante todos esses anos eu mantive uma fachada de homem controlado e distante, e isso sempre foi muito positivo para mim. Eu nunca incentivei a proximidade das pessoas, para me proteger delas, me tornar inacessível, e isso as faz me temer. Minha riqueza me permitiu construir um muro intransponível entre mim e o mundo, e eu o uso como arma tanto na vida profissional quanto na vida pessoal. Minha vida era simples e descomplicada. E aí veio... Eva. E virou meu mundo de cabeça para baixo. No começo eu queria apenas trepar com ela, mas depois um sentimento novo e desconhecido começou a crescer dentro de mim e antes de perceber, eu já estava completamente apaixonado. A noite na limusine foi o estopim para a avalanche de emoções que habitam minha alma. E agora eu me recuso a viver sem ela. Por isso darei até segunda para que entre em contato comigo, ou eu tomarei a iniciativa.
_____//_____
4º dia – Domingo
Eva ainda não entrou em contato. Essa espera está acabando comigo. Os dias parecem uma tortura! Passei mais a madrugada em claro, relembrando aquela noite, sua expressão de nojo, seu medo. Claro que eu a assustei, claro que ela quer distância de mim! Estou me segurando o máximo que posso para não ir atrás dela, mas está ficando difícil. Eu a quero em minha vida, em minha cama. Tê-la do meu lado todos os dias, para sempre. Será que ela não entende? Como posso fazê-la perceber isso? As chaves não surtiram o efeito desejado, então pensei em outras maneiras, incluindo um casamento, mas logo descartei. Seria um passo grande demais e Eva não está pronta. Provavelmente ela recusaria. Então me veio a ideia do anel.
De repente meu celular apita. Uma tímida luz de esperança se acende dentro de mim. Porém, ao abrir a mensagem, meu coração afunda. É apenas Arnoldo.
*Ciao, stronzo! Che cosa sta succedendo(Oi, bobão! O que está acontecendo?)*
Pelo seu apelido carinhoso, prevejo-o bravo e um sorriso sem dentes escapa de meus lábios. Arnoldo conseguia ser espirituoso até num simples SMS. Eu prometi a ele que levaria Eva ao Tableau One ontem para conhecê-lo. Ele deve estar uma fera comigo e com razão, tenho que ligar para me desculpar.
 “Gideon, suo imbecille (seu imbecil)!
“Oi Arnoldo”. Cumprimento-o.
Mamma mia! Sua voz está terrível!” Ele se assusta. Parlare con me (Fale comigo).
Mais que coisa! Com ele minha indiferença não funciona nem por telefone!
“Ela me deixou. De novo”. Resolvo confessar
Perché? (Por quê?)
“Ela presenciou um pesadelo meu e ficou assustada”.
Ma io non capisco (mas eu não entendo)! Ela já não tinha te visto ter um pesadelo?”
Eu lhe contei sobre a primeira noite que Eva passou comigo e do presente que ela me deu e seu significado. Arnoldo ficou sem palavras pela terceira vez.
“Sim, mas foi diferente. Eu... fiz uma coisa – inconscientemente, claro – ela ficou espantada e fugiu”. Então conto em detalhes daquela noite, exceto sobre o estupro de Eva e a parte... Vergonhosa de tudo aquilo.
Arnoldo suspira.
“Você tentou falar com ela depois disso?”
“Não, eu achei melhor dar-lhe um pouco de espaço. Eva já passou por muita coisa, não quero pressioná-la demais”.
“É o que você acha? Que ela está com medo do que viu e está tentando se afastar?”
“Talvez”. Ponderei.
“Acho que você é mais retardado do que eu pensava!” bradou. “Porra, Gideon. Você está na miséria sem essa ragazza, eu nem preciso olhar para sua cara para saber que você está um lixo”.
“Ah, muito obrigado” ironizo. “Eu realmente estava precisando que você jogasse isso na minha cara”.
“É isso que os amigos fazem, eles jogam a verdade na cara uns dos outros e não ficam passando a mão na cabeça. Eu tenho cara de ser marica, por acaso?” pergunta e sinto o traço peculiar de diversão em sua voz.
Rio sem humor. “Você é o cara mais marica que eu conheço”.
“Você é quem está bancando a marica aqui. Ao invés de ir até ela e conversar sobre o assunto, você está aí sentado como uma donzela esperando o príncipe encantado chegar montado em um cavalo branco!” esbraveja.
“Ela não quer me ver ag...”.
“E como você sabe?” me corta. “Você é algum tipo de vidente? Porque se for, com certeza é dos piores! Talvez ela esteja esperando uma atitude da sua parte, como da outra vez. Está esperando seu aval para se aproximar, pois não sabe lidar com você”.
Essas palavras me dão um choque de realidade, e começo a pensar em algo que havia me ocorrido, mas estava distraído demais para prestar atenção.
“Arnoldo, eu tenho que ir”, levanto bruscamente.
“O quê? Vai desmunhecar de vez?” pergunta divertido.
“Vai se foder, Arnoldo. E obrigado, de novo”.
“Vai você! Agora cala a boca, desliga logo essa porcaria e vê se vira homem”. E a linha fica muda e começo a rir. Meu amigo é fora de série!
Sempre que lhe agradeço por algo, Arnoldo me manda calar a boca porque acredita que amigos não trocam favores, mas cumprem um papel que não pode ser mensurado e a gratidão está implícita. Em sua teoria, agradecimento reduz as ações de um amigo para com o outro a um favor qualquer. Quando me explicou da primeira vez eu não entendi nada, mas depois sua lógica ilógica começou a fazer sentido. E, de certa, forma, ele até tem razão. 
Sigo seu conselho e resolvo que não vou esperar até amanhã. Isso já durou tempo demais. Pego as chaves do Bentley e saio correndo para o elevador. Decido dirigir sozinho, e a equipe de segurança se mobiliza em outro carro. Eu não os espero e saio cantando pneus.
 Eu preciso vê-la, preciso explicar o que aconteceu e convencê-la a voltar para mim, eu implorarei de joelhos se precisar. Se o porteiro não me deixar entrar, dessa vez vou lhe mostrar quem é que paga o seu salário.
“Senhor Cross, boa tarde”, Paul, o porteiro que já me conhece, me cumprimenta. “Sei que deve estar procurando a senhorita Tramell, mas ela e o Sr. Taylor saíram há mais ou menos duas horas”.
Merda! Pego meu celular e ligo a equipe de segurança.
“Onde está a Srta. Tramell?” Disparo.
Na festa na casa de seus pais, senhor”.
NÃO! Eva está naquele inferno! Não pode ser!
“E porque você não me ligou?”, brado.
Nós pensamos que o senhor estivesse aqui também”.
Impaciente, desligo o celular.
Maldição! Eu preciso ir até lá. Tenho que tirá-la daquele lugar. Corro de volta para o carro e saio em disparada pelas ruas de Nova York, a caminho do inferno. Minha fúria é tão grande que sinto que posso cometer um assassinato a sangue frio! Por que, por que ela tem que me desafiar? Eu lhe avisei para manter distância de Christopher! Meu celular toca incessantemente, minha equipe de segurança deve estar louca atrás de mim, mas eu não me importo. Eles que me sigam pelo GPS!
Aumento a velocidade, quebrando todas as regras de trânsito possíveis e inimagináveis. Enfim a mansão dos Vidal aparece no meu campo de visão e um bolo se forma em meu estômago. Todas as lembranças desagradáveis surgem em enxurradas pela minha mente. Eu odeio aquele lugar. Não quero que meu anjo se contamine com a aquela sujeira.
Estaciono o carro em uma vaga qualquer e respiro fundo antes de sair. Assim que ponho os pés no gramado, minha raiva incandescente se transforma em uma camada grossa de gelo afiado. O cheiro característico da casa alcança minhas narinas e reaviva as memórias obscuras de minha infância. Essa é a primeira vez que venho aqui depois de dez anos. Ao olhar para a porta da frente, ornamentada no melhor estilo ‘antiga França’, consigo me ver com 18 anos, saindo com apenas uma mala, enquanto minha mãe chorava, implorando para que eu ficasse. Logo atrás dela estava Christopher, com 11 anos, sorrindo. Finalmente ele teria a atenção que tanto queria. E uma pequena Ireland, com apenas sete anos, que estava sentada no gramado brincando com sua casinha de bonecas, me olhava de olhos arregalados. Ela não estava entendendo nada. Meu padrasto ainda tentava me convencer, mas em vão. Eu não tinha motivo algum para permanecer ali. Era como viver dependurado de um abismo.
Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos e me concentro em encontrar Eva em meio à multidão.  Há funcionários, artistas contratados e parceiros da Vidal Records aqui, entre outros convidados. Alguns estão cientes da minha presença, mas não ousam se aproximar. Estou exalando hostilidade. Sigo em frente observando todos os cantos. Vejo minha mãe, bela e bem vestida como sempre, dando uma atenção exagerada a um convidado, e meu padrasto escorado no bar, cercado de belíssimas mulheres e, para a sorte dele, nenhum delas é Eva. Christopher está perto do labirinto de plantas, provavelmente jogando seu charme barato na pobre moça que sorri exageradamente para ele.
Andando mais um pouco, me atento para a marquise, onde a banda começa a tocar o prelúdio de “Come Fly With Me”. A cantora entoa os primeiros versos e, de repente, Eva e Cary saem deslizando pela pista, numa sincronia perfeita. Meu Deus como ela é linda! Fico paralisado, apenas observando, admirado. Todos se afastam e formam um semicírculo ao redor deles. O refletor foca apenas os dois, e a luz forma uma áurea em torno de Eva, seus longos cabelos dourados brilham, e ela se transforma em um ser celestial, em um... Anjo. O meu anjo. O desejo se alastra pelo meu corpo ativando todas as minhas terminações nervosas que estalam como fios desencapados.  Eu a desejo como nunca. Eu preciso tê-la agora. Mas não aqui, não nesse inferno. A música acaba e todos aplaudem. Eles se inclinam para fazem uma reverência ao público. Me aproximo mais da pista de dança, e fico no campo de visão de Eva. Quando ela se vira, seu olhar encontra o meu. Assustada, ela dá um passo trôpego para trás. A raiva e a frustração se misturam dentro de mim e ressoam por todo o meu corpo. Seu olhar vai da surpresa para o desejo e, por fim, a incerteza.
Ela sabe que está encrencada.




Ai, tadinho, né? Dá vontade de pegar no colo... O que acharam? Próximo capítulo vai dar muita raiva em vocês. Teremos outro personagem dando sua própria visão dos fatos. Alguém desconfia/se lembra de quem é? Domingo tem mais gente! Até mais bom fim de semana!

Nenhum comentário: