sábado, 3 de setembro de 2016

Para Sempre Minha: Capítulo 22 ― Prêmio de Consolação (Bônus)

ATENÇÃO: LEIAM O CAPÍTULO ANTERIOR ANTES DE LEREM ESSE, POIS EU ACRESCENTEI OUTRAS COISAS AO FINAL. EU INDIQUEI LÁ MESMO NO CAPÍTULO A PARTIR DO QUAL PARTE OS ACRÉSCIMOS COMEÇAM, ENTÃO NÃO VAI SER NECESSÁRIO RELER TUDO. É IMPRESCINDÍVEL QUE VOCÊS SE ATUALIZEM, PARA NÃO FICAR FALTANDO INFORMAÇÃO. 
Oi, gente! Tudo bem! Bem-vindos a mais uma sessão da #Gideonterapia! 
Pelo título, vocês viram que se trata de um capítulo bônus. E o que isso significa? Ponto de vista de outro personagem! E hoje, vocês entraram um pouco na mente do francês mais metido à besta e antipático de todos os tempos: Jean-François Giroux, carinhosamente chamado por mim de Jean Enjoado Giroux.  
Espero que gostem! E, por favor, leiam as notas finais!
Boa leitura!

 

O maior covarde é aquele que se esconde atrás do orgulho para fugir de si mesmo.
― Simone Brantes
Narrado por Jean-François Giroux
Quando me casei com Corinne, imaginei uma vida completamente diferente para mim. Eu me via conseguindo fazê-la deixar de pensar em seu passado para se dedicar a construir um futuro ao meu lado. Eu a via abrindo seu coração para mim aos poucos. Eu nos via fazendo planos para viagens, festas e até mesmo para começar nossa família. Eu sonhava em ter uma linda menininha, com os olhos tão azuis quanto os dela, para poder mimar e amar.
E eu não poderia ter me iludido mais.
Nunca tive noção alguma do tamanho do fantasma que Gideon Cross era entre mim e minha esposa até nos casarmos. Ele era muito maior do que nossa união, muito maior do que minha vontade de fazer dar certo. Muito maior do que meu amor por ela. E, claro, muito maior que o amor de Corinne por si mesma.
Chegava a ser patético vê-la saltitante de felicidade quando ele atendia seus telefonemas, já que o próprio nunca ligava. Nos dias (na maioria deles) em que não conseguia fazer contato, ela ficava deprimida, como se estivesse sofrendo com a morte de alguém. E eu, como um completo idiota, me vi fazendo de tudo para que me notasse, para que enxergasse que eu estava ali, pronto para lhe oferecer o amor que Cross nunca seria capaz de dar.
A relação deles era unilateral desde o começo. Ele nunca a amou de verdade. Afinal, um homem na posição dele jamais namoraria uma mulher por anos e deixaria que ela lhe pedisse em casamento. É possível existir coisa mais absurda?
Mesmo quando eu lhe mostrava, casualmente, as dezenas de mulheres com quem Cross era visto, Corinne não cedia. Acreditava que, o fato de elas serem tão fisicamente parecidas com ela, era um sinal de que ele não a havia esquecido, de que a estava procurando em outras mulheres. Chegava a ser assustador.
Cross é um cretino sem escrúpulos. Eu podia jurar que ele fazia isso deliberadamente para mantê-la em suas mãos; ele é do tipo que não gosta de sair por baixo.
Quando Corinne voltou para Nova York, logo após a publicação da notícia de que ele estava namorando Eva Tramell, uma parte de mim quis ir atrás dela. A outra, mais orgulhosa, quis que ela fosse. Assim, ao ver com os próprios olhos e sentir na pele o desprezo de Gideon, ela voltaria e, finalmente, seria mais devotada ao nosso casamento.
Esperei por semanas. Não liguei e nem mesmo respondia à única ligação que ela me fez. Apenas aguardei ansiosamente seu retorno. Mas tudo foi em vão, quando minha irmã apareceu em minha casa aos berros, dizendo o quanto odiava Corinne e o fato de termos nos casado. Em suas mãos, ela trazia seu tablet, onde me mostrou fotos de minha esposa e de Cross em dois momentos: jantando juntos em um restaurante, e em uma festa em um hotel de luxo. Em ambas, eles mostravam visível intimidade.
Eu nunca havia ficado tão furioso em toda a minha vida. Aquele desgraçado estava a iludindo novamente! Claro, ele sempre fazia isso, mas sair com ela e ainda por cima em público foi um golpe muito baixo. Os tabloides europeus tiveram seus dias de glórias às minhas custas. As pessoas sussurravam pelas minhas costas. Minha irmã continuava a gritar em minha cabeça o quanto fui idiota de ter me casado com Corinne sabendo que ela era apaixonada por outro e meu pai, claro, fez questão de dizer que eu era uma enorme decepção e que, graças a Deus, minha mãe não estava viva para experimentar tamanho desgosto.
Eu tinha virado uma piada. Uma maldita piada!
Flashback
O dia de trabalho havia sido intenso. Eu não parei por um segundo sequer. Mas estava disposto a dar um tempo de toda aquela loucura, pois havia algo muito mais precioso que estava em jogo: meu casamento. Corinne estava a cada dia pior. Sempre deprimida, triste e, por muitas vezes, se debulhando em lágrimas pelos cantos da casa, com o telefone colado ao ouvido. E aquilo me deixava mais furioso do que preocupado, pois eu sabia que não havia nenhuma razão no mundo capaz de deixá-la daquela forma. Minha esposa estava cega. Cega de amor. Por outro homem.
Como ela poderia amar tanto alguém que não se importava com seu bem-estar? E pior: como alguém poderia ser tão cruel a ponto de dar esperanças para uma pessoa a quem claramente não quer por perto? Só eu que percebia que aquele patife americano só estava brincando com o coração de uma mulher que merecia muito mais? Eu sempre estive disposto a dar mais a ela, desde a primeira vez que a vi. E, quando finalmente pensei que teria minha oportunidade, me deparei com as maiores decepções da minha vida. Uma sucessão delas.
Eu havia me casado com a mulher por quem sempre fui apaixonado, não é? Meu amor seria o bastante para curá-la, para fazê-la feliz, não seria? E, com a convivência, seus sentimentos em relação a mim iriam mudar.
Fiquei repetindo isso para mim mesmo por várias vezes enquanto o reverendo fazia seu pequeno sermão em nosso casamento. Eu só tinha olhos para minha bela noiva. Mas os seus insistiam em se desviar para todos os lados, por entre nossos convidados, buscando ansiosamente por outra pessoa. E assim ela permaneceu até que apertei suas mãos suavemente, chamando-lhe de volta para nossa cerimônia, porque era óbvio que ela não estava ali. O padre havia feito a grande pergunta, a qual eu respondi positivamente. Seus olhos de água marinha se voltaram para os meus, completamente entristecidos e desapontados enquanto sussurrava um desanimado 'sim' diante da pergunta dirigida a ela.
Meu coração se contraiu dolorosamente àquilo. Mas mantive minha fé (que hoje enxergo como teimosia) e continuei dizendo a mim mesmo que tudo ficaria bem.
Mas não ficou.
Percebi que fazendo de tudo para agradá-la, como quando fazia durante nosso noivado, eu não ganharia nada. Então, passei a simplesmente ser indiferente. Talvez, notando que eu não estava mais disponível para ela, eu receberia o valor devido.
Não. Tudo ficou na mesma. Até um pouco pior.
Passamos quase três anos nisso. Tentei de tudo, até mesmo terapia de casal, e não deu certo. Eu já estava no limite do desespero, quando vi o que parecia a luz do fim do túnel: de acordo com os tabloides, Gideon Cross estava em um relacionamento sério. E, ao ver a foto dos dois, que estavam se beijando em público, pude sentir que, desta vez, era diferente. Principalmente porque a mulher em questão, não lembrava em nada a minha esposa, ao contrário das outras. Ela era loira, baixinha, de corpo curvilíneo e olhos verde-acinzentados.
De repente, as crises de depressão de minha esposa fizeram todo o sentido pra mim: o homem que amava estava com outra mulher. Corinne tinha se dado conta de que Cross não tinha qualquer intenção de tê-la de volta, ainda que estivesse mantendo uma relação de amizade. Eu sempre soube que ela estava apenas esperando para que ele dissesse que a queria de volta. No dia do nosso casamento, era por ele que seus olhos buscavam. Ela esperava que seu ex fosse aparecer no último minuto, para impedi-la de se casar comigo.
Mas eu não estava pronto para desistir ainda. A tal Eva Tramell lançou luz a uma nova perspectiva. Talvez, finalmente, Corinne me desse uma chance. A partir disso, surgiu a ideia de fazer uma viagem para as Ilhas Maldivas. Há tempos ela manifestou a vontade de ir até lá, mas nunca conseguimos por causa do meu trabalho.
Já estava tudo pronto e eu queria surpreendê-la. Eu tinha esperança de que, se ficássemos completamente sozinhos, poderíamos conversar com calma e resolver nossos problemas.
Cheguei em casa cansado, mas ansioso para falar com ela sobre nossos planos para o fim de semana. Encontrei Fleur, minha governanta de anos, na sala de estar, andando de um lado para o outro, murmurando coisas incoerentes.
"Fleur?" eu a chamei.
Ela parou abruptamente e me olhou. Pela primeira vez, eu havia visto a mulher taciturna e rígida que praticamente havia me criado, me olhando com verdadeiro pânico e, por consequência, me deixando em pânico também. Corinne foi a primeira pessoa que passou pela minha cabeça. Alguma coisa tinha acontecido, e envolvia minha esposa.
"Où est ma femme? (Onde está minha esposa?)" perguntei largando a pasta na mesinha de centro.
Ela disparou a falar. "Elle était très nerveux, en disant qu'il voulait partir. Puis il fait ses valises et partit..." (Ela estava muito nervosa, dizendo que queria ir embora. Então arrumou as malas e saiu...).
Mas eu já não a escutava. Subi as escadas correndo e, em segundos, eu já escancarava a porta de nosso quarto. A cocha de nossa cama estava um pouco amassada e a penteadeira, uma bagunça. A porta do closet de Corinne estava aberta e, com as pernas tremendo, fui até lá.
Quando olhei mais atentamente, percebi que as únicas roupas que ela havia deixado para trás eram as que eu tinha lhe dado. Abri suas gavetas. Todos os lingeries que lhe comprei, assim como as joias, estavam ali. Era como se, dessa forma, ela estivesse se desvencilhando de mim, me excluindo totalmente de sua vida. Mas o pior ainda estava por vir. Na última gaveta que abri, estava o anel de noivado e a aliança de casamento, ambos dentro da caixinha de veludo vermelho. E, ao lado, uma folha de papel com três frases.
Eu lamento muito, mas não posso mais fazer isso. Meu coração nunca esteve aqui. Estou indo para Nova York para lutar pelo amor.
Fim do Flashback


Desci do jatinho, sentindo aquele cheiro horrível de poluição tão característico de Nova York. Como as pessoas conseguem viver nesse lugar imundo? Nunca senti tanta saudade de casa quanto naquele momento. Eu jamais teria vindo se não fosse extremamente necessário.
O negócio que eu e Cross fechamos poderia muito bem ser feito à distância, e só faltavam poucas coisas para acertar. Foi uma negociação simples. Ele queria a vinícola e eu o cassino. Só isso. Eu não queria me envolver com ele, mas foi inevitável. Tenho que admitir que, no mundo dos negócios, seu talento e competência são inegáveis.
Corinne pesou imensamente na decisão de vir para a América. Eu já viria de qualquer forma, mas tive que adiantar minha viagem quando Cross me ligou dizendo que ela estava tomando antidepressivos que a estavam deixando instável. Ele tentou entrar em contato com os pais dela, mas aparentemente, eles estavam muito ocupados (como sempre) viajando e deixando sua única filha para trás, sem apoio nenhum.
Do aeroporto, fui direto para o local de trabalho de Cross, de bagagem e tudo. Eu queria saber em detalhes, o que estava acontecendo com Corinne antes de ir vê-la. Cheguei até lá, me identifiquei na portaria e exigi falar com ele. Demorou séculos até que me dissessem que "ele estava a caminho".
"Mon Dieu. Não é possível que os elevadores deste prédio sejam tão lentos", reclamei depois de mais um tempo. "Ninguém demora vinte minutos apenas para descer alguns andares".
"O sr. Cross está a caminho", respondeu o segurança, sem sequer se levantar da cadeira.
Eu estava pronto para esbravejar quando, de repente, tive a sensação de estar sendo observado. Eu me virei e dei de cara com uma mulher extremamente familiar. Ela era loira, baixinha, elegante e linda. Absolutamente linda.
Sim, era ela. A ex de Cross. Imediatamente me afastei do balcão e me fui em sua direção.
"Eva Tramell?" perguntei apenas para fins de confirmação.
"Sr. Giroux", ela parecia surpresa por eu a ter reconhecido, mas não fiquei surpreso por ela já saber quem eu era.
Eva estendeu-me sua mão e eu a peguei, cheguei mais perto e a cumprimentei com um beijo em cada lado do rosto. Ela não disfarçou o quanto ficou atônita com meu gesto, embora não tenha se esquivado. Na França esse tipo de cumprimento é perfeitamente normal.
"Você teria um tempinho para falar comigo?", perguntei.
Eu queria muito saber o que estava acontecendo entre ela e Cross. Isso definiria tudo em meu relacionamento com Corinne.
"Infelizmente, hoje não", ela libertou sua mão da minha com um leve puxão. "Tenho um compromisso agora no almoço, e depois preciso voltar direto pro trabalho".
"Amanhã, então?" insisti.
"Vou viajar no fim de semana. Só vou estar livre na segunda".
"Vai viajar... Com Cross?" perguntei desconfiado.
Ela tombou a cabeça para o lado, me observando atentamente. "Não que isso seja da sua conta, mas sim".
Então, eles estavam juntos novamente. E ele havia usado Corinne para tê-la de volta. Que patife!
"Você não se incomoda que ele tenha usado a minha mulher apenas para provocar ciúme e ter você de volta?" resolvi ser direto.
"Gideon é amigo de Corinne. E amigos costumam sair juntos", respondeu sem se alterar.
Sua apatia e evidente descaso me irritaram.
"Estou vendo que você é loira, mas não acredito que seja inocente a esse ponto", atirei.
Eva estreitou seus olhos para mim. "Estou vendo que você está nervoso, mas não acredito que seja cretino a ponto de achar que pode falar assim comigo".
Mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Gideon surge por trás dela a segura pelo braço delicadamente.
"Trate de pedir desculpas, Giroux", ele interveio tranquilo, porém com um leve tom de ameaça. "E desculpas sinceras".
Então, eu finalmente encarei o responsável por todas as minhas dores de cabeça. O fantasma que insistia em pairar sobre minha vida e meu casamento.
"Me deixar aqui esperando foi muita deselegância, Cross, até mesmo
para você", eu disse asperamente.

"Se fosse um insulto deliberado, você saberia", ele disse e estreitou a boca. "Estou esperando suas desculpas, Giroux. Eu sempre fui educado e respeitoso com Corinne. Eva merece esse mesmo tratamento da sua parte".
De fato, ela não merecia aquele insulto e fui muito injusto.
Apesar da tensão palpável entre nós, bem como o ódio mortal que alimentamos um pelo outro, não pude deixar de notar que os dois se deram as mãos, como se estivessem sempre juntos, sempre se protegendo mutuamente. A cumplicidade entre os dois é visível.
Em seguida, desviei meus olhos para Eva. "Pardonnezmoi", falei, baixando a cabeça de leve. "Nada disso é culpa sua".
"Pode ir pro seu compromisso", Gideon murmurou para ela, acariciando sua mão com o polegar.
Em contrapartida, Eva não se moveu. "Você devia ir atrás da sua
mulher, isso sim", ela me disse.

"Ela é que devia vir atrás de mim", corrigi.
Afinal, após tudo o que fiz por Corinne, ela deveria, no mínimo, se rastejar por mim.
"Eva", uma mulher chamou. Todos nós nos viramos para ver quem era.
Uma mulher um pouco mais velha, elegantíssima e linda. Do tipo que chama a atenção sem o menor esforço. O mais impressionante é que, quanto mais ela chegava perto, mais sua semelhança com Eva ficava evidente. Deveria ser a mãe dela.
"Melhor você ir, meu anjo", Gideon falou, me deixando intrigado com seu jeito carinhoso de chamá-la. "Só um minuto, Giroux".
Claro, eu estava irritado por ter de esperar mais um pouco, mas Eva merecia algum crédito, tanto por eu tê-la ofendido quanto pela forma destemida e direta com a qual ela me enfrentou. Ela hesitou um pouco antes de se despedir de mim.
"Tchau, monsieur Giroux", disse em um francês que beirava a perfeição.
"Srta. Tramell", falei, desviando os olhos de Gideon. "Até a próxima".
Os dois foram andando até a mulher e eu os observei atentamente. A forma como os ombros dele ficaram mais relaxados conforme vão se afastando; a maneira preocupada e afetuosa como ela o olha; os gestos meigos e a postura protetora dele em relação a ela; eles formavam um casal agradável de assistir. A interação deles era tão íntima, que conseguiam excluir qualquer pessoa de sua bolha apenas com uma troca de olhares. Pareciam que estavam juntos há anos.
Após dar um beijo terno em seu rosto e no rosto de sua sogra, ele se voltou para mim, com uma postura completamente diferente. Ele parecia calmo, distante e muito sério. Quase indiferente. Mas havia certa hostilidade em seu olhar.
A subida até seu escritório foi marcada pelo silêncio e pelo clima pesado entre nós. Não fizemos questão alguma de trocar nenhuma palavra até chegarmos ao seu andar. Quando chegamos, nos encaminhamos até sua sala. Antes de entrarmos, Cross se vira para seu secretário.
"Não passe nenhuma ligação a não ser de Eva", orientou e subi minhas sobrancelhas de surpresa. Ela era mesmo especial, para que ele parasse tudo somente para atendê-la.
Recusei a oferta de um almoço. Não queria vomitar na cara daquele imbecil. Cross também recusou a comida
"Tudo bem. Devo cancelar seu compromisso das 14h?" o secretário perguntou.
"Não pretendo demorar. Pode mantê-lo", apesar de ainda olhar para o rapaz, a mensagem implícita foi clara para mim. Ele não tinha intenção alguma de estender nossa inevitável conversa.
Como se eu tivesse algum prazer de sequer estar no mesmo ambiente que ele.
Cross abriu a porta do escritório e me deu espaço para entrar primeiro, me oferecendo algo para beber, oferta a qual recusei. Fiquei olhando para o cômodo. Luxuoso, com certo bom gosto, meio pretensioso com todas aquelas telas de tevê ligadas, mas o que esperar de um homem que se acha melhor do que qualquer ser humano na terra?
Nossa conversa foi ainda mais ríspida. Minha esposa estava depressiva e tomando remédios que a deixavam descontrolada.
"Ela apareceu no Crossfire e quase fez um escândalo no lobby", disse Cross. "Depois, começou a ligar para mim, para meus amigos e para toda a minha família. Estava completamente histérica. Você se lembra de Magdalene Perez?" ele perguntou e balancei a cabeça positivamente, me lembrando da morena de traços hispânicos que esteve em nosso casamento. "Ela me contatou pra me contar que Corinne ligou para ela, igualmente desesperada, e Magdalene foi até a casa dela, mas não chegou nem a entrar porque Corinne a escorraçou como um cachorro. Então, Maggie me ligou".
"Mon Dieu (Meu Deus)", sussurrei, ficando cada vez mais chocado com seus relatos.
Ele mencionou ter tentado entrar em contato com os pais dela, porém eles estavam viajando e não retornariam em menos de dois dias. Senti a raiva, desta vez direcionada aos meus sogros, possuir cada célula do meu corpo. Aqueles dois inúteis.
"Você entende agora a situação?" ele me encarou. "Ela não está bem e precisa ser acompanhada de perto. Mas não posso nem vou me responsabilizar por isso. Você é o marido dela. Você é quem tem que cuidar dela. Tudo o que eu pude fazer, eu fiz, dentro dos meus limites, mas chegou um ponto em que nós nem podemos ser amigos mais. Então optei por me afastar dela de vez".
Olhei para baixo, sentindo um aperto desolador no peito. Corinne estava completamente fora de si. Eu já tinha notado o quanto ela se sentia mal, solitária, por conta do relacionamento distante e frio que mantinha com os pais. Mas eu sabia que não era só isso. Ela nunca tinha precisado tomar remédios. Nunca precisou de tratamentos mais pesados. Isso tudo aconteceu quando ela voltou para Nova York. E, a julgar pelas datas dos eventos, ela começou a tomar a medicação logo depois saber que Cross e Eva tinham reatado a relação e que ela tinha servido apenas como uma peça no tabuleiro.
O ódio alastrou e explodiu dentro de mim. Cross havia destroçado Corinne. Reduziu seu coração ao pó. Tratou sentimentos como se não fossem nada. Ele a usou como se fosse uma vagabunda e a deixou de lado, quando ela já não servia mais aos seus propósitos.
Voltei a olhar para ele, sentindo meus olhos queimarem. Eu estava queimando. Borbulhando de raiva. De indignação. De nojo. E de uma vontade enorme de socar-lhe a cara. Era tudo culpa dele. O pior de tudo é que sim, ele era um bastardo só de ter mantido contato com Corinne, mas eu nunca imaginei que ele pudesse usá-la de forma tão sórdida. Da sua parte, Cross tentou se defender, dizendo que nunca havia prometido nada a ela, e que se eu não tivesse sido tão orgulhoso, ela nem estaria aqui passando por tudo isso.
"Eu até cheguei a aconselhá-la a dar uma segunda chance ao casamento de vocês", disse.
De nada adiantou seus conselhos, já que ele nunca a deixou livre completamente, mantendo-a numa amizade carinhosa, sempre dando a entender que a situação deles poderia se inverter a qualquer instante. E ficou visível para mim que o que mais Eva queria era que eu levasse minha mulher embora, já que não apreciava nenhum pouco que ela e Cross tivessem tanto contato. Pela forma como demonstrou ser possessivo, eu duvidava que ele aprovasse que Eva mantivesse uma amizade similar com algum ex.
No entanto, ele continuou jogando a culpa dele em cima de mim, me acusando de orgulhoso e ainda por cima teve a ousadia de questionar meus sentimentos. Não foi só pelo orgulho que resolvi não vir atrás dela, mas porque eu queria que ela se convencesse de uma vez por todas que Cross não a amava e voltasse para mim. Era o mínimo.
"E olha só no que deu", ele balançou a cabeça. "Você fica o tempo todo apontando seus esforços, seu orgulho, seu amor. Porque não pensa um pouco nela agora? Vá cuidar de sua esposa. Ela precisa de você. Converse com ela. Veja o que o médico disse. Se for necessário, vá até ele e peça alguma orientação. Não estou brincando Giroux. O assunto é muito sério".
Por trás de minha camada de ódio, sentia suas palavras se infiltrarem em minha mente, até que somente um único pensamento me tomasse por completo: e se ela tentasse suicídio?
Questionei Cross sobre isso, embora não tivesse tido coragem de completar a pergunta. Mas eu sabia que ele entenderia. E, por mais que ele tivesse me explicado que as mudanças de Corinne foram incomuns, mas não a ponto de algo assim acontecer, eu não fiquei mais calmo. Precisava falar com ela imediatamente.
"Ela disse que iria ao médico hoje de manhã para ver se conseguiria trocar a medicação", comentou. "Melhor ficar atento às reações dela aos remédios nos próximos dias".
Eu concordei e fui embora, aceitando relutantemente sua oferta de carona. Ao sair do Crossfire, seu motorista já estava à postos me esperando. Um sujeito de traços escoceses fortes, que aparenta ter quase cinquenta anos, mas um corpo bem ágil e uma perspicácia típica de militares.
Ele me cumprimentou educadamente em um francês carregado de sotaque e se dirigiu para o volante. Em quinze minutos chegamos ao prédio de Corinne. Desci do carro, me despedindo polidamente do motorista e entrei. Na portaria, pedi ao porteiro para que me anunciasse. Ele ligou para o apartamento dela e, em seguida, minha passagem foi liberada e fui até os elevadores. Assim que as postas se abriram no andar de Corinne, me encaminho para sua porta. Antes que eu pudesse bater, a porta se abriu e minha esposa se materializou em minha frente.
Meu coração acelerou. Ela parecia ainda mais linda do que antes, embora um pouco abatida. Usava um vestido azul sem mangas e na altura dos joelhos, que realçava ainda mais a cor de seus olhos, e estava descalça. Seu cabelo preto estava um pouco revolto. Ela parecia ter acabado de chegar da rua.
"Corinne", saudei.
"Jean?" ela estava perplexa em me ver. "O que está fazendo aqui?"
"Eu gostaria de não ter esta conversa aqui fora, se não se importar".
Em silêncio, ela me deu espaço para entrar. Seu apartamento era elegante, requintado e feminino. Seu toque pessoal de bom gosto estava presente em cada detalhe do ambiente.
"Fique à vontade", disse fechando a porta atrás de si. "Quer beber alguma coisa?"
"Não, obrigado", fiz uma leve mesura com a cabeça.
"Por favor, sente-se".
Eu me sentei em uma de suas poltronas e coloquei minha bolsa de viagens no chão, ao meu lado.
Ficamos em um silêncio desconfortável por alguns instantes até que eu finalmente o que quebrei.
"Então, como você está?"
"Bem, obrigada. E você?"
Balancei a cabeça. "Decepcionado por estar mentindo para mim".
Seus olhos se arregalaram. "O que quer dizer?"
"Eu já soube dos antidepressivos. Porque não me contou?"
"Como você soube?" ergui as sobrancelhas e ela arfou. "Gideon?"
"Sim, ele me ligou ontem. Vim o mais rápido que pude. Então, porque você mesma não me contou?"
"Você não entrou em contato comigo depois que fui embora, nem me atendeu quando tentei te ligar! Achei que você me odiasse".
"Eu fiquei com raiva, e estou. Mas não te odeio. Ainda somos casados, ainda sou seu marido e ainda sou responsável pelo seu bem-estar. Eu deveria ter sido o primeiro a saber".
"Você estava longe...", eu a cortei.
"Porque você foi embora. Mas mesmo assim, eu poderia ter vindo, e você sabe disso. Não use essa desculpa".
"E o que você quer que eu diga?" ela ficou irritada. "Nós estamos separados. Eu sou responsável por mim mesma. E detesto esse seu jeito de me repreender como se eu fosse uma criança inconsequente".
"Não, você não é, mas age como uma", rebati. "E, até onde vi, ainda estamos casados, então Cross fez muito bem em me ligar".
"Eu imaginei que ele tentaria", ela parecia decepcionada. "Ele me disse que não poderia se envolver nisso".
"O que seu médico disse?" ignorei seu comentário.
"Que minha reação não foi causada pela medicação em si, mas pela quantidade, que foi diminuída, minimizando os efeitos colaterais", explicou.
"Ótimo. Gostaria de acompanhá-la na próxima consulta".
"Não vai ser necessário", me cortou. "Eu só devo voltar caso os efeitos colaterais persistam ou daqui a três meses".
"Mesmo assim, gostaria de conversar com ele".
"E o que te importa, Jean?" disse exasperada. "Acabou! Não quero mais falar sobre isso. Está tudo resolvido. Além do mais você não vai ficar tanto tempo assim".
Estreitei meus olhos em desafio. "E quem te garante que não vou ficar?"
Ela levantou de supetão. "O que quer dizer com isso?"
"Que vou ficar até ter certeza de que você não terá nenhuma recaída", eu disse firmemente.
"Não", sussurrou. "Não, você não pode ficar aqui".
Olhei bem para ela. "Porque não? Sou seu marido, oras. É meu dever...".
"Mas eu não te quero aqui", ela parecia desesperada. "Não, você não tem o direito de se meter em minha vida. Pelo amor de Deus, eu deixei você. Eu. Te. Deixei.", pontuou.
"Mas eu não", rebati secamente.
"Será que você não entende que eu não quero você? Que eu nunca quis? Onde está o seu amor próprio? Não precisa ficar aqui se rastejando por minha causa".
Seu descaso com os meus sentimentos me despedaçou, mas também me deixou muito bravo. Sem me conter, eu me levantei e disse em um tom de voz quase paternal.
"Amor próprio? Quem é você para me dizer o que é isso? Não foi você que largou toda a nossa vida em Paris para vir até aqui se rastejar por um homem que nunca te quis de verdade? Que te usou só para fazer ciúmes em outra mulher para tê-la de volta? Porque eu o vi antes de vir para cá, e a Eva Tramell estava com ele. De mãos dadas, olhando um para o outro apaixonadamente. E sabe o que ele fez, quando você ficou no fundo do poço?" cheguei mais perto. "Te jogou pro meu colo, porque agora você não tem nenhuma serventia. Então, seja agradecida por eu ainda estar aqui e por eu ainda me importar, já que nem seus pais se importam".
Mal terminei de falar e senti sua mão batendo com força em meu rosto. Esfreguei a área dolorida e olhei para ela com cólera. Seus olhos estavam cheios de lágrimas e seus lábios, trementes. Só então eu assimilei as barbaridades que lhe disse.
"Eu sinto m...".
"Vá embora!" Gritou, me surpreendendo, já que eu nunca havia a visto exaltada antes. "Sai daqui, seu monstro! Eu te odeio! Eu te odeio!" Deu um soco em meu braço. "E quer saber? Eu me rastejo pelo Gideon sim, e vou continuar me rastejando, implorando e me humilhando para ele, porque tudo isso é muito melhor do que passar uma vida vazia e monótona do seu lado! Pelo menos ele me faz sentir viva, ao contrário de você! E, mesmo com todas as suas negativas às minhas investidas, ele nunca jogou a forma como meus pais me tratam na minha cara! Ele tem muito mais caráter e sensibilidade do que você!"
Sem demonstrar o quanto suas palavras me machucaram, peguei minha bolsa de viagens e me encaminhei até a porta. Mas antes de sair, eu me virei para ela. "Lamento pelo que eu disse sobre seus pais. Não foi justo nem foi certo. Sei que isso é difícil para você. Não sabe a raiva que tenho por eles não estarem ao seu lado, principalmente agora", eu disse sinceramente, antes de endurecer a voz. "Quanto ao resto, pode se iludir o quanto quiser mon cher (minha querida). Mas assim como eu, você sabe que Cross não vai se envolver em seus problemas, afinal ele deixou claro para nós dois que não tem nada a ver com isso. Então, é melhor se acostumar à minha presença, porque não pretendo ir embora tão cedo. Se precisar, e você vai, ligue para mim diretamente, pois pode ter certeza que Cross estará ocupado demais para atendê-la. Estarei hospedado no Carlton Hotel. Au revoir" e fechei a porta.
Deixei seu apartamento atordoado. Era para eu ter sido mais compreensivo e tolerante em seu momento de fragilidade. No entanto, vê-la menosprezando meu amor e minha preocupação com seu bem-estar, foi demais pra mim.
Passei o fim de semana remoendo nossa conversa, me sentindo cada vez mais miserável por tê-la tratado daquela forma. Liguei pateticamente para seu celular várias vezes, e fui ignorado. Uma parte de mim queria entender sua mágoa, enquanto a outra se indignava por ela ter detestado a ideia de eu estar aqui, porque me enxergava como um empecilho para se aproximar de Cross.
Depois de dois dias regados a reflexões, insônia, trabalho e uísque, a segunda-feira chegou. Minha espera tinha terminado e eu poderia ter minha conversa com Eva Tramell. Não, eu não tinha desistido de falar com ela. Eu tinha que saber o que raios ela via nele. O que esse homem tem que as mulheres ficam loucas por ele a ponto de renunciar a si próprias?
Pesquisei um pouco sobre Eva e descobri o telefone de onde ela trabalha. Peguei meu celular e disquei o número.
"Escritório de Mark Garrity, Eva Tramell falando", ela saudou em um tom profissional.
"Eva, aqui é Jean-François Giroux", me identifiquei.
"Bonjour, Monsieur Giroux", me cumprimentou.
"A que horas podemos nos falar hoje?" fui direto ao ponto.
Ela ficou em silêncio por um momento antes de responder. "Pode ser às cinco? Em uma adega na frente do Crossfire?"
"Por mim, tudo bem", ela me passou os detalhes sobre o lugar e desligamos.
Estou ansioso pela nossa conversa. Tanto, que faço questão de chegar com dez minutos de antecedência, escolhendo me sentar à mesa ao lado da janela. O garçom vem em minha direção, me saudando polidamente e anota meu pedido. Sei que Eva não se importará de tomar algo da minha escolha. Eu o instruo para que nos sirva assim que minha convidada chegar.
Eva escolheu um local bastante agradável e requintado. Um casamento perfeito entre o rústico e o moderno, que lembra muito alguns estabelecimentos parisienses, salvo a diferença nos estilos de arquitetura.
As cinco em ponto, ela entra na adega, tão elegante como quando nos conhecemos. Esta mulher exala confiança, destemor, beleza, força e sabe muito bem do seu potencial. Olhando por esse lado, dá para entender porque Cross está com ela. Em uma situação completamente diferente, eu também me sentiria atraído.
"Eva", eu me levanto para cumprimentá-la com um beijo em cada lado do rosto. "Enchanté (encantado)".
"Espero que a cor dos meus cabelos não cause nenhum incômodo pra você hoje", diz com ironia, numa referência clara à minha indelicadeza em nosso primeiro encontro.
"Ah", abro um sorriso constrangido. "Eu mereci essa".
Sem dizer mais nada, ela se junta a mim à mesa e somos servidos logo em seguida. Observo-a atentamente enquanto o garçom se encarrega de abastecer nossas taças com o shiraz. Seu semblante está tranquilo embora ela não esconda a curiosidade. Quando põe a mão na taça já cheia, noto uma marca de sol em sua mão esquerda. Ela estava usando um anel. Eu só preciso confirmar se era uma aliança.
Enquanto ela dá um gole em sua bebida, me recosto na cadeira e
começo a agitar o vinho em minha taça. "Então você conheceu a minha mulher".

"Conheci, sim. Ela é muito bonita", diz naturalmente.
"É mesmo", olho para meu vinho. "O que mais você acha dela?"
"Que diferença isso faz?" ela parece confusa.
Volto a encará-la. "Você a vê como um rival? Ou uma ameaça?"
"Nenhuma das duas coisas", diz antes de dar mais um gole em seu vinho.
Ela olha para a janela e olho na mesma direção, me deparando com um Bentley, o mesmo carro onde motorista de Cross me levou para a casa de Corinne. Identifico o mesmo motorista ao volante. Rio internamente. Ele mandou que a seguissem. Não me surpreendo.
"Você confia tanto assim em Cross?" pergunto-lhe.
Ela se vira para mim no mesmo instante. "Sim. Mas isso não significa
que não acharia bom se você voltasse pra França com a sua mulher o quanto antes".

Abro um abriu um sorriso desanimado. Seus olhos brilham assim com os de Corinne ao falar nele, talvez até mais. "Você é apaixonada mesmo por Cross, não?"
"Sou, sim", responde sem hesitar.
"Por quê?"
Ela solta uma risada. "Se você acha que é através de mim que vai descobrir o que Corinne vê nele, pode esquecer. Ele e eu somos... diferentes um com o outro em relação ao tratamento que dispensamos às outras pessoas".
"Eu reparei nisso. No caso dele", dou um gole no vinho, saboreando um pouco seu sabor antes de engolir.
"Com todo o respeito, mas ainda não sei o que estou fazendo aqui. O que você quer de mim?" rebate.
Ergo uma das sobrancelhas. "Você costuma ser sempre assim, tão direta?"
"Sim", encolhe os ombros. "Fico impaciente quando não sei o que as pessoas querem comigo".
"Então eu também vou ser bem direto", estendo o braço e pego sua mão esquerda. "Essa marca de sol no seu dedo mostra que você estava usando um anel. Um anel grande. Uma aliança, talvez?"
Ela olha para seu dedo, como se não tivesse percebido a marca, mas logo se recompõe.
"Vejo que você é bastante observador. Mas agradeceria se mantivesse suas especulações para si mesmo".
E esta é a confirmação do que eu suspeitava desde que olhei para esta marca. Caso contrário, ela não relutaria tanto em me responder. Abro um sorriso, um verdadeiro sorriso. Cross irá se casar.
"Talvez seja uma boa ideia mesmo levar minha mulher de volta pra casa".
"Acho que, se você quiser, ela volta", ela se endireita na cadeira, fazendo menção de se levantar. "Sabe o que a sua mulher me disse uma vez? Que você é indiferente. Em vez de esperar que ela tome a iniciativa de voltar, você mesmo deveria tentar uma reaproximação".
Eu me levanto junto com ela, ficando bem à sua frente. "Ela veio pra cá atrás de Cross. Duvido que uma mulher com tanta iniciativa queira ter um homem se jogando aos seus pés".
"Isso eu já não sei", para meu total desagrado, ela tira uma nota de vinte da bolsa e deixa sobre a mesa. "Ela disse sim quando foi pedida em casamento, não? Se funcionou uma vez, pode funcionar de novo. Adeus, Jean François".
Abro minha boca para falar, mas antes que qualquer som saia, ela já está a meio caminho da porta. E eu desisto. Nem me dou ao trabalho de ir atrás. Primeiro, porque não tenho o direito de lhe cobrar nada. Segundo, que o capanga de Cross poderia encarar isso como um assédio e fazer algo sobre. Não queria fazer nenhuma cena.
No entanto, nossa conversa foi bem esclarecedora.
O noivado deles pode mudar tudo entre mim e Corinne.
Nós temos uma chance, no fim das contas.
Ainda me intriga o fato de Eva amá-lo tanto, mesmo sabendo o calhorda que ele é. Mas eu a entendo. Quando se ama alguém, acabamos ignorando certos defeitos em nome de um bem maior. Exatamente como eu procurava ignorar a paixão de Corinne por Cross, embora fosse mais difícil, já que ela deixava isso claro o tempo inteiro.
Claro que não será fácil. Cross quebrou o coração de minha esposa de todas as formas e irá quebrar novamente, mas eu estarei lá para coletar os pedaços. E não pretendo falhar desta vez.
Resolvo esperar o dia seguinte para ir até a casa de Corinne novamente. Por mais que ela não queira me ver, teremos que conversar, cedo ou tarde.
Assim que piso em meu quarto de hotel, sinto meu celular vibrar. Eu o pego no bolso da calça e verifico o visor. Fico espantado e ao mesmo tempo animado de ver o nome de minha esposa na tela. Tentando controlar as batidas erráticas do meu coração, respiro fundo antes de atender.
"Oui".
"Oi, sou eu".
Fecho os olhos, apreciando o som da sua voz. "Como você está?"
"Melhor. A mudança na dosagem da medicação fez uma grande diferença. Me sinto um pouco exausta, mas isso já é esperado. Meu corpo vai se adaptar com o tempo".
Fico muito feliz de ela finalmente estar falando comigo. "Isso é ótimo. Você tem dormido bem?"
"Como uma pedra", ela faz uma pausa antes de continuar. "Escuta, eu quero me desculpar pelo que eu te disse na sexta. Sei que você estava nervoso e chateado por ter sabido da minha situação por intermédio do... Dele. Eu fiquei descontrolada e...".
"Não se preocupe com isso, chérie (querida). Eu sei que você ainda está frágil por conta da medicação, e não levei isso em conta quando disse aquelas coisas. Eu também falei demais e acabamos não resolvendo nada. Me desculpe".
"Eu entendo você, Giroux. De verdade. Sei que o que eu disse te magoou. Eu não te culpo de agir daquela forma".
"Que tal esquecermos esse assunto e começarmos de novo?" proponho. "Podemos sair ou jantar na sua casa para podermos conversar, o que acha? Temos muitas coisas pendentes, mas podemos ir resolvendo tudo isso aos poucos. O que acha?"
"Eu adoraria", sorrio ao perceber que ela também está sorrindo. "Pode ser na minha casa? Ainda não estou pronta para sair".
"Mas é claro. Eu posso levar o jantar, se quiser. A comida do restaurante do hotel é deliciosa".
"Seria ótimo. Você pode vir às sete?"
"Parfait (Perfeito)".
"Certo, então nos vemos mais tarde".
"À bientôt (Até breve)".
Desligo o celular, sentindo o alívio correr por minhas veias. A ligação de Corinne foi inesperada. Eu pensei ter que lutar mais um pouco por seu perdão, mas felizmente ela tomou a iniciativa. Tudo está dando certo até o momento. Agora, com a notícia do noivado de Eva e Cross, espero que minha sorte se duplique e eu consiga levar minha esposa para casa.
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Eu não posso acreditar no que acabo de ouvir.
Depois de termos uma agradável conversa e, entre outras coisas, termos abordado seu delicado estado de saúde e do jantar que teve com seus pais ontem, ela apenas...
"Você o quê?"
Corinne suspira, mexendo em sua comida com o garfo. "Eu quero me divorciar, Jean. Nós dois sabemos que esse casamento não vai dar certo. Ele já estava fadado ao fracasso desde o início. A nossa briga na sexta só reforçou isso. Se continuarmos desse jeito, vamos nos magoar ainda mais".
Pisco várias vezes, tentando assimilar suas palavras.
Minha esposa quer o divórcio e quer se mudar permanentemente para Nova York.
"Você é muito especial pra mim, Jean", ela estende seu braço e segura minha mão. "Você me deu um porto seguro, uma escapatória, um lugar para ficar, mas não posso mais fazer isso. Eu me aproveitei disso. E eu sinto muito. Mas  nunca neguei que sempre fui e ainda sou apaixonada por ele".
Franzo o cenho, confuso e chocado por sua sinceridade. "Você quer se separar de mim para continuar tentando lutar por Cross, mesmo ele deixando claro que está apaixonado por outra?"
Ela fica momentaneamente desconfortável e solta minha mão. "Isso é só um detalhe. Aquela mulher é só um passatempo e...".
"Não foi o que me pareceu", eu a corto. "Conversando com os dois, ficou claro para mim e pra qualquer outra pessoa, que eles se amam".
"Você conversou com eles?" pergunta.
"No dia em que cheguei à Nova York, fui direto ao Crossfire para conversar com Cross e encontrei Eva Tramell por lá. Eu comentei isso com você por alto. Eu os vi juntos. A conexão deles é óbvia demais para ser ignorada. Além disso, eles viajaram juntos nesse fim de semana".
Corinne é incapaz de esconder sua dor. "Ele já viajou comigo também. Além do mais, sempre que a gente se ver, ele vai se lembrar do passado. De nós. Ele nunca poderá ignorar nossa história".
"Mais do que ele já ignora, você quer dizer?" alfineto.
Ela recua como se tivesse levado um tapa. "Não precisa falar desse jeito comigo".
Reviro os olhos, impaciente. "Como não? Você está se iludindo, jogando tudo o que construímos no lixo por causa de... Um delírio".
"E você está fazendo o mesmo", rebate. "Eu nunca escondi que amava Gideon, nem depois que nos casamos e você insiste que estou jogando fora tudo o que construímos? Nós não construímos nada. Pelo menos não da minha parte. Quando eu dizia pra você que tentaria, não estava me referindo a fazer nosso casamento dar certo, e sim que usaria nosso matrimonio como ultimo recurso para pressionar Gideon a ir atrás de mim".
Sinto um aperto na boca do meu estômago e um nó em minha garganta. Principalmente, porque ela não disse isso de um jeito histérico, mas com seu habitual jeito calmo e comedido de ser. Corinne não está movida pela emoção desta vez. Está muito bem de suas faculdades mentais e sabe exatamente o que está dizendo. O que me faz pensar que, o que ela me disse na sexta, também é verdade.
Então, estar casada comigo é um martírio para ela?
"Olha, eu sinto muito mesmo. Quero que saiba que eu tenho um enorme carinho por você e sempre serei grata por...".
"Eles vão se casar", digo baixinho.
"Como é?"
"Eles vão se casar", falo mais alto, olhando dentro de seus olhos. "Gideon e Eva ficaram noivos durante a viagem. Eles vão se casar".
Seu rosto empalidece no mesmo instante e ela fica muda, de boca aberta, e com os olhos esbugalhados. Parece estar catatônica.
"Corinne...", eu a chamo, preocupado.
"É mentira", diz balançando a cabeça violentamente. "Você está tentando me dissuadir, mas eu sei que é mentira".
"Não, não é. Eu a encontrei hoje e ela me confirmou. Eles vão se casar. Cross inclusive, já colocou uma aliança no dedo dela".
"Não", ela olha para seu prato e se levanta. "Não, não, não, não, não, não!"
Fico assustado com sua reação. Eu me levanto também e tento tocá-la, mas ela se esquiva me lança um olhar colérico. "Não me toca! Seu cretino, mentiroso! Como você pôde?"
"Corinne, eu já menti para você? Diga uma única vez em que eu inventei algo, mesmo que fosse sobre o Cross, para que você o desprezasse".
Seus olhos começam a se encher de lágrimas conforme ela vai percebendo o que eu disse. Eu nunca menti para ela. Sobre nada. Nem sobre Cross.
"Eu preciso", ela está completamente perdida. "Eu quero ficar sozinha".
"Não acho que seja uma boa ideia".
"Por favor, só... me deixe ficar sozinha por uns instantes. Eu tenho que...", ela foi andando desajeitadamente para o quarto.
Tento segurá-la novamente, mas ela me impede. "Por favor, não. Pode ficar na sala se quiser, só... Me dê um pouco de privacidade. É só o que eu peço".
Seu rosto está contorcido em uma careta de dor tão desoladora, que acabo cedendo. Ela vai para seu quarto e se tranca lá. Fico perto da porta e escuto seu choro de cortar o coração. Um choro sofrido, de alguém que tinha acabado de perder um ente querido. Um choro que lembra muito o dia em que minha mãe falecera de câncer. Um choro que eu queria muito ter posto pra fora, mas que não pude, para ser forte pela minha irmã mais nova e por meu pai, que exigia que eu não demonstrasse fraqueza mesmo nos momentos mais difíceis.
Por um breve segundo, sinto inveja de Corinne, por ser capaz de colocar sua dor para fora. Fico distraído por alguns instantes, até perceber que não escuto mais nada. Colo meu ouvido à porta, mas não há nenhum som vindo de dentro do cômodo.
Estranhando o silêncio repentino, eu me ergo do chão e bato na porta, chamando por Corinne.
"Está tudo bem?"
Nada.
"Corinne, por favor. Me responda".
Nada.
Ela pode ter dormido. Mas há algo em mim que simplesmente refuta essa possibilidade. Começo a socar a porta com força, gritando seu nome várias vezes, mas não há resposta.
Uma sensação estranha produz um arrepio nada agradável em minha espinha. Sem pensar duas vezes, dou vários chutes na porta, até que ela se desprende do portal. O quarto está escuro, sendo iluminado pela luz do banheiro, e não há sinal dela por ali. Vou até o cômodo onde a luz está acesa e, ao chegar ao batente...
Não.
Não!
NÃO!
Corinne está deitada na banheira vazia, completamente desacordada e, no chão ao seu redor, há vários frascos de remédios.
Durante todo aquele tempo em que pediu privacidade, minha esposa estava tentando se matar por causa de outro homem.

INFORMAÇÃO IMPORTANTE: Quero explicar o  porquê do atraso na postagem desta semana. Estou em Goiás e aqui está chovendo pra caramba praticamente todos os dias, o que faz o sinal da internet cair, aí fico incomunicável. Peço desculpas para quem ficou esperando, não deu mesmo pra postar na hora como na semana passada. Nem meios de avisar antes eu tive. Então, se as postagens atrasarem, é por causa disso, viu? 
Olha, eu não sei o que pensar do Giroux, sabe? Conforme eu fui "construindo a sua mente", percebi acabei o tornando um personagem muito controverso. Fico com uma peninha tem hora, principalmente quando a Cobrinne dá aquela desprezada, ou quando ele se lembra um pouco da história com os pais e a irmã, mas também fico p da vida quando ele começa a culpar o Gideon ao invés de assumir suas burradas. E, não sei se vocês notaram durante a leitura dos livros originais, mas ele fez a mesma coisa que Maggie: enquanto ela imitou o visual da Cobrinne pra tentar chamar a atenção do Gideon, o Giroux adotou a mesma postura indiferente do moreno perigoso pra tentar fazer a esposa acordar pra vida e dar valor pra ele. Irônico, não? 
Mas essa história é um balaio de gato mesmo, viu? Socorro! 
E aí, o que vocês acharam desse lado do Giroux? Por favor, deixem suas impressões nos comentários. Quero saber se a minha leitura do personagem ficou coerente. Espero que tenham gostado! 
E é isso! Um grande beijo e até semana que vem!

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