quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Para Sempre Minha: Capítulo 13 — Verdades Ocultas (Bônus)

PEÇO QUE, POR FAVOR, SEMPRE LEIAM AS NOTAS DOS CAPÍTULOS. NÃO VOU RESPONDER A NENHUMA PERGUNTA SOBRE O QUE EU JÁ TIVER ESCRITO.
Oi pessoal, desculpem o atraso! Mas o capítulo tá aqui. Desculpe a todos que estavam esperando, mas ó, tá lindão aqui geral. Como vocês perceberam, esse capítulo é um bônus, o que significa que teremos um outro personagem dando sua versão dos fatos. Quem será?
Só lendo para descobrir! Boa leitura!





A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem.

− Epicuro



Narrado por Shelley Graves

"Uau", Richard Michna, meu parceiro, disse ao estacionar em frente à imponente mansão.

Não pude deixar de compartilhar da sua surpresa. Quando vimos o corpo de Nathan, reparamos nas roupas gastas, até mesmo esfarrapadas, que ele usava. E então descobrimos que ele era um riquinho. O que diabos aquilo significava?

Havia um jardineiro do lado de fora que, assim que nos viu, arregalou os olhos. Provavelmente deve ter notado a viatura.

"Bom dia", disse se aproximando do portão. "Em que posso ajuda-los?"

Fiz as apresentações de praxe e pedimos para falar com o dono da casa. Pelo interfone ele avisou a alguém para abrir o portão e avisar a Nicholas Barker que queríamos falar com ele. Entramos, e não pude deixar de notar o belo jardim, que ficava ainda mais bonito refletido pelo sol do começo da tarde. Parecia uma pintura.

Minutos depois, estávamos dentro da mansão. Ver o nível de luxo daquele lugar me fez ficar com a pulga atrás da orelha sobre o tipo de relação que Nathan e o pai tinham. 

A empregada nos avisou que chamaria o patrão e nos ofereceu algo para beber. Tanto eu como Michna recusamos. Era tudo de tão alto nível que tínhamos receio de até mesmo quebrar alguma coisa ali. Meu salário não pagaria sequer uma das taças de cristal que ele deve reservar para visitas. 

Instantes depois, um homem de estatura mediana, cabelos grisalhos e rosto um tanto castigado pelo tempo, apareceu no portal da sala de estar. Ele vestia um terno preto caríssimo, camisa de algodão branca e uma gravata vermelha de seda. O homem exalava elegância. Mas, o que me chamou a atenção foram suas feições. Nathan era uma versão bem mais jovem de seu pai. 

"Bom dia, detetives", saldou polidamente com um ligeiro porém perceptível sotaque sulista. "Por favor, sentem-se. Espero que meus empregados tenham lhes recebido bem. Já beberam algo?"

"Obrigada, senhor Barker. E sim, fomos muito bem recebidos. Sua empregada nos ofereceu água, mas recusamos. Estamos bem. Viemos trazer notícias sobre seu filho, Nathan Barker".

O homem empalideceu. Parecia que iria vomitar a qualquer instante. Fiquei preocupada que ele fosse ter um ataque cardíaco. Olhei de relance para Michna, que ficou alerta. 

"Senhor Barker?" chamei.

Ele balançou a cabeça e nos olhou, com os olhos injetados de raiva. 

"Eu não tenho filho e já faz muito tempo".

Franzi o cenho, achando estranho a forma indiferente e fria com a qual ele se referiu ao próprio filho.

"Ele está morto", Michna falou pela primeira vez.

A carranca brava no rosto de Barker foi substituída pelo choque. Olhei novamente para meu parceiro, dessa vez de forma incisiva, mas ele apenas deu de ombro discretamente.

O senhor Barker se sentou pesadamente em um de seus sofás de camurça, parecendo não acreditar no que acabara de ouvir. Em seguida, para total choque meu e de Michna, ele tampou o rosto com as mãos e começou a chorar descontroladamente, perdendo toda a compostura de outrora.

Ficamos em silêncio enquanto o homem desabafava. Nestas horas, o melhor é deixar que a pessoa tome o tempo necessário para extravasar e se recompor. 

Depois de um tempo ele parou, respirou fundo e voltou a olhar para nós. Seus olhos estavam vermelhos e seu rosto estampado de alívio.

"Graças a Deus", ele manifestou com um suspiro.

Tanto eu como Michna franzimos o cenho nesta vez. Ficou claro que pai e filho não se davam bem, mas não a ponto de o próprio pai se sentir aliviado com a morte do filho. Aquilo me fez cogitar a hipótese de estarmos diante de um suspeito.

"Senhor Barker, não estou entendendo como o senhor pode se sentir assim sabendo que seu filho morreu. Por favor, nos explique isso", fui direta.

Ele parece ter acordado de um torpor e nos olhou mais atentamente. De repente, ficou agitado.

"Não, eu não tive absolutamente nada a ver com isso. Faz quase dez anos que não o vejo. Eu o expulsei de casa depois do que aconteceu. Aquele depravado destruiu minha família".

Aquilo estava cada vez mais estranho. "O que ele fez, senhor Barker?" 

Ele fechou os olhos e uma expressão de dor atravessou seu rosto, aprofundando ainda mais suas linhas de expressão. "Nathan estuprou a filha de minha ex-esposa por quatro anos seguidos", disse com dificuldade. "Ele tinha doze anos e ela dez quando tudo começou".

Eu vi e ouvi muitas coisas chocantes estando na Homicídios e trabalhando nas ruas. Aprendi que nunca paramos de nos surpreender nesta profissão. E, quando se trata de crianças, além da surpresa, sentimos o dobro de revolta e tristeza. 

A revelação do pai de Nathan trouxe mais cedo a luz que se acenderia ao longo da investigação. Quando entramos no quarto de hotel onde o corpo foi encontrado, achamos várias fotos de uma mulher loira, bonita e aparentemente rica, além de vários nomes e endereços de lugares, horários e muitos detalhes do que deveria ser a rotina dela. Descobrimos que se tratava de Eva Tramell, herdeira de uma proeminente família da elite nova-iorquina. Uma das legistas nos contou que ela era a namorada de Gideon Cross, que inclusive é dono de três prédios na mesma rua do Departamento de Polícia. Já tínhamos dois suspeitos. 

Entre as fotos, encontramos as de um outro jovem, identificado como Cary Taylor, amigo e colega de apartamento de Eva. Havia uma denúncia de agressão da qual ele era a vítima. Entendi, então, que era muito provável que Nathan fosse o responsável aquilo.

A perícia coletou tudo e eu e Michna tratamos de procurar a família de Nathan. Esta é a regra número um do procedimento com homicídios: avisar aos parentes da vítima, caso houverem. Por esta razão, nossa primeira parada foi a casa dos Barker.

Por ter razões de sobra para matar o próprio filho, Nicholas Barker não foi descartado como suspeito, mesmo tendo um álibi para a noite do assassinato (ele esteve na Grécia para uma reunião de negócios). Afinal, o que o impediria de contratar alguém para fazer o trabalho? O homem praticamente nadava no dinheiro.

Meu instinto, porém, dizia o contrário. E Michna concordava com ele. Nicholas Barker ficou tão surpreso com a morte de Nathan, e sua reação fora verdadeira, bem como seu choro. Ademais, ele foi muito colaborativo e, ainda que falar do que aconteceu a Eva lhe trouxesse a tona o sofrimento e a culpa, ele nos contou tudo o que precisávamos saber. 

Antes de sairmos da casa, com a promessa de Barker de nos ajudar em tudo o que precisássemos, ele apertou nossas mãos e disse:

"Obrigado detetives. Saber que aquele demônio não está mais nesse mundo foi a melhor notícia que já recebi em anos, mesmo que eu já o considerasse um homem morto há muito tempo. Agora estou em paz com minha consciência, e estou feliz que Eva finalmente teve justiça. Dinheiro nenhum paga os anos que ela sofreu nas mãos dele". 

O fato de ele ter ficado aliviado com o desfecho, dadas as circunstâncias, não me assustou, e nem a felicidade genuína que brilhava de forma indisfarçável em seus olhos ao saber que seu filho estava morto. O que realmente me arrepiou da cabeça aos pés de pavor foi o fato de este último sentimento ser muito maior do que o primeiro.

...

 
Da mansão dos Barker, voltamos à delegacia para reabrir o inquérito lacrado sobre o caso de Eva Tramell, bem como pesquisar outros possíveis suspeitos.

Não vou negar que senti certa satisfação em saber que mais um estuprador havia partido desta para a melhor. Ainda mais depois de ver os relatórios médicos. Eva tinha apenas quatorze anos quando sofreu o aborto. Fora isso, havia as várias feridas anais e vaginais do último abuso e cicatrizes dos anteriores. Ela sofreu em silêncio por quatro anos. E, muito provavelmente continuaria a sofrer se não fosse o sangramento. 

Os vídeos e as fotos eram ainda mais perturbadores. Não consegui olhar para nenhum deles por muito tempo. Nathan era um demônio em forma de pessoa. Michna ficou ainda pior do que eu e isso era de se esperar, já que ele tem uma filha de 10 anos.

Eva Tramell tinha motivação mais do que suficiente para matar o desgraçado. Talvez a maior interessada de todos os demais, embora não pudéssemos realmente descarta-los. Ela se tornou nossa suspeita número um. Logo após, vinha Richard Stanton, seu atual padrasto, que comprou o silêncio de muitas pessoas para que a história não vazasse para a imprensa. Seria muito vantajoso tê-lo fora de circulação, afinal, Nathan estava rondando, ameaçando revelar um segredo mantido longe dos olhos do público com muito esforço e, claro, dinheiro.

Cary Taylor, também seria um suspeito se não estivesse debilitado demais para cometer um crime como aquele. Pelo que li no relatório médico, suas lesões não o permitiam sequer se equilibrar em seus próprios pés. Quem fez o que fez com Nathan, sabia exatamente o que estava fazendo, e o fez com uma precisão de especialista.

Monica Stanton não seria capaz de matar uma mosca sequer, pelo que pude saber. Nem mesmo mandar alguém fazer isso. Mas alguém que trabalha para ela e para o marido, poderiam: Clancy, motorista e guarda-costas. Ele sim tem calibre e experiência de sobra para matar alguém. Sua ficha é bastante impressionante. Definitivamente, o considerei um suspeito.

Por fim, o último, mas não menos importante: Gideon Cross. O namorado de Eva.

E meu instinto me alertou para estuda-lo com cuidado.

Não foi nada difícil achar coisas sobre ele e Eva. Na verdade, a imprensa parecia alimentar certo fascínio pela relação dos dois, que era acompanhada com fervor por uma audiência ávida por notícias. O príncipe de Nova York e a dondoca do Upper West Side. Uma verdadeira novela mexicana com direito a quentes demonstrações públicas de afeto e discussões dramáticas regadas a lágrimas e beijos desesperados.

Fomos ao apartamento dela no mesmo dia, à noite. E, qual não foi minha surpresa ao encontrar ninguém menos que Gideon Cross por lá.

...

"Eva Tramell", eu disse, entrando no apartamento luxuoso, assim que a porta foi aberta. "Sou a detetive Shelley Graves, da polícia de Nova York. Esse é meu parceiro, detetive Richard Michna. Sinto muito incomodar a senhorita a esta hora numa sexta".

"Olá", ela me cumprimentou de volta, educadamente.

Um homem alto, moreno, de feições latinas, que parecia ter pouco mais de quarenta anos fechou a porta. Eu o observei atentamente e, antes que eu pudesse dizer algo, Michna se manifestou pela primeira vez.

"Você é da polícia?"

"Da Califórnia", ele explicou. "Estou aqui de visita. Eva é minha filha. De que assunto vieram tratar?"

Ah, sim. Victor Reys, pai biológico de Eva, que curiosamente não leva seu sobrenome.

"Gostaríamos de fazer algumas perguntas, senhorita Tramell", informei, satisfeita por ele ter retornado ao ponto que queríamos sem rodeios. Olhei para o outro homem moreno da sala. "E para o senhor também, senhor Cross".

Ele nada disse. Ficou apenas em silêncio, me observando seriamente.

"É sobre Cary?", Eva perguntou.

Olhei de relance para o jovem machucado e engessado que estava sentado em uma cadeira de rodas. "Por que não sentamos um pouco?"

Todos nos encaminhamos para a sala. Eva e a adolescente que reconheci como sendo Ireland Vidal, meia-irmã de Gideon, foram as únicas a se sentar. O restante de nós preferiu ficar de pé. O pai de Eva empurrou a cadeira de Cary.

"Belo apartamento", comentou Michna.

"Obrigada", ela respondeu olhando para Cary, sem entender o que estava acontecendo.

"Faz quanto tempo que você está na cidade?", Michna se dirigiu ao pai de Eva.

"Só vim passar o fim de semana".

Lancei um pequeno sorriso para Eva. "Você vai com frequência à Califórnia visitar seu pai?" Era um álibi possível.

"Só faz alguns meses que mudei pra cá".

"Fui pra Disneylândia uma vez quando era criança", contei, apenas para preencher a conversa. "Já faz um bom tempo, claro. Mas sempre quis voltar lá".

Eva me olhou com a testa franzida, não entendendo meu comentário.

"Temos umas perguntinhas bem simples pra fazer", disse Michna, puxando um bloquinho de anotações do bolso do casaco. "Não queremos tomar ainda mais o tempo de vocês."

Acenei com a cabeça, olhando fixamente para Eva. "Você conhece um homem chamado Nathan Barker, senhorita Tramell?"

Ela ficou pálida no mesmo instante. Tão pálida quanto Nicholas Barker ficou.

Cary soltou um palavrão, ficou de pé e, com passos vacilantes, foi até Eva e se sentou ao lado dela, agarrando sua mão. Ela ainda estava calada, parecendo em choque.

"Senhorita Tramell?" chamei, me sentando na outra ponta do sofá de canto.

"Ele era filho de um ex-padrasto dela", Cary respondeu por ela. "Por quê?"

"Quando foi a última vez que você viu Barker?", Michna perguntou.

Ela tentou engolir em seco antes de responder, mas não conseguiu. "Oito anos atrás", sua voz saiu embargada. 

"Você sabia que ele estava em Nova York?" ele continuou o questionamento. 

Eva arregalou os olhos e sacudiu a cabeça violentamente, negando.

"Mas que conversa é essa?", interrompeu Victor.

Eva começou a olhar desesperadamente entre Cary e Gideon, que permaneceu em silêncio total desde que chegamos. Ele sequer se dignou a corresponder ao olhar dela. Parecia ignorá-la completamente e aquilo me deixou intrigada.

"Senhor Cross", resolvi interpelá-lo. "E quanto ao senhor?"

"E quanto a mim o quê?" falou pela primeira vez.

"Conhece Nathan Barker?"

"Não estaria me perguntando isso se já não soubesse a resposta", ele se limitou a dizer.

Sim, eu sabia que Nathan havia o procurado no trabalho e saiu de lá com a cara toda machucada. 

Cross continuou sério, distante e frio, sem manifestar qualquer emoção diante do ocorrido ou da reação de sua namorada. 

"Existe algum motivo para todas essas perguntas?", indagou Reyes, que claramente não fazia ideia do que havia acontecido com a própria filha. 

Ela provavelmente decidiu não contar. Eu também não disse nada. Aquele não era meu segredo para contar. Cedo ou tarde ele descobriria, ainda mais sendo policial. Era questão de tempo. Decidi me focar na questão do assassinato.

"Você pode me dizer onde estava ontem, senhorita Tramell?"

"Onde eu estava?", ela repetiu. "Ontem?"

"Não responda", ordenou seu pai, que depois se virou para nós com um olhar severo e uma postura protetora. "Esta conversa só vai continuar quando vocês disserem por que estão aqui".

Michna acenou com a cabeça calmamente antes de responder. "Nathan Barker foi encontrado morto esta manhã".

A expressão no rosto de Eva e de Cary era de pura incredulidade. Ireland olhava tudo, muito assustada.

"Não temos mais nada a dizer", Victor se intrometeu novamente, bem sério. "Caso tenham mais perguntas, ela poderá responder na presença de um advogado".

"E quanto ao senhor Cross?" O olhar de Michna se voltou para o outro homem ainda de pé. "Se importaria em dizer onde esteve ontem?"

Ele saiu de trás do sofá. "Podemos conversar enquanto eu levo vocês até a saída", disse num tom que não admitia discussões, tomando as rédeas da situação, exatamente como um homem de sua posição faria.

Notei que Eva continuou a olhar para ele, mas fora completamente ignorada. O que diabos estava acontecendo?

Resolvi encerrar por ali. Anotei os telefones de Eva e, então, eu e Michna saímos sendo escoltados por Cross. 
Já do lado de fora do apartamento, Michna repetiu a pergunta. "E então senhor Cross? Vai nos dizer onde esteve?" 

"Numa festa da minha marca de vodca. Há várias fotos minhas espalhadas pela internet falando sobre isso. Podem procurar".

Eu o analisei atentamente. "E vamos. Qual a sua relação com a senhorita Tramell?"

"Só respondo mais perguntas na frente de meu advogado".

"Esteja na delegacia amanhã as nove, acompanhado dele", eu disse, me encaminhando para o elevador junto com meu parceiro. 

"Certo".

As portas de metal se abriram e entramos. "Tenha uma boa noite, senhor Cross".

Seu rosto sério e enigmático foi a última visão que tive antes das portas se fecharem.

...

No dia seguinte, Cross apareceu com seu advogado. Ainda sustentando a carranca séria de ontem. Com uma calma premeditada, ele reafirmou seu álibi, que já tinha sido comprovado. O que me incomodou foi a forma fria e indiferente como ele falou sobre Eva, mas seus olhos não conseguiam mentir. Eu podia ver que ele a amava. Na noite anterior ele até conseguira disfarçar bem, mas naquele momento, não havia dúvidas para mim de que ele sentia sim algo por ela, mesmo que não estivessem próximos, embora fosse diferente para Eva. Ela parecia não acreditar que o homem que amava estava tão distante no momento em que mais precisava de apoio. Aquela incoerência foi mais um fator que me fez ficar com a pulga atrás da orelha. 

 Cross é cauteloso, não comete erros, faz tudo de forma premeditada e executa seus planos com perfeição. Sua mente está em um patamar para poucos. 

Quando vi as fotos do evento em que ele disse estar, notei que havia uma belíssima mulher morena ao seu lado. Os dois estavam em clima de visível intimidade. O nome dela é Corinne Giroux, uma socialite casada com um empresário francês e que já foi noiva de Cross no passado. Encontrei outras fotos dos dois juntos nas semanas anteriores ao assassinato de Nathan. Eles estavam jantando e pareciam estar trocando carinhos. Para um leigo, parecia mesmo que os dois estavam mais íntimos do que amigos deveriam ser. E até eu pensava assim, embora ainda tivesse minhas dúvidas.

Porem todas as perguntas que eu tinha foram respondidas quando ele atendeu o telefone no meio do interrogatório. Um telefonema que o deixou visivelmente perturbado. Cross pediu licença e se afastou. Eu o observei atentamente enquanto Michna conversava com o advogado dele. 

Foram apenas dois minutos de ligação. A expressão em seu rosto mudava gradativamente. De perturbação para dor. Uma dor tão forte e desoladora que fez meu próprio coração se apertar. Era exatamente o que eu sentia ao ter que dizer para mães, pais, maridos, esposas, irmãos, avôs, avós, tios, primos e amigos que seus entes queridos nunca mais voltariam. 

E quando ele desligou o telefone, foi ainda pior. Gideon Cross estava a ponto de chorar. E eu soube, ali, que o homem que matou Nathan Barker estava diante de meus olhos. Mas o cordeiro do sacrifício havia sido ele próprio. 


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Muitos pensam que ser policial significa apenas proteger a população, perseguir e prender bandidos. De fato, este é o princípio básico da profissão. Mas prender alguém envolve uma série de fatores. É preciso conhecer o meliante, seu passado, seu presente, sua personalidade. Fazer uma profunda pesquisa sobre seu círculo de convivência. E, claro, é preciso pensar como ele pensaria, deduzir e simular seus métodos de ação. Fazer uma rede de conexões, buscar causas, possíveis parceiros ou mandantes. Resumindo, não é fácil.

Sete anos trabalhando nas ruas de Nova York, e mais cinco passados na divisão de Homicídios, me fizeram conviver com todo o tipo de pessoa que se pode imaginar. Sei muito bem a diferença entre os bons e os maus. Fui treinada para isso. E eu sou muito boa nisso. 

O problema é que Gideon Cross não é nem uma coisa, nem outra. 

Magnata, homem de negócios bem sucedido, frio, sério, impenetrável, possessivo. E implacável. Do tipo que não leva merda de ninguém para casa e com um enorme senso de destemor. O tipo de homem que não hesitaria em fazer o que quer que fosse para defender o que é seu. Mas, o que mais impressiona em seu histórico é a enorme diferença entre ele e seu pai, Geoffrey Cross. Meu pai, hoje aposentado, foi um dos que estavam na caça do homem que montou um dos esquemas financeiros mais sujos que o país já viu. Centenas de famílias ficaram à beira da miséria ao deixarem todas as suas economias nas mãos dele, algumas pessoas até cometeram suicídio movidos pelo desespero. O desgraçado embolsou mais de cem milhões de dólares. Só não contava ser traído por seu próprio comparsa que, vendo que a coisa estava desandando, teve medo de acabar preso e decidiu abrir o bico, fazendo cópias de vários documentos que comprovavam a farsa e vendendo para o The New York Times. 

O inferno desatou sobre a terra depois que a notícia ganhou matéria de capa e mais de cinco páginas explicando todo o esquema. 

Somente depois que me formei na academia, é que meu pai finalmente me contou em detalhes o ocorrido. Ele disse que nunca irá esquecer o dia em que ele e seus parceiros foram até a mansão Cross para efetuar a prisão. Elizabeth, esposa de Geoffrey, estava em prantos. Os empregados, absurdamente assustados e estáticos. Mas o que mais chamou a atenção, foi a criança que olhava tudo com olhos arregalados. 

"Eu senti tanta pena daquela criança", ele disse, com um olhar distante, enquanto me contava sobre o caso. "Se eu pudesse evitar que ele visse o pai indo para a cadeia eu não teria hesitado. Nenhuma criança merece passar por isso".

Mas o que ele não esperava é ver o corpo de Geoffrey Cross estirado no chão, com um tiro na boca. A arma com o silenciador estava caída ao seu lado. Assim como Hitler, ele havia encontrado na morte uma forma de fugir da consequência de seus atos. Este fardo recaiu sobre sua família, que foi hostilizada pelas vítimas do esquema, bem como por outras pessoas indignadas. 

Maldito bastardo covarde. 

Claro que a criança não sabia de nada. Ele tinha chegado da escola depois que o corpo de seu pai havia sido descoberto pelos empregados. A primeira coisa que fez foi correr para o escritório para vê-lo, como sempre fazia, mas não permitiram, apenas disseram que ele tinha saído. A pobre Elizabeth não sabia o que fazer a não ser chorar. A situação era caótica e insuportável. 

O jovem e brilhante bilionário, dono de metade de Nova York e de tudo que gritava diversão de luxo no país e em algumas partes do mundo, em nada lembrava o garotinho assustado de anos atrás. Ele não se deixou abater pelos erros de seu pai, determinou a si mesmo que não ia mais pagar por eles e tirou seu sobrenome da lama. O homem é a confiança e ética em pessoa. Nunca deveu nada a ninguém, nunca teve sequer uma multa de estacionamento, sua ficha na polícia é cristalina de tão limpa. Os empregados só sabem elogiá-lo, sobre o quanto é generoso nos salários e bom patrão, apesar de extremamente exigente e educadamente distante. Ajuda centenas de instituições de caridade (o que é de se esperar de alguém tão rico quanto ele), tem uma fundação beneficente própria, o que também não é uma surpresa. O que me deixou sem palavras foi o que descobri em uma pesquisa mais apurada: depois que ficou rico, Cross deu assistência para todas as famílias que não conseguiram se recuperar do rombo que seu pai causara. E não deixou isso vazar para a imprensa, sinal claro de que ele não é de se vangloriar. 

Como eu poderia colocar alguém assim na cadeia? 

Eu tinha ligado todos os pontos, tinha traçado todo o seu plano, feito contas e mais contas de horários, descoberto tantos detalhes que faziam sentido, mas que nunca poderiam ser provados.

Por fim, eu literalmente, queimei minhas anotações. Porque ficaria correndo atrás de justiça por alguém que sequer merecia misericórdia? Além disso, Cross teria que lidar com sua própria consciência. Ele matou por amor, mas isso não muda e nunca mudará o fato de que ele cometeu um crime.

Um tempo depois, encontrei Eva Tramell na mesma academia onde treino. Eu queria ter falado com ela antes, mas não podia. Naquele dia, eu estava de folga e poderíamos conversar como duas civis. Nunca acreditei em destino. No entanto, pela primeira vez, eu tive que dar o braço a torcer.  Ela parecia deveras cautelosa ao meu redor, mas acabou aceitando meu ouvir. Então contei-lhe toda a minha teoria sobre Cross ter assassinado Nathan por ela. 
Seu amor por ele era nítido, assim como seu sofrimento por ficar longe dele. E a recíproca era verdadeira. Nathan havia lhes infernizado. No fim das contas, eles mereciam viver em paz. 

Mas eu ficaria atenta a qualquer prova que surgisse. Mesmo que isso significasse que Cross fosse para a cadeia. Minha fidelidade é com minha profissão. E, independente da motivação, todo crime deve ser tratado como um crime, salvo os de legítima defesa, em que a vítima corre evidente risco de morrer, o que não é bem o caso.

Para minha surpresa, novas provas surgiram. Mas estavam muito longe do que eu esperava.

...

"Máfia russa?" perguntei retoricamente, enquanto olhava as fotografias.

"Exatamente", respondeu Michna. "Meu contato no FBI me disse que Nathan estava se envolvendo mais especificamente no tráfico de mulheres. Suspeito que sua intenção era vender Eva para algum deles".

"No entanto, seria impossível fazer isso sem arrumar uma grande briga. Gideon Cross jamais permitiria que isso acontecesse".

"E é exatamente por esse motivo que Nathan ameaçou expor as fotos para o mundo. Ele se sentia dono dela, como todo estuprador se sente em relação à sua vítima. Sentia que podia fazer o que bem entendesse com sua 'propriedade', mas duvido que ele quisesse matá-la".

"Eva não está em nenhuma rede social, nem nunca apareceu na imprensa até namorar Cross. Esse anonimato seria perfeito para que Nathan agisse sem causar alarde. Com Eva em seu poder, ele poderia facilmente manipular os Stanton. Eles fariam qualquer coisa por ela", ponderei.

"Lembra quando interrogamos Richard Stanton? Ele pagou pelo silêncio de todos os que sabiam da verdade. O laudo médico da senhorita Tramell era lacrado. O processo de acusação de Nathan correu sob segredo de justiça. O homem gastou uma nota preta e não hesitaria em dar mais se o Barker quisesse", continuou.

"Se achando muito esperto, Nathan pensou que poderia manipular Cross da mesma maneira e, por isso, foi até o prédio dele exigir dinheiro em troca do silêncio".

"E saiu de lá sem dinheiro, com um belo olho roxo e com a boca sangrando", Michna balançou a cabeça. "Eu queria muito ter visto isso. Aquele Cross deve ter uma direita de matar".

Revirei os olhos. "Voltando agora a questão da Máfia, como diabos esse filho da mãe entrou nessa?" 

"Essa parte meu contato não conseguiu descobrir".

"Bom, acho que isso não importa muito no momento. Quer dizer, Nathan Barker está morto, e agora, pelo que estamos vendo, seu assassino também. O caso se fechou sozinho", joguei a pasta na mesa e bufei.

"Como você se sente sobre isso?" perguntou, sentando de frente para mim.

Como eu estava me sentindo?

Eu não fazia a menor ideia.

"Cross cometeu o crime perfeito", Michna disse baixinho, para que só eu pudesse escutar. "Não deixou marcas, nem impressões digitais, nem DNA, não foi visto entrando ou saindo do hotel e tem um álibi impossível de ser contestado".

"Fora seu perfeito teatro com a ex-noiva e o término falso".

"A senhorita Tramell não é cúmplice dele".

"Eu sei. Ele planejou tudo sozinho. As reações dela foram autenticas demais. Ela nem sabia que Nathan estava em Nova York. E o álibi dela é incontestável também. Cross garantiu que não tivéssemos nenhuma razão para colocá-la na lista de suspeitos".

"Nem a ele".

Suspirei. "Nem a ele".

"E o que faremos agora? Vamos atrás de Cross de novo?"

"Não. Ele já nem era mais um suspeito. E agora temos provas concretas que o tiram de vez da lista de possibilidades. O foco da investigação mudou", eu me levantei e comecei a recolher minhas coisas, pronta para ir embora. "Peça ao seu contanto para mandar tudo o que ele souber desse cara. Então, faremos uma nova visita à Eva Tramell. E, quem sabe, a última".

...

Fecho os olhos e respiro fundo antes de voltar a esmurrar sem dó o saco de areia. Esse caso foi um dos mais enlouquecedores, e estou grata que está acabando. Cheguei a um acordo comigo mesma de que fiz tudo o que eu podia, mas há coisas que simplesmente não podemos fazer, ou situações que não podemos reverter. 

Por outro lado, não tenho tanta certeza de que a história realmente terminará aqui. Alguém sabe do que Gideon fez. Alguém entrou naquele quarto de hotel logo depois que ele se foi, e pegou a pulseira do pulso de Nathan. Convenientemente, o homem que estava com a pulseira no braço, o suposto assassino, havia sido morto pelo próprio comparsa. Fim de história. A justiça fora feita, ninguém seria preso. O fechamento perfeito.

E a pessoa sabe muito bem disso.

O que me intriga são as motivações que levaram ele (ou ela) a livrar a cara de Cross assim, sem mais nem menos.

Só consigo pensar em duas possibilidades: ou Gideon Cross tem um grande benfeitor esquentando suas costas, ou um credor que só está esperando a primeira oportunidade para cobrar o favor. 



E aí??? Quem gostou da detetive Graves dando o ar da graça? Há um tempo eu queria escrever a visão dela e achei que esse era o momento perfeito. Vocês gostaram?? Me digam nos comentários, por favor. Obrigada a todos pelas mensagens, pela participação e carinho! Leio tudo o que vocês escrevem, viu? 
Agora vou dar uma pausa de dois dias para descansar os braços e as mãos (que estão queimando de tanto escrever), e depois volto as atividades. Teremos capítulo em breve, mas não darei uma data certa. Porém posso garantir que teremos mais uns dois ou, quem sabe, três capítulos para este mês, certo?

Um grande beijo a todos e até a próxima!


2 comentários:

Paula Gonçalves disse...

Ameiiii, vc é demais!!!!

VALERIA disse...

OI TAMMY, BOA TARDE!
EU ADORO CADA VEZ MAIS OS CAPÍTULOS QUE VC TEM POSTADO, ME DELEITANDO COM NOSSO AMADO GIDEON.
E DEVO ANUNCIAR QUE HENRY CAVILL NÃO PODERIA SER MAIS QUE PERFEITO COMO O ESCOLHIDO PARA INTERPRETAR. MEU PARABÉNS A PARAMOUNT POR ESCOLHE-LO E ACRESCENTO QUE MAU ME AGUENTO DE TANTA ANSIEDADE PRA VÊ-LO NA TELINHA PERSONIFICANDO NOSSO "CEO DAS INDÚSTRIAS CROSS"